Fugi do Brasil depois de ser perseguida por um ex-namorado
Ilustração por Verena Antunes

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Fugi do Brasil depois de ser perseguida por um ex-namorado

Sexo, mentiras e um carro incendiado na história de uma mulher que deixou o país depois de se envolver com um stalker.

Ilustração por Verena Antunes.

Tenho 32 anos e, há algum tempo, morava em Indaiatuba, no interior de São Paulo, quando minha vida mudou por causa de um relacionamento amoroso conturbado. Naquele ano, trabalhava como analista fiscal e também como florista. Na época, minha filha tinha seis anos — tive um casamento que durou uma década e que terminou como a maioria dos casamentos: com o fim do amor.

Eu não planejava o divórcio da forma como aconteceu. Eu queria que fosse mais calmo, mas houve muita pressão por parte do meu então marido para continuarmos, mas não teve jeito. Apesar de não termos dado certo como casal, não posso me queixar dele como pai. E foi durante o divórcio que se iniciou o capítulo mais angustiante da minha vida.

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Eu não estava preparada emocionalmente para a separação e passei por sérios problemas emocionais, precisando ser medicada para aliviar uma crise nervosa persistente.

Apenas um mês após a assinatura dos papéis do divórcio, conheci uma pessoa. A aproximação começou quando eu estava em um barzinho com umas amigas e este homem chegou à nossa mesa e pediu para colocar o seu balde de cerveja. A partir dali todas nós conversamos com ele e trocamos telefones.

Depois deste dia, eu e ele começamos a nos encontrar. Existia um abismo social entre nós, mas isso na minha cabeça não era um problema. Ele se dizia um cara sem estudo, ainda que me falasse que fazia faculdade de Engenharia. Ele também me contou que vinha de uma família humilde e desestruturada, e a minha impressão é que ele estava deslumbrado com uma mulher com uma situação financeira bem estabilizada, como a minha.

Eu não sei até hoje onde a verdade termina e começa a mentira.

O grande problema não era essa diferença social e financeira entre nós — e sim o fato de ele ter inventado uma vida. Uma vida que eu não sei até hoje onde a verdade termina e começa a mentira.

Ele dizia que era bombeiro, que tinha família em São Paulo, mas vivia em Indaiatuba por causa de uma avó que morava na cidade. Começamos nosso relacionamento como qualquer pessoa. Trocamos telefones quando nos conhecemos, ficamos trocando mensagens por celular, saímos uma vez, mas demorou para sairmos novamente.

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Ainda assim, engatei um relacionamento em outro, talvez por uma carência… Foram dez anos de carência. Quando casada, a relação logo entrou numa rotina e o amor foi acabando aos poucos. O bombeiro era uma pessoa legal, me botava para cima, fazia eu me sentir bem, me sentir mulher. Apesar do envolvimento, no entanto, achei estranho ele não revelar tantos detalhes da sua vida, mas também não o questionei.

Mais uma vez, a carência me deixou cega e não consegui administrar muito bem a minha vida amorosa com os dois empregos. Eu entrava no Facebook dele e via que era bombeiro, mas não conseguia ver mais informações, já que tudo era bloqueado. Além disso, os poucos amigos que conheci dele também o chamavam de bombeiro. Para mim, naquele momento, isso era o suficiente.

Início do fim

No quarto mês do meu relacionamento com o bombeiro, fui para a Disney com a minha filha e o meu ex-marido, em uma viagem que já estava marcada previamente. Como ficaria 11 dias fora do país e não tinha nenhum parente que pudesse me ajudar no momento, resolvi deixar as chaves da minha casa com o bombeiro, que iria cuidar do meu cachorro e do meu jardim.

