O Trabalho do Roger Ballen Ajudou a Inspirar o Die Antwoord

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O Trabalho do Roger Ballen Ajudou a Inspirar o Die Antwoord

Conversamos sobre seus projetos e sobre como é aparecer na casa do Ninja e da Yolandi para uma macarronada e se ver cercado por suas próprias obras de arte.

A arte do Roger Ballen é bem maluca. Você provavelmente vai reconhecer a foto em preto e branco que ele fez dos gêmeos de pescoço grosso e orelhas grandes que está em quase toda compilação fotográfica publicada nos últimos 20 anos. E você também deve reconhecer seus rabiscos ligeiramente perturbadores no vídeo que ele dirigiu para a música “I Fink U Freeky” do Die Antwoord — um projeto que surgiu há oito anos, quando o Ninja e a Yolandi entraram em contato com o artista para dizer que tinham adorado o trampo dele.

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Recentemente, Ballen lançou um livro — também intitulado I Fink U Freeky — com várias fotografias da dupla sul-africana posando com suas obras e instalações. Entrei em contato com o Roger para bater um papo sobre seus projetos e sobre como foi aparecer na casa do Ninja e da Yolandi para uma macarronada e se ver cercado por suas próprias obras de arte.

VICE: Oi, Roger. Como começou sua parceria com o Die Antwoord?
Roger Ballen: Acho que foi em 2005, quando a Yolandi me mandou um e-mail dizendo que gostava muito do meu trabalho e que queria fazer algum tipo de colaboração. Respondi: “Não conheço vocês, não sou muito de fazer vídeos e estou em Joanesburgo”, porque eles moravam na Cidade do Cabo na época.

E o que aconteceu depois?
Em 2010, algumas pessoas começaram a me escrever e me ligar perguntando se eu tinha visto essa banda, que tinha se tornado viral, usando minhas imagens e desenhos, e o que eu achava disso. Fui verificar e a banda era a Yolandi e o Ninja.

E você não se importou por eles usarem suas imagens sem permissão?
Para cada fã de fotografia, há uns 10 mil fãs de música, o que significa que ter o Die Antwoord espalhando a estética Roger Ballen tornou meu público muito mais amplo. Entramos em contato de novo e discutimos como iríamos continuar nossa colaboração. Eu estava trabalhando num livro chamado Asylum of the Birds, sobre um internato de gente itinerante, onde os pássaros voavam livres e as pessoas dormiam e viviam junto com eles. Mostrei para eles algumas fotos, que eles gostaram muito. Juntos, escolhemos imagens dessa série e de meus arquivos mais antigos para inspirar as cenas de um vídeo.

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Ah sim — o clipe de “I Fink U Freeky”. Conta mais.
Eu estava numa sessão de fotos de cinco dias num galpão em Joanesburgo. Arrumei a locação e depois saí pelas ruas da cidade procurando coisas que funcionassem — colchões velhos, travesseiros, bonecas velhas, latas de lixo, coisas assim. Aí, numa das dependências do galpão, achamos um leão. Acho que alguém tinha esquecido ele ali — um leão africano de verdade, empalhado. Isso foi ótimo.

Com que frequência você topa com algo tão legal?
Eu estava em Copenhague há algumas semanas, para uma de minhas retrospectivas mais recentes, procurando por coisas. Eu estava atrás de pássaros e, no segundo dia lá, encontrei um cara que tinha uma mala cheia de pássaros mortos. Ele fazia esculturas com cabeças de animais de verdade, assim, tinha todos esses corpos de pássaros sobrando que podiam ser empalhados. Ele também tinha filhotes de crocodilos e um roedor empalhado.

Ideal. OK, de volta ao vídeo.
É, com o leão empalhado criei um mundo com a estética Roger Ballen, aí o Die Antwoord habitou ele. Eles decidiram ser africanos brancos, e acho que foi o Ninja que disse que o garoto africano devia usar o facão para atacar a cabeça do leão. Ou talvez eu tenha disto isso — não lembro, nós trabalhamos de uma maneira muito sincronizada. Bom, isso ficou legal com a batida da música.

É coincidência você só usar africanos brancos em seu trabalho? Ou é algum tipo de declaração política?
Nunca faço trabalhos politizados — deixo isso para os políticos mesmo. Acontece de eu ser branco e de minha busca psicológica lidar com a descoberta do meu interior, mas as circunstâncias também me levaram a ser conhecido por minhas fotos de africanos brancos. Quando cheguei aqui [em Joanesburgo, vindo de Nova York] nos anos 1980, eu não tinha permissão de ir para as áreas negras, mas tinha acesso fácil aos brancos. Agora, tenho fotos de africanos negros suficientes para publicar um grande livro só sobre isso. Mas meu trabalho não é sobre africanos brancos, é sobre a condição humana.

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Que aspectos da condição humana?
Quando comecei a fotografar aqui, eu frequentava casas onde os pais deixavam as crianças rabiscarem as paredes e lugares cheios de objetos estranhos por toda a parte. Eles eram pobres ou indiferentes, gente que não teve acesso à educação ou que era simplesmente caótica. A vida era uma questão de sobrevivência. Estive em lugares violentos e perigosos, às vezes, onde era tudo questão de vida ou morte. Quando você entra nesses lugares, pode pensar que é loucura. Mas se você acredita em criatividade e liberalismo, por que achar que isso é loucura? Por que isso é loucura? Por que não deixar a grama crescer?

Verdade. Fale mais sobre seu relacionamento com o Ninja e a Yolandi.
Bom, eles sempre me chamam de Sr. Ballen. Depois da filmagem e do sucesso do vídeo, eles me ligaram e disseram: “Sr. Ballen, você e sua esposa gostariam de jantar aqui?”. Eles vivem em Joanesburgo atualmente, a uns cinco quilômetros da minha casa. Tocamos a campainha, passamos pelos portões de segurança e entramos em sua casa. No começo, estava escuro, mas quando meus olhos começaram a se acostumar, percebi que as paredes e o teto de todos os cômodos — o quarto da criança, a cozinha, o banheiro, todos os cômodos — estavam cobertos com meus desenhos. Na sala de jantar, onde a gente estava comendo, olhei para cima e vi uma de minhas chitas me encarando.

Parece meio bizarro.
Eu gostei muito. Talvez seja como um útero. E, na verdade, todo mundo quer voltar para o útero, não?

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Acho que sim. E o que vocês comeram no jantar?
Macarrão.

Que delícia.

Dois livros sobre o trabalho de Ballen foram lançados recentemente pela Prestel – Lines, Marks, and Drawings: Through the Lens of Roger Ballen (junho de 2013) e I Fink U Freeky, em colaboração com o Die Antwoord (setembro de 2013).