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Entretenimento

Todas as vezes que pessoas negras se infiltraram na Ku Klux Klan

Talvez você tenha visto uma esquete com o tema, mas os casos da vida real são ainda mais loucos.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Esquerda: foto cortesia Comedy Central. Direita: foto cortesia David Lee/Focus Features.

Um membro negro da Ku Klux Klan? Claro, como uma coisa de comédia. Pense em Cleavon Little em Banzé no Oeste ou Clayton Bigsby de Dave Chappelle.

Mas a carterinha de membro que Ron Stallworth me mostra, assinada por um Grand Wizard Duke em 1979, é uma prova e não uma piada.

“Ninguém acreditaria em mim se essa carteira tivesse sido destruída ou se meu certificado de membro fosse destruído”, diz o policial aposentado do Colorado, nos EUA, que é o tema do filme de Spike Lee Infiltrado na Klan, que estreou semana passada.

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Nas turnês promocionais, Lee disse que primeiro achou que a história tinha uma coisa de esquete do Chappelle quando o colega diretor Jordan Peele fez o pitch para ele. A adaptação é baseada no livro de Stallworth de 2014 Black Klansman: Race, Hate, and the Undercover Investigation of a Lifetime, que apresenta os arquivos que Stallworth diz ter guardado contrariando ordens diretas. Vendo que a história era verdadeira, Lee embarcou no projeto.

Stallworth, interpretado por John David Washington, conseguiu entrar nos ranques da KKK local principalmente por telefone. Um colega detetive branco (Adam Driver no filme) se passava por ele quando os membros da Klan pediam para se encontrar pessoalmente. A investigação de nove meses não rendeu nenhuma prisão, mas revelou que os Klansmen eram membros ativos do exército. Alguns, que trabalhavam em posições importantes do Comando de Defesa Aeroespacial Norte-Americano, foram transferidos.

Como na maioria dos filmes baseados em eventos da vida real, Infiltrado na Klan toma liberdades, algumas desnecessárias. Uma surra que Stallworth leva de policiais brancos que não o reconhecem como policial disfarçado é ficção, assim como um dos Klansmen descobrindo que seu duplo é um policial. Outra invenção (atenção: spoiler) é um atentado com bomba no clímax do filme. E enquanto o filme e o livro tratam a Klan principalmente como um bando de idiotas, o grupo é extremamente perigoso na vida real.

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Ainda assim, houve tentativas e infiltrados com sucesso muito antes de Stallworth. Nos anos 1920, Walter White conseguiu extrair informações cruciais de simpatizantes e associados da Klan. O secretário-executivo de pele clara, loiro e olhos azuis da NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor) conseguia se mover facilmente entre os mundos negro e branco. Apesar de conseguir passar em qualquer teste a olho nu, White se identificava como uma pessoa não-branca.

White investigou vários linchamentos e revoltas de raça. Ele compartilhou com advogados da NAACP e recebeu muita publicidade enquanto ele lutava por uma lei federal antilinchamento, que até hoje não foi aprovada.

Nos anos 1970, o repórter investigativo branco Jerry Thompson também entrou disfarçado no grupo, o que ele contou numa série no Nashville Tennessean e no livro subsequente, My Life in the Klan. Entre suas descobertas estava um plano de uma revolta anticomunista armada da facção Império Invisível, que autoridades conseguiram frustrar depois de uma dica do editor de Thompson.

Um indivíduo amplamente celebrado por atrapalhar a Klan, apesar de sugestões de que ele exagerou seu papel, é William “Stetson” Kennedy. Um cara de sangue azul, cuja família incluía pessoas que assinaram a Declaração de Independência e o criador do chapéu Stetson, Kennedy ajudou a redigir um resumo que levou à revogação da Carta Corporativa Nacional da Klan na Geórgia em 1947.

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Mas é um homem negro – que não Stallworth – o caso de maior sucesso e mais ousado. Músico de boogie-woogie, Daryl Davis tocou com gente como Chuck Berry e Jerry Lee Lewis. De pele morena, ele teve encontros individuais e em grupo com membros da Klan. Ia como ele mesmo. Com isso, sem surpresa, também se envolveu em algumas brigas e pancadarias.

Seus sucessos superam seus fracassos. Por meio de discurso civil, lógico e com uma saudável dose de Jesus, Davis convenceu membros, incluindo alguns Grand Wizards, a se voltarem contra suas visões perversas. Ele diz ser responsável direta e indiretamente por mais de 200 pessoas saírem da Klan.

Várias obras, incluindo um livro, Klan-destine Relationships: A Black Man's Odyssey in the Ku Klux Klan, e o documentário da PBS, Accidental Courtesy: Daryl Davis, Race & America, são baseados nessas experiências, que continuam até hoje.

Como Stallworth, Davis tem a pele em jogo, mas a diferença é que a pele de Davis é dele mesmo. Diferentemente de outros infiltrados, ele não entrou na organização da Klan. Ele se infiltrou nos corações e mentes de seus membros.

Uma versão dessa matéria foi publicada originalmente pelo Marshall Project, uma organização de notícias sem fins lucrativos que cobre o sistema de justiça criminal dos EUA. Assine a newsletter deles, ou siga o Marshall Project no Facebook ou Twitter.

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