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Os 10 melhores apelidos do futebol argentino

Já imaginou uma triangulação entre Botijão, Discoteca e Satanás?
foto futebol maradona apelido

Um apelido é aquela última olhadela que Deus te dá antes de te largar à própria sorte no tempo que transcorre entre uma viagem de ônibus e outra. Ao menos é assim no futebol argentino. Os vestiários de lá estão repletos de "loucos", "russos" ou "turcos", mas, assim como na anatomia geral de um time pequeno, há sempre um lugar especial para os destaques. São aqueles nomes espirituosos que envolvem lendas elaboradas pelo pessoal das peladas da infância ou pela geral das arquibancadas ou, ahm, por ninguém. É que nos campos da Argentina, os apelidos são mais marcas de nascença do que tatuagens. Às vezes a pessoa já nasce ou é benzido com seu epíteto boleiro, como são os casos de Uvinha e de Botijão. Vamos à escalação:

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Rubén “Hacha Brava” (“Machado Valente”) Marino Navarro

O Hacha foi campeão das Libertadores de 1965 pelo Independiente e é um baluarte histórico do time daqueles anos. Seu apelido era Machado Valente e você, jovem fã do esporte, talvez esteja se perguntando o porquê. Bom, digamos que Navarro um dia parou de cabeça um chute a gol de San Filippo e que em outro jogo saiu de campo de maca, fraturado, mas erguendo o punho para a torcida. O cara fazia qualquer jogador raçudo parecer fraco. Ele era a própria raça. Era tão bravo que Pelé o admirava e até foi visitá-lo em casa, em Bernal, quando ele estava todo quebrado. Quer um exemplo do quão casca-grossa era Hacha? Veja no vídeo abaixo ele recomeçando o jogo depois de levar uma garrafada da torcida rival.

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Hacha Brava monta um burro ao lado de Negro Rolán (O Gráfico)

Claudio “Sifón” (“Sifão”) Úbeda

O “Sifón” não foi um dos zagueiros mais aclamados dos campeonatos nacionais ou internacionais. Nem tinha um desempenho físico ou uma habilidade excepcional. Mas tinha coração. Um enorme coração que fez com que ele se conectasse com as grandes torcidas do Racing e do Huracán. Era, para muitos, tão providencial na zaga quanto um sifão na pia. Até hoje “Sifón” é adorado no bairro de Parque Patricios, reduto do Huracán, e no município de Avellaneda, território do Racing. E também neste vídeo muito bem cantado, é claro:

Nicolás “Uvita” (“Uvinha”) Fernández

Em épocas de pouca mística para apelidar jogadores de futebol, o surgimento do Uvita foi uma bênção para nosso esporte favorito. Ainda mais quando descobrimos que a inspiração veio de seus amigos do bairro. A razão? Ele era escuro e pequeno como uma uva. Ê, Uvinha.

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O fato é que, além de seu apelido sem querer homenagear o vinho de caixinha argentino, o moleque joga muito. Não vai demorar para sair do time Defensa y Justicia, e se não for contratado por nenhum clube grande, vai acabar indo jogar na Europa. Um brinde, meu querido, com este aqui:

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Jorge “Fatura” Broun

Qualquer pessoa que tenha passado mais de dois dias em Rosario e entrado no clima da cidade sabe que é um lugar diferente de qualquer outro. Ali você não pede um “hamburgui” na rua nem ferrando e, quando resolve dar uma de engraçadinho e jogar em um dos dois grandes times da cidade, você é recebido assim:

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Desse maravilhoso núcleo de identidade futebolística surgiu Jorge “Fatura” Broun, que só não comeu o C do apelido (a grafia correta é “factura” e se refere aos populares doces de padaria argentinos). Mestre. Até hoje não se sabe se ele ganhou o nome do doce porque ele gostava muito de comer ou porque ele parece um. A torcida também não sabe explicar. O que interessa é que quem é bom, é bom de qualquer maneira. Se você não acredita, dá uma olhada nessa defesa inacreditável. O estádio inteiro gritou. Que mané Gordon Banks.

Victorio “El Manco” (“Maneta”) Casa

O apelido de Victorio Casa remonta muito sinteticamente a uma parte da história argentina. Certa noite, o atacante, que ainda não era “El Manco”, estacionou seu carro e ao sair recebeu uma rajada de metralhadora que atingiu seu antebraço direito. O ala do San Lorenzo tinha parado e descido em frente à Escola de Mecânica da Armada e um dos sentinelas pensou que ele fosse um… um o quê? Ninguém sabe. Mas tomou chumbo. Por incrível que pareça, Victorio não perdeu a sagacidade que o caracterizava dentro e fora de campo. Continuou agindo da mesma maneira com seus companheiros, Los Carasucias de Boedo. Ou seja, continuou na farra absoluta e alguns ainda se lembram de quando os companheiros do time escondiam sua prótese durante as concentrações…

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Carlos “Discoteca” Núñez

Que coisa injusta! Tem tanto jogador que vive virando a noite e o pobre Carlitos Núñez foi quem levou a pecha de “Discoteca”. Carlos, querido, a Vice está com você. “E quem nunca teve um amor?/E quem nunca gozou entre papoulas?”, perguntava a poeta Alejandra Pizarnik. “E quem nunca disse ‘este sábado vou ficar em casa’ e acabou numa boate?”, podemos acrescentar. O time chileno Unión La Calera, onde joga agora, quer saber a origem do apelido. Não se preocupem, amigos, nós botamos a mão no fogo por ele.

