Um papo sobre moda, estilo e rua com Igor Morozini

FYI.

This story is over 5 years old.

Entrevista

Um papo sobre moda, estilo e rua com Igor Morozini

O skatista paulistano fala sobre seu brechó Casa do Kit e como curte se vestir bem gastando pouco.

Igor por Cassia Tabatini

*Da Fort Magazine

O skatista Igor Morozini sempre curtiu moda. Mas foi só quando seu armário começou a ficar cheio demais que ele decidiu compartilhar um pouco de seu estilo. "A galera curtia muito minhas roupas, então tive a ideia de criar um brechó", diz ele. Nascia assim a Casa do Kit, uma conta de Instagram na qual nosso personagem coloca à venda peças que encontra pelas ruas da cidade e lojas vintage — além daquelas que já não cabem mais no próprio acervo.

Publicidade

"Sempre gostei de roupa, assim, meio de tiozinho. Onde vejo uma portinha com a palavra 'brechó' escrita, eu entro", conta Igor, que também é idealizador da festa LIT, ao lado de Saulo Dot, Baby Cami e Enor Alstom. "Mas não é tão fácil achar tudo que quero e gosto." Esse tudo, no caso, são itens de marcas como Polo Ralph Lauren, Lacoste, Versace e Yves Saint Laurent.

Editorial da Casa do KIT. Foto: Cassia Tabatini

"Na vila, o pessoal tem essa coisa com a ostentação, né? As marcas dão um pouco isso", explica ele, sobre a influência e história de cruzamento entre a moda e a cultura de rua (algo que remonta às origens do hip hop, na Nova York do fim dos anos 1970 e começo dos 1980). "Mas para mim nem é tanto a coisa da ostentação, tem mais a ver com uma questão de design mesmo, qualidade do produto… Não gosto de roupa de loja, gosto de me vestir bem gastando pouco."

No papo a seguir, Igor fala mais da Casa do KIT, moda e consumo. Saca só:

VICE: Me explica de onde vem o nome Casa do KIT? Igor Morozini: O kit é a roupa que você veste, é o look.

É uma espécie de gíria de vocês então? É, é uma gíria, igual vocês falam "olha, que look bafo!", agente fala "nossa que KIT foda!". (risos) A casa do KIT é um lugar, é uma cool house, onde a gente vende pros moleques sabe? Aquilo que eles sempre quiseram ter, mas não acham fácil… Por exemplo, um track suit legal, uma coisa assim.

Foto: Cassia Tabatini

Como os outros skatistas, ou os "moleques", compram? 
Eu criei uma conta no instagram, lá eu coloco a descrição das peças e peço para me chamarem no direct… Faço uma seleção das peças que acho mais interessantes para irem para a página e vou alimentando.

Publicidade

Eu vi! As descrições são ótimas!
É, eu faço do meu jeito (risos).

Foto: Cassia Tabatini

Como você acha que formou esse olhar?
Cara, na rua… O skate me trouxe isso! O skate despertou a coisa da roupa… Eu via meus os ídolos do skate em vídeos, fotos, e eu ficava querendo aquilo sabe? Eu ficava buscando roupas parecidas… A coisa foi mudando muito desde os anos 90, naquela época tudo era mais bigger, agora é mais slim, enfim dizem que 50% da manobra que você filma é a roupa que você usa!

Você percebe que isso está mudando desde quando? Essa relação da moda com o skate? Essa preocupação com a imagem? Desde 2010 mais ou menos… Mas, na verdade, sempre existiu esta relação moda e skate, mas agora existe uma consciência maior… O mercado entrou nessa também! Acho que isso rolou pela mudança de patamar do skatista, hoje alguns são tipos artistas, meio que a mesma coisa que aconteceu com o graffiti, enfim… Antes era uma coisa marginalizada, agora mudou de status.

