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Música

Retornando ao Clã

O legado do Wu-Tang nos 20 anos de Enter The Wu-Tang (36 Chambers).

C.R.E.A.M. Ilustração por Jaeil Cho.

Eu detestei o Enter the Wu-Tang (36 Chambers) na primeira vez em que ouvi. "Que merda é essa?" eu pensei, enquanto o ouvia na sala da casa dos meus pais em Staten Island. Isso foi em 9 de novembro de 1993, o mesmo dia em que o Midnight Marauders do A Tribe Called Quest foi lançado. Eu comprei os dois, mas o Tribe me pegou desde o começo. Talvez seja porque eles estavam na vanguarda de tudo o que estava acontecendo no hip-hop contemporâneo naquela época - samples de jazz, linhas de baixo filtradas, rimas descontraídas. Os Wu-Tang, bem, eles estavam em outra brisa, umas coisas que não faziam sentido nenhum para uma criança branca de 11 anos da região de Shaolin que o Clan definitivamente não fazia parte.

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Algo que eu sabia era que antes de o álbum ser lançado, a canção "M.E.T.H.O.D. Man" era tocada constantemente na Hot 97, uma estação de rádio que tinha acabado de começar a tocar hip-hop. E no meu colegial, na I.S. 72, brancos e negros sabiam cantar "Protect Ya Neck" palavra por palavra, do começo ao fim. No recreio, muitas histórias sobre membros do Wu terem sido vistos em algum shopping ou outro refúgio local. Eles eram lendas urbanas de um bairro que não era o nosso, e tudo o que sabíamos sobre eles na época vinha dessa fita cassete que eles tinham lançado - "Protect Ya Neck" no lado A, e "Tearz" no lado B.

Então quando o Enter the Wu-Tang saiu, eu comprei o álbum, mais ou menos porque parecia a coisa certa a se fazer se você fosse um jovem em Staten Island. E enquanto eu não entendia qual que era o lance deles, à medida que eu o ouvia, mais ele me cativava. Era quase como se eu tivesse que entender a sua língua, sobre o que eles estavam falando, antes que eu pudesse processar a música. Havia tanta gíria, referências internas, e as batidas eram lo-fi, mas melódicas. Era a resposta da Costa Leste para o The Chronic do Dr. Dre, que havia sido lançado um ano antes.

Eles não eram apenas rappers, eram personagens, parte de uma fantasia urbana elaborada que acontecia ao mesmo tempo nos discos e na vida real. Eles possuíam nomes estranhos como RZA e GZA, Method Man e Raekwon the Chief. Um cara teve a audácia de se chamar Ol' Dirty Bastard. Outro usava uma máscara no rosto, então era o Ghostface Killah. Outro se chamava Masta Killa. Um membro tinha não apenas um, mas dois nomes - Inspectah Deck e Rebel INS - e bem antes de o Kanye West nos dizer que ele era Deus, o U-God já se auto-proclamava um.

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Por mais incrível que o Enter the Wu-Tang fosse, ainda assim o álbum rodou nas vitrolas até certo ponto. Não era que as pessoas não o ouvissem - naqueles tempos, a indústria musical era bem diferente, e coisas como vendas da primeira semana não importavam muito. Era uma caminhada lenta, e enquanto o álbum deslanchava, eram os clipes que realmente faziam as coisas avançarem. Os clipes para "M.E.T.H.O.D. Man", "C.R.E.A.M.", "Wu-Tang Clan Ain't Nothin' to Fuck With", e "Da Mystery of Chessboxin'", entre outros, começaram a ser exibidos nos canais BET e Video Music Box, e foi aí que vimos quem esses personagens eram - portando espadas, máscaras nos rostos, vestidos como ninjas usando capuz. O hip-hop nunca tinha visto um bagulho como esse antes.

E tudo isso foi ficando mais e mais emocionante. Qualquer um que estivesse prestando a mais remota atenção no rap naqueles dias, não conseguia resistir e se deixava levar. O Wu-Tang era um rap hardcore feito por caras que obviamente tinham lido muitos gibis, assistido a muitos filmes, e obviamente ainda estavam muito ligados ao que acontecia nas ruas. Dois de seus membros (U-God e Cappadonna, o membro não-oficial) estavam presos enquanto 36 Chambers era gravado.

Nos anos que se seguiram após Enter the Wu-Tang, houve o lançamento de uma porrada de trabalhos solo dos membros do grupo, muitos considerados clássicos por seus próprios méritos. Cheios de trechos de filmes, intros, outros e interlúdios, cada projeto tem sua proposta única e funciona como um mini-filme. Os vídeos que acompanhavam as músicas eram praticamente curta-metragens. Após algum tempo, o culto ao Wu-Tang se transformou em realidade. Logo não era mais estranho ver jovens com o logo do Wu-Tang tatuado em seus braços. Pessoas que não sabiam nada sobre a Nation of Gods and Earths começaram a fingir serem Five Percenters. E quase todos no hip-hop – incluindo Biggie, Jay-Z e Nas - começaram a se comparar a chefes da máfia, rasgando e guardando páginas do livro que o Chef Raekwon escreveu com o Only Built 4 Cuban Linx. Foi uma época divertida.

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Enquanto a lenda do Wu-Tang crescia, mais audaciosos eles ficavam. Apesar de ser próximo do Meth, o Raekwon humilhou o Biggie no "Biters", e alguns anos depois ele teria dado um soco na cara do Mase durante um jogo de basquete. A treta com a turma da Bad Boy continuava a ferver. Em 1997, prontos para lançarem seu segundo LP, Wu-Tang Forever, o grupo encabeçou o Summer Jam da rádio Hot 97. Mas a faixa épica do grupo, "Triumph" não estava conseguindo muita atenção na rádio – as playlists favoreciam o Notorious B.I.G. (que tinha morrido meses antes) e Diddy - então eles subiram no palco e desceram o cacete na rádio ("Onde o hip-hop morre", zombou o RZA), e foram consequentemente banidos da rádio. Os efeitos do banimento mandou a sorte do grupo numa espiral em direção ao ralo.

