Os Índios Guaranis de SP Avisaram à Polícia que Vão Resistir à Reintegração de Posse

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Os Índios Guaranis de SP Avisaram à Polícia que Vão Resistir à Reintegração de Posse

O proprietário do terreno onde está instalada a aldeia Tekoa Itakupe, em São Paulo, pediu a retomada das terras e os índios guaranis que vivem no local disseram que vão resistir à reintegração de posse.

Portão da aldeia Tekoa Itakupe, no Jaraguá. Foto: Felipe Larozza/VICE

Na tarde de quarta-feira (22), enquanto uma incessante chuva caía, jornalistas e ativistas dividiam espaço em frente ao 49º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano localizado em Pirituba, bairro da zona oeste da cidade de São Paulo. Dentro de uma sala de reunião, oficiais de justiça, representantes da Funai (Fundação Nacional do Índio), índios guaranis e proprietários de um terreno no Jaraguá selavam uma amarga reintegração de posse, ainda sem data para acontecer.

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Cristina Rose, moradora da aldeia Tekoa Itakupe. Foto: Felipe Larozza/VICE

Chamado pelo índios de Tekoa Itakupe, o terreno em litígio abriga cerca de 10 famílias. Há sete meses instalada na aldeia, Cristina Rose diz achar o pedido de reintegração injusto. "Pra nós, é um espaço livre. Um espaço que vemos que dá pra aproveitar bastante, fazer plantação, ter as nossas criações." Ela mora com o marido e mais quatro cachorros. "São eles que tomam conta do meu barraquinho", brinca.

Em 2005, os guaranis já haviam ocupado a área do Jaraguá, de onde, em menos de um ano, foram expulsos através de um pedido de reintegração. Em 2014, voltaram ao lugar, mas os proprietários recorreram à justiça e conseguiram a autorização para a retomada das terras. Na semana passada, o presidente do Tribunal Regional Federal da 3 a Região negou o pedido de suspensão de reintegração – ainda que os índios frisem que o local é considerado T.I. (terra indígena), informação confirmada pela Funai.

Um dos proprietários do terreno, Antônio Tito Costa. Foto: Rafael Nakamura/ Comissão Guarani Yvyrupa

De acordo com um dos proprietários, o advogado e ex-prefeito de São Bernardo do Campo Antônio Tito Costa, o terreno possui 720 metros quadrados e pertence a duas famílias desde 1947. "Nunca houve índios nessa região. Nunca", informou à VICE assim que saiu da reunião com os guaranis e a PM. Apesar de ser taxativo em seu discurso, o ex-político confundiu os jornalistas. Primeiro, afirmou não se preocupar com o futuro dos índios que moram na aldeia. Minutos depois, caiu em contradição. "Eu me preocupo com a situação de todos os indígenas do Brasil." Sobre o destino dos moradores da Tekoa Itakupe, Tito disse não ser um problema seu. "A Funai deve saber pra onde levá-los. Ela é a defensora e protetora dos índios. Como eu, um simples cidadão, vou arranjar uma área pra eles? Eu não tenho condição. Embora eu lamente."

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O professor de geografia David Karau Popygua é uma das lideranças dos guaranis do Jaraguá. Foto: Felipe Larozza/VICE

Uma das lideranças dos guaranis, o professor de geografia David Karai Popygua explica que o espaço indígena no Jaraguá é composto por mais duas aldeias, mas é somente na Itakupe que o plantio é possível. "Temos plantação de batata doce, mandioca, milho não transgênico, amendoim, cana", detalha. O baixo número de famílias no local sugere a insegurança vivida pelos indígenas nos últimos dias. "É uma área que dá pra abrigar muitas famílias. Podemos garantir a plantação, a sobrevivência de muita gente. Muita gente quer morar aqui, mas, diante dessa insegurança, temos receio de trazer crianças, senhoras e senhores pra cá."

Batata doce colhida na aldeia Tekoa Itakupe. Foto: Felipe Larozza/VICE

Os guaranis contam que Tito Costa quer construir um condomínio de luxo no local, mas o proprietário nega. "Não pretendemos construir nada. Vamos manter nossa área. Tem plantação de eucalipto e houve até uma olaria. Produzíamos tijolos. Coisa que não agride o meio ambiente." Nesse momento, ainda em frente ao batalhão da polícia, a voz de um ativista sobressai entre as perguntas dos jornalistas. "Com todo respeito", ele diz, "agride bastante o meio ambiente, Sr. Tito. Tanto olaria quanto plantação de eucalipto são muito prejudiciais ao meio ambiente". Paciente, o ex-prefeito responde que "no dia [em] que os órgãos do meio ambiente mandarem parar, a gente para".

O professor David cita a "falta de garantia e respeito ao direito dos povos indígenas de terem suas terras demarcadas e reconhecidas". Enquanto fuma um petygua, cachimbo tradicional, ele relembra estudiosos das décadas passadas que acreditavam na possibilidade de não existir mais índios no Brasil no século 21. "Existem muitos povos. Apesar do genocídio, do extermínio… na chegada do europeu ao Brasil, estimava-se a população indígena em quase 10 milhões. E, hoje, não chega nem a um milhão vivendo em terras indígenas."

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Aldeia Tekoa Itakupe, no Jaraguá. Foto: Felipe Larozza/VICE

Para completar o imbróglio vivido na aldeia Itakupe, os guaranis acusam a Polícia Militar de fazer visitas extraoficiais ao local para intimidar e pressionar a comunidade. O capitão Mauro Rodrigues Maia, presente no dia da reunião no batalhão da polícia, admite ter feito uma visita pessoalmente só para conhecer o local, e não para defender interesses de ninguém. "O juiz determina, nós temos de cumprir. Se houver resistência no dia da operação, vamos usar nossos recursos materiais e cumprir a ordem judicial", destaca em relação às próximas providências. "A decisão ainda está em recurso na justiça federal."

David diz que, se necessário, os índios ficarão no local. Para unir forças, outros guaranis que vivem na cidade serão chamados para compor a resistência. "Planejamos vir com todos os índios guaranis de São Paulo. Somos dois mil." O capitão Maia rebate: "Eles citaram que morreriam pelas terras, que faz parte da cultura indígena. Mas isso, na atualidade, não é viável. A resistência armada não será benéfica pra eles."

Aldeia Tekoa Itakupe, no Jaraguá. Foto: Felipe Larozza/VICE

Por e-mail, a Funai ratificou que hoje mesmo "ingressou com pedido de suspensão da ordem de reintegração de posse junto ao Supremo Tribunal Federal e aguarda manifestação".

No dia 5 de maio, haverá mais uma reunião no batalhão da Polícia Militar em Pirituba para definir a reintegração de posse. Na internet, um abaixo-assinado coleta assinaturas para engrossar o coro. O proprietário Tito Costa vê problemas nesse adiamento. "Dá tempo para providências outras que não são o cumprimento da decisão judicial. Todo mundo sabe que decisão judicial não se discute, cumpre-se."

Aldeia Tekoa Itakupe, no Jaraguá. Foto: Felipe Larozza/VICE

David, o professor guarani, afirma que a maior resistência indígena possível é espiritual. A moradora Cristina, sentada em uma cadeira em frente à sua casa na aldeia, então, resiste: "Peço, rezo pra Nhaderu [Deus]. Ele pode fazer tudo dar certo".

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