Durante a viagem, recebi uma mensagem de um dos amigos do bombeiro falando que ele estava preso após disparar uma arma contra alguém em uma briga de trânsito. Ele disse que não era para eu me preocupar, pois o capitão iria resolver tudo e ele não ficaria preso. No dia seguinte, o bombeiro conversou comigo no Skype, me tranquilizou e pronto, não queria mais falar no assunto. Não percebi na hora, mas aquilo foi o começo do fim do meu breve relacionamento. Uma pessoa que tem uma arma, dá tiro em uma briga de trânsito. Aquilo me deu medo.

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Meu erro foi não investigar. Ele encarava a relação em alguns momentos com uma seriedade, já eu, na maioria das vezes, via só como uma relação divertida. Aquele abismo social que eu achei que não faria diferença, na verdade passou a afetar o nosso relacionamento. Neste período eu pagava tudo: saídas, jantares, diversão. E eu vi que no fundo estava com ele só pela minha satisfação sexual e essa satisfação estava ficando muito cara e eu já estava me sentindo usada.

Uma pessoa que tem uma arma, dá tiro em uma briga de trânsito. Aquilo me deu medo.

Com quase cinco meses de relacionamento, em novembro daquele ano, resolvi enfim colocar um ponto final. Ficamos amigos, trocávamos mensagens via celular e seguimos as nossas vidas — ao menos era isso o que eu pensava.

Em dezembro, quando a ruptura completou um mês, resolvi comemorar o meu aniversário com parentes e amigos. Eu pedi ao bombeiro que não fosse, já que o meu irmão nunca gostou dele. Apesar do pedido, ele foi com um amigo e me presenteou com um bicho de pelúcia e um buquê de flores, deixando o meu irmão muito nervoso, a ponto de amassar as flores e jogar uísque no bichinho de pelúcia e esfrega-lo em seus genitais.

Após o réveillon, em janeiro do ano seguinte, conheci outra pessoa. Um dia eu chamei o cara com quem estava saindo para jantar em casa.

Preparei o jantar e ficamos juntos. Então, por volta de três da manhã, esse cara com quem tinha me encontrado foi embora. Minutos depois o meu telefone tocou: era meu vizinho, desesperado, falando que meu carro estava pegando fogo. Eu desci, o andar de baixo estava cheio de fumaça, e quando abri a porta da sala para garagem, vi o carro completamente em chamas.

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Meus vizinhos viram um motoqueiro em uma moto esportiva, parado na esquina, acelerando a moto como se quisesse ser visto. Minha casa era muito segura. Tinha um muro de quase três metros, com alarme, com cerca elétrica e cachorro. Como isso aconteceu? Como alguém entrou na minha casa? Era o que eu me perguntava.

Passei a madrugada fazendo o boletim de ocorrência. Um investigador começou a suspeitar de um crime passional e questionou sobre o meu relacionamento com o meu ex-marido, que a essa altura era uma boa relação. Os questionamentos continuaram, até que chegamos ao bombeiro.

"Meu vizinho, desesperado, falou que meu carro estava pegando fogo."

Me lembrei então de uma situação ocorrida em novembro, quando a central de monitoramento me ligou falando que o alarme da minha casa estava disparado. Achei estranho, fui para casa para ver se estava tudo em ordem e, chegando lá, vi a porta fechada e tudo no seu devido lugar. Acontece que a vizinha veio comentar que viu o bombeiro abrir a garagem pouco antes de o alarme disparar.

Questionado na ocasião, o bombeiro me disse que queria fazer uma surpresa. Eu falei que ele não tinha mais autorização de entrar na minha casa e que devolvesse o meu controle da porta da garagem — o que ele fez.

Eu tinha uma câmera de segurança na minha casa. Quando fui procurar minhas filmagens no HD, para dar aos peritos, descobri que minhas câmeras não filmavam nada desde outubro — o mesmo mês em que viajei e deixei as chaves da casa com o bombeiro. Nunca fiquei olhando as filmagens, elas iam direto para um drive. Fiquei horrorizada com a informação. A polícia conseguiu por meio de outras câmeras da rua, ver uma motocicleta que batia com a da descrição dos meus vizinhos. Mas pelo porte físico do motoqueiro não seria o do bombeiro.