No fim dos anos 90, o som do hip-hop mudava drasticamente. Foi-se a percussão suja, e vieram os loops de clássicos dos anos 80. Agora é a época do terno brilhante, e os imperadores Wu-Tang precisavam desesperadamente de roupas novas. Depois que o Forever saiu, a segunda leva de LP's solo aconteceu entre erros e acertos (Immobilarity do Raekwon foi um fracasso memorável; Tical 2000: Judgement Day foi certeiro). E os esforços introdutórios de Inspectah Deck (Uncontrollable Substance) e U-God (Golden Arms Redemption), por mais que fossem apreciados pelos fãs, não conseguiram atrair novas audiências. E ainda existiam tantos outros projetos afiliados ao Wu-Tang - Killarmy, Sunz of Man, Killah Priest, La the Darkman, Remedy - que ficou impossível saber quem era quem, e o que cada um fazia. Eles realmente achavam que o Remedy iria estourar? Nem precisa responder.

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Parecia que os Wu precisavam se reagrupar, voltar para o que faziam de melhor. No seu lançamento em 2000, The W, eles conseguiram chegar lá. Os singles tentavam juntar o velho ("The Jump Off") com o novo ("Gravel Pit"), mas o clipe para essa última, inspirado nos Flintstones, era patético e sem sentido. Porque o Wu-Tang estava fazendo músicas dançantes e aceleradas? Ninguém sabia além deles, e até isso eu ainda não tenho certeza. Mesmo assim, houve momentos brilhantes. Ghostface e seu Supreme Clientele - um dos melhores discos de hip-hop já feitos - ajudaram a manter a bandeira do Wu-Tang no alto, e o trabalho solo do RZA como Bobby Digital era sempre divertido. Method Man tornou-se uma estrela de cinema. Nunca o mercado do hip-hop nunca enfrentou a falta de Wu-Tang, algo que já foi rima do Ol' Dirty em "Da Mystery of Chessboxin'".

Foi nessa época que ficou extremamente claro que nem todos dentro do Clan estavam no mesmo ritmo. Outro álbum do grupo, Iron Flag, foi lançado em 2001, e enquanto poderia ser considerado um trabalho até decente dos caras, estava claro que a química entre eles estava acabando. Talvez todos estivessem desesperados para seguir seus próprios caminhos. Quem sabe. Seu próximo trabalho, 8 Diagrams, lançado 6 anos depois, fez muito pouco para convencer do contrário. Na época eu trabalhava para a MTV, e em uma entrevista, o Ghostface me contou que o álbum era uma "palhaçada", e distanciou-se do projeto.

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Problemas internos à parte, apenas recentemente os esforços do Wu-Tang foram realmente reconhecidos. Esse foi o coletivo que criou o manual de como dominar a cena do rap. Não contentes em apenas vender música, eles enfiaram seu logo W em camisetas, hoodies, bonés e acessórios - e venderam tudo em suas próprias lojas - bem antes de Roc-A-Wear, Sean Jean ou a tal moda urbana sequer serem algo. Também fizeram quadrinhos (Nine Rings of Wu-Tang), video-games (Shaolin Style), televisão ("Method and Red"), filmes ("Black and White") e livros (The Wu-Tang Manual). Pegue qualquer movimento de rap dos últimos quinze anos e você verá a influência do Wu-Tang em tudo o que fazem.

Mas nem todos os empreendimentos dos Wu foram um sucesso, muito menos na música, e eles até perderam o Ol' Dirty Bastard (R.I.P.) no caminho. A velha discussão sobre a qualidade das gravações que existem em um contexto de um trabalho de escopo muito maior, lançadas em um intervalo de 20 anos, certamente revelará alguns fracassos, e continuar fazendo isso é um desserviço em relação à quão importante os Wu-Tang são. Nem tudo o que um artista faz será um sucesso. Isso é hip-hop, merdas acontecem.

Mas 20 anos se passaram desde seu álbum de estreia, e o Wu-Tang continua relevante e a marca que deixaram ainda é importante. Se não é o Kanye West chamando o Ghostface para uma colaboração, é o Raekwon aparecendo em um remix à la Justin Bieber inspirado pelo "Wu-Tang Clan Ain't Nothin' To Fuck With", ou Drake nomeando uma faixa sua "Wu-Tang Forever", ou o grupo se reunindo no Coachella para se tornarem de fato os headliners do último dia do festival. Eles até participaram do Summer Jam esse ano. Tudo isso é bem tangível. Você pode ver, ouvir e senti-los. O Wu-Tang como uma forma física encontra-se claramente vivo e saudável.

Mas onde o Wu-Tang realmente importa, na verdade, é nos corações e mentes dos fãs que estavam lá desde o começo, lá atrás em 9 de novembro de 1993. Pessoas que tiveram a sua ideia do que era ou o que poderia ser o hip-hop mudada pelo lançamento de um álbum icônico. Pessoas como eu, que detestaram o Enter the Wu-Tang no começo, mas depois reconheceram como eram brilhantes. Nós somos os que conseguem enxergar a influência do Wu-Tang em quase todo o hip-hop feito hoje em dia. Para nós, o Wu-Tang não é apenas música. É uma ideia. Uma cultura. Um modo de ser. Para nós, o Wu-Tang ficará para sempre.