O sertanejo é a trilha sonora do Brasil bolsonarista
Ilustração: Vinicius Trigo

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O sertanejo é a trilha sonora do Brasil bolsonarista

A pose de bom-moço dos hits de artistas como Zé Neto e Cristiano e Gusttavo Lima, que apoiam o candidato publicamente, são reflexo de posições políticas reacionárias e cheias de ódio.

Cole você no rolê sertanejo ou não, é bem provável que você seja capaz de reconhecer ao menos alguns trechos de “Largado Às Traças”, o ultra-mega-hit modão de arrastar o chifre no asfalto de Zé Neto e Cristiano. A faixa deu a tração necessária que a dupla precisava para ultrapassarem Marília Mendonça e se tornarem os artistas mais ouvidos do YouTube no Brasil em junho deste ano.

Dois meses depois, os charts do YouTube ainda denunciam a popularidade da dupla: de dez das músicas mais tocadas no Brasil, além de “Largado Às Traças”, outras três são dos sertanejos. No Spotify, eles também tomam quatro dentre as 50 músicas mais ouvidas pela plataforma no país. Nas letras, paira a mesma figura do homem bom-moço, que sofre por amor e discretamente joga a culpa nas mulheres que não lhe quiseram. “Não tem mais eu e você / Tá facin de entender / Você me deu aula de como aprender te esquecer”, dizem em “Notificação Preferida”. Em “Bebida na Ferida”, eles cantam: Parecia um bom negócio / Você se desfazer de mim […] Agora tá de standby / Vai fazer isso com os outros, vai.”

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Em entrevista ao G1 no começo deste mês, quando perguntado se esse tipo de letra era uma resposta ao dedo na cara do feminejo, Cristiano responde que aconteceu sem pensar, mas que acredita que “o homem nasceu para constituir família.” E termina citando a Bíblia: “crescei e multiplicai-vos.” Zé Neto e Cristiano são um bom retrato da juventude conservadora que se formou no país nos últimos anos, e isso se reflete na escolha de candidato presidenciável que a dupla apoia publicamente para as eleições de 2018, Jair Bolsonaro.

Em vídeos agora publicados no YouTube, Zé Neto manda um abraço para o filho do candidato, Eduardo Bolsonaro, e avisa que “é melhor Jair se acostumando”. Em outro, o cantor demonstra apoio a Bolsonaro ao lado de um amigo que diz ser gay e também apoiá-lo. “Vamos mudar essa porra, chega de mesmice, pô”, declara no vídeo. A VICE procurou os sertanejos para conversar a respeito do candidato, mas a assessoria afirmou que a dupla não se posicionaria em relação a política.

Mas Zé Neto e Cristiano não estão isolados em seu gênero. Uma gama de outros artistas sertanejos também já declararam apoio a Jair Bolsonaro. No auge do sucesso da faixa “Apelido Carinhoso”, em fevereiro, o mineiro Gusttavo Lima postou um vídeo no Instagram em que manejava um fuzil num clube de tiros na Flórida (EUA) e, na legenda, argumenta que “no Brasil, só está desarmado o cidadão de bem”, além de pedir o fim do Estatuto do Desarmamento. O post termina com a hashtag #bolsonaro2018.

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Após o alvoroço causado pela publicação, o cantor foi procurado pelo Fantástico e garantiu, num vídeo enviado ao programa, que não era a favor de que “o cidadão tenha arma pra se defender sem nenhum critério. Sou a favor do porte de arma para pessoas coerentes, sem antecedentes criminais, para pessoas que querem cuidar de suas famílias e bem maiores.” A apresentadora Poliana Abritta contrapôs a posição do cantor com o massacre na Stoneman Douglas High School na Flórida, que tinha acontecido há dez dias, e com a intervenção militar no Rio de Janeiro.

Se formou, então, uma polêmica a partir da repercussão dada pelo Fantástico. O apresentador e notório reaça Danilo Gentili escreveu no Twitter: “Que crime terrível Gusttavo Lima cometeu hein? Imagine só que ele teve a AUDÁCIA de emitir uma opinião própria nas redes DELE e essa opinião não foi a que a redação do Fantástico queria ouvir”. Eduardo Bolsonaro também saiu em defesa do cantor em vídeo publicado no Facebook. O deputado federal argumenta que o programa atribuiu “responsabilidade” a Gusttavo Lima pelo massacre na escola. “Estamos ao lado das 60 mil mulheres estupradas por ano que não tiveram direito de defesa, estamos do lado de todos aqueles inocentes que morrem sem ter a chance de lutar pela sua vida”, diz.

O cantor também foi também defendido por outro colega sertanejo, Eduardo Costa. Eduardo é mineiro e tem uma carreira mais antiga que seus colegas do sertanejo universitário: seu primeiro disco foi lançado em 2003, mas ele ainda conquista sucessos, como “Saudade” e “Olha Ela Aí”. Em um vídeo postado nas redes sociais, ele fala que Gusttavo teve “uma postura de homem em defender o lado que ele quer pra família dele. Nós não estamos preocupados com política, estamos preocupado com o futuro do nosso país, o futuro do nosso povo, o futuro dos nossos filhos.” Eduardo termina o vídeo declarando que seu voto também será em Jair Bolsonaro.

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Assista também ao nosso documentário 'O Mito de Bolsonaro':


O apoio vem também de gerações mais antigas do sertanejo — Marrone, da dupla Bruno e Marrone, já visitou o gabinete de Bolsonaro e Sérgio Reis declarou que também votará no candidato. De sua parte, o candidato demonstrou apreço pela cultura sertaneja e seus costumes tradicionais em agosto de 2017, quando visitou a Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos (SP) e discursou no evento, defendendo o rodeio e criticando a legislação ambiental do país.

Um vídeo no YouTube que mostra o discurso de Bolsonaro na festa acompanha uma fala sua gravada por um eleitor durante uma feira agropecuária em Rio Verde (GO) em julho de 2018, em que ele diz que “se Deus quiser no ano que vem é burocracia zero, vamos implementar esse esporte saudável. Aquele que tem arma poderá defender sua vida e a liberdade do povo. Posse de arma de fogo. Caçadores, parabéns, estamos juntos.”

O plano de governo apresentado por Bolsonaro em sua candidatura oficial no TSE não menciona diretamente assuntos ligados a agronegócio, rodeios, vaquejadas ou caça — embora sugira a reformulação do Estatuto do Armamento — mas é norteado pelos mesmos princípios de família, nação, armamento da população e apego à Bíblia que norteiam o discurso dos artistas que lhe declaram apoio publicamente.

Apesar de não mais totalmente representar um retrocesso — a existência do feminejo e ascensão de artistas como Marília Mendonça e Maiara e Maraísa por si só já são bons exemplos disso – o sertanejo segue sendo um retrato fiel dos segmentos da população tradicional e conservadora que popula boa parte das áreas rurais do país. A pose de bom-moço de tantos sucessos recentes do gênero são a pele de cordeiro por cima do lobo reacionário e odioso que esses artistas representam.

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