Javier “Satanás” Páez

Alguém conhece outro Satanás no futebol? Pois é. Vinte e cinco anos de carreira, 140 mil times e sabe-se lá quantos atacantes não se lembrarão dele quando aquele ar de chuva faz as cicatrizes doerem. Profissional incansável, Satanás jogou até pouco tempo no time Sol de Mayo da cidade de Viedma. “Até pouco tempo” significa até os 43 anos. Isso é que é paixão. Por que alguém que passou boa parte de sua carreira em times de primeira divisão se mudaria para Río Negro, na Patagônia, para lutar com lobos marinhos? Pelo amor à bola, amigos. E porque, bem, o cara é alinhado ao Tinhoso. Como vemos aqui:

Mas, infelizmente, como esse ramo é muito injusto, Javier também teve maus momentos dentro e fora do campo, como mostra este vídeo de torcedores do Chacarita perguntando muito educadamente a ele quando alcançaria de novo a destreza demonstrada em outras aventuras futebolísticas.

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Sebastián “Patota” ("Gangue") Morquio – Fernando “Samurai” Moner

Com dois jihadistas como estes, como é que o Huracán de Babington, de volta à primeira divisão lá pelo ano 2000, não iria se sentir seguro? O time, conhecido como “o Inglês”, pode ter feito jus ao apelido ao deslizar pela grama cheio de elegância durante os anos 60 e 70, mas na hora de montar um time para o campeonato argentino de segunda divisão, foi além da estética: “Patota” Morquio de zagueiro central, “Samurai” Moner de lateral esquerdo. Só de ler, já dói o tornozelo. Se um desses moleques tivesse ficado famoso depois de 2001, com certeza seu apelido seria “Osama”. Escuta só essa:

Se bem que, sejamos justos, nem todas as intervenções do “Patota” e do “Samurai” terminavam no hospital. Também houve momentos como este. Lembra quando a Argentina era a Argentina?

Víctor Javier “Carucha” ("Careta") Muller

Ah, aqueles verões em que fazíamos festas na rua com nome de boxeador: Luis Ángel Firpo, perto do nº 10 mil, na imensa região noroeste da Grande Buenos Aires, a terra onde todo ano, todo santo ano, famílias inteiras eram jogadas do ringue para a favela. Poucos ídolos eram batizados sob as parreiras de uvas verdes que nascem sozinhas no bairro de Pablo Podestá; poucos, mas verdadeiros. Como o emblema do sucesso da década passada, Víctor Javier “Carucha” Muller. “Nossa, que ‘Careta Muller’!”, alguém dizia na esquina quando você aparecia meio detonado. “Carucha” Muller, o bairro todo fazia gato de TV a cabo para ver você jogar com a camisa do Chacarita. “Carucha” Muller, 1999, meu avô está fazendo um frango na churrasqueira debaixo da parreira e espera que amanhã o time volte a ganhar. É isso.

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José Luis “Garrafa” ("Botijão") Sánchez

De pé, por favor. Como pôde haver tanta magia em um só homem de Deus. Filho de um homem que trabalhava entregando botijões, o apelido se instalou desde a infância. Este não é o espaço para discutir o quanto será difícil ver de novo jogadores do futebol de bairro, como José Luis Sánchez, no futebol mundial, mas parece bem difícil, bem difícil. Com a velocidade e a movimentação como regra básica, como pode haver espaço para esses caras?

Um cara que joga com a bola no chão, atarracado, metido, canhoto, que se desloca pelo campo como quem vai comprar uma cerveja no boteco depois da meia-noite em pleno janeiro. Ou como se trata a polícia quando vem encher o saco no seu bairro: com frieza e fazendo com que se sintam estrangeiros. Não vai ter mais ninguém assim? Ninguém que vá da terceira para a primeira divisão e continue morando na perifa, em rua de terra, e com o Fiat cor de vinho? E que faça ISTO em uma final?

É o cara que não dava ouvidos para a mãe e continuava jogando pelada quando já era profissional, que compra tênis para as crianças do bairro; o “Garrafa” encarna uma parte da argentinidade que é difícil de encontrar, mas impossível de esquecer. Nosso Zidane da quebrada. Que saudade.

Bonus Track: Diego “Oxford” Maradona

Sem palavras.

Essa matéria foi originalmente publicada na VICE Argentina.

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