Foto: Cassia Tabatini

Você fala muito na vila… E a vila? 
Eu pego muita inspiração de lá! Existe um bom gosto que não é explorado, que as pessoas nem sabem, nem olham… Tem uns caras se vestem bem pra caralho! A diferença é que eles gastam dinheiro com loja e eu compro tudo de segunda mão… Gosto dessa parada das roupas mais antigas porque para mim o que rola hoje é só uma releitura do passado… Eu gosto do que veio primeiro, do precursor.

E nesta relação moda e skate eu queria que você comentasse também sobre a questão da masculinidade, afinal a gente sabe que o skate foi um meio bastante machista e ainda é muitas vezes, mas como se dá isso agora nesta nova relação com a moda? Cara mudou muita coisa! O skate acho que na verdade é um sintoma de outras transformações… A atitude do skate, a moda do skate, isso agora é mais tranquilo. No passado, por exemplo, os caras batiam nos patinadores, porque achavam que eram fags!

Publicidade

Aliás, eu acho até que houve fag gangs de patinadores…
Pois é… Mas tipo abriu! Veio de uma liberdade das novas gerações… Acho que essas transformações têm a ver com o fato que só agora, recentemente, por exemplo, depois de muitos anos que o Brian Anderson conseguiu se assumir gay… E eu gosto mais dele agora até do que antes. Fico imaginando o que o cara não sofreu. Na verdade nas entrevistas ele conta bastante coisa. Acho que tudo isso está ligado… Estamos em 2017!

O fast fashion engoliu as pequenas marcas de skate. Fico pensando se esta cultura do upcycling e a cultura do brechó não são uma espécie de forma de resistência também, sabe? Um projeto como a Casa do KIT é político?
Isso tem tudo a ver! Tá ligado sim! Primeiro que a loja de departamento não pensa no meu corpo, o primeiro rola que eu for tomar, fudeu, rasgou…

Foto: Cassia Tabatini

O consumo mudou, em uma época em que mais do que nunca tudo é consumo, inclusive nossos corpos, como não virar produto também? O corpo é produto, como não virar mercadoria? Ou tentar não virar? 
Cara para mim a resposta disso é essência… Ninguém compra ou vende sua essência.

Isso é superinteressante! Porque o que vejo hoje, é a Moda e as marcas mais desesperadas do que nunca com isso, em achar essa essência, um lifestyle para vender. Claro que a Publicidade entende disso há anos, mas agora estão tentando de tudo…
Mas para mim sai muito tiro no pé nesse lance… Porque não da para pegar, ou você tem ou você não tem, ou você é ou não é! E outra a moda acontece na rua na verdade, a internet está aí, beleza, mas a coisa acontece fora da tela… A LIT para nós é isso! A festa é uma plataforma de lifestyle ao vivo! Agente acredita que o real reconhece o real…

Publicidade

Foto: Cassia Tabatini

A LIT então é uma espécie de desdobramento de ideias que também estão na Casa do KIT? Você acredita que a Casa do KIT é um um coletivo? 
Tem aquela frase clichê: "a união faz a força." A gente vem de um lugar que não nos cria para isso, para sermos artistas, essas coisas… A vida é acordar cedo, ir trabalhar, voltar, dormir, ir para a igreja, meio máquina, uma repetição. A gente saiu da curva, decidimos estar à parte… Criamos o nosso lifestyle e nos juntamos nisso, por uma identificação… O que eu puder fechar com eles em termos de coletividade eu vou fechar! Afinal nos conhecemos na rua e temos várias coisas em comum.

Essa micropolítica, esses agrupamentos, são para mim, as grandes formas de resistência hoje, principalmente no momento em que vivemos… Os jovens e esses arranjos são muito poderosos! Sendo assim como você vê o trabalho de vocês de uma forma política? Eu tô com 24 anos e eu não sei o que vai ser de mim amanhã… Só tô fazendo o meu corre, saca? Mas acho que hoje o negócio é poder ganhar dinheiro fazendo o que você gosta, sua arte, mesmo que seja pouco! Cara a vida já é foda, o mundo não suporta mais nada…

Foto: Cassia Tabatini

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.