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A polícia encontrou o dono da moto: o filho de um guarda civil metropolitano e amigo do bombeiro, que o acompanhou na minha fatídica festa de aniversário. Qual não foi a minha surpresa quando eu, olhando nas redes sociais do bombeiro, achei o perfil do amigo motociclista e, em uma foto, o tal amigo aparecia na minha cozinha na época em que eu havia viajado para os Estados Unidos.

Um dia depois de ter meu carro incendiado, o bombeiro começou a me enviar mensagens no celular. Ele se ofereceu para ajudar e começou a tentar se aproximar novamente. Isso me deu medo. Eu comecei a procurar um lugar para sumir. Eu não poderia ficar no país. Eu tinha medo por mim e pela minha filha.

"Descia do ônibus em um ponto diferente, pegava um ônibus para outro lugar e de lá ia para empresa, dando uma volta totalmente diferente do que eu fazia normalmente."

Comecei a falar para as pessoas que estava brigada com a família, fiz isso para proteger meus amigos e ao mesmo tempo estava preparando minha fuga do Brasil. Eu falei que havia me demitido da empresa chinesa. Eu saia para trabalhar, descia do ônibus em um ponto diferente, pegava um ônibus para outro lugar e de lá ia para empresa, dando uma volta totalmente diferente do que eu fazia normalmente para ir ao trabalho.

Eu abandonei a minha casa e passei a dormir na casa de amigos e parentes para não ter uma rotina. Um dia, pedi a ajuda para um primo para ir em casa buscar roupas e documentos. Fiz uma mala grande, e saí de casa. No dia seguinte, o bombeiro me mandou uma mensagem, perguntando qual a opinião do meu primo a respeito da minha viagem e para onde eu ia com uma mala tão grande. Foi então que eu tive certeza: ele estava me seguindo.

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Desesperada com o que poderia acontecer, fiz um acordo na empresa em que trabalhava e fui para Dublim, na Irlanda, em março 2015. Deixei de ser loira e virei morena. Viajei como uma fugitiva, largando tudo: minha vida, filha, emprego e empresa.

O principal motivo da minha saída do Brasil foi a lentidão na Justiça e o medo que eu sentia diariamente. Isso porque eu fiz uma denúncia contra o bombeiro que foi ouvido, junto com o amigo motoqueiro, pela polícia depois do episódio do incêndio do meu carro.

Durante um período a minha vida simplesmente parou, enquanto ele continuava morando na minha cidade e, pelo que soube, havia até arrumado um emprego como segurança.

Eu não fui a única

Depois de um ano morando fora do país, voltei para ver a minha filha e tomei conhecimento de uma reportagem de uma emissora de TV local que denunciava os crimes cometidos pelo bombeiro. Foi então que eu descobri que havia pelo menos outras cinco mulheres que passavam pela mesma situação que eu. Com uma delas ele chegou, inclusive, a ter uma filha.

Uma das vítimas dele descobriu o contato das outras mulheres e elas se uniram para denunciar. A história contada para elas era a mesma: de que ele era um bombeiro e passava boa parte do tempo no batalhão da Sé, na capital paulista, mas no fundo estava na casa de outra vítima.

Após ser descoberto, ele deixou de falar com algumas vítimas e passou a ameaçar outras, como fez comigo. Foi então que percebi que poderia tentar seguir a minha vida ao lado da minha filha, já que ele estava ocupado o bastante para se defender na Justiça e com suas outras famílias.

Ao saber da dura verdade, confesso que me senti menos pior por não ser a única enganada e envolvida por um manipulador. Não choro tanto quanto antes, mas com os amigos e família o assunto já é tratado de maneira mais leve, até porque não quero ficar no papel de vítima. Ainda tenho medo do reencontro, já que ele continua solto. Enquanto isso, vou tentando me curar.

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