​Os hipopótamos de Pablo Escobar continuam transando e ninguém sabe como pará-los
Pablo Escobar; Hipopótamo-comum. Crédito: Wikipedia/Colombian National Police; Wikipedia/Jon Connell

FYI.

This story is over 5 years old.

Tecnologia

​Os hipopótamos de Pablo Escobar continuam transando e ninguém sabe como pará-los

Quão terríveis podem ser uns hipopótamos se reproduzindo e cagando pelos rios?

Quando o chefão do tráfico Pablo Escobar foi morto pela Polícia Nacional colombiana em 1993, deixou um legado vasto e sangrento. O líder do Cartel de Medellín foi, como Wagner Moura nos mostrou, um dos mais prolíficos criminosos da história. Com pouca ajuda, levantou um império latino-americano à base de cocaína sobre os corpos de milhares de assassinatos.

Outra herança que El Patrón deixou, para a ira de muitos ambientalistas, foram os animais que importou para seu zoológico. Hoje mais de 50 hipopótamos (Hippopotamus amphibius) vagam por sua propriedade palacial, a Hacienda Nápoles, e procriam ferozmente.

Publicidade

Como era de se esperar, os hipopótamos de Escobar não foram feitos para rios e estuários do norte da Colômbia. Desde sua morte eles se comportam como qualquer animal selvagem: reproduzindo-se. Estabelecem-se, aos poucos, como a maior espécie invasiva do mundo. E ninguém sabe direito como pará-los.

Ao longo dos 20 e poucos anos após a morte de Escobar, manadas saíram dos limites do complexo e adentraram cursos de água próximos, tais como o Rio Madalena. No ano passado, um deles foi visto passeando por uma escola fundamental da região. Não há registros de mortes. Mas, por mais que as autoridades do governo garantam a inexistência de incidentes com humanos, fazendeiros e pescadores têm medo de chegar perto dos bichos.

Outro fator complicador são os gestores privados responsáveis pelo parque temático Hacienda Nápoles. Eles não gostam muito da ideia de remover os paquidermes. Em 2009, um hipopótamo chamado "Pepe" foi abatido pelo Exército Colombiano, o que culminou em diversos debates entre os ecologistas preocupados e aqueles que acham a megafauna uma curiosidade inofensiva. Em meio a isso, cientistas que estudam os rios da América do Sul se disseram preocupados que os hipopótamos arruínem o delicado ecossistema da região.

"Tudo agora não passa de especulação", afirmou Douglas McCauley, professor de biologia e pesquisador de hipopótamos da Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, nos EUA. "Temos muitos análogos ecológicos para coisas que vieram da África e com o tempo foram encontradas no Novo Mundo – como o já extinto leão-americano, ou parentes de elefantes – mas os hipopótamos não tem lugar aí." Ele completa: "Estamos observando um assustador experimento natural do que a maior espécie invasiva pode fazer ao seu novo ambiente."

Publicidade

Escondida nas planícies de Antioquia, a cerca de três horas de Medellín, a Hacienda Nápoles segue como um bizarro templo em homenagem à fortuna e excessos de Escobar. No auge de seu sucesso, o valor líquido estimado do senhor do tráfico batia na casa dos 30 bilhões de dólares, valor que gastou em uma vida extravagante. Em 1978, Escobar comprou um pedaço de terra nos pacíficos morros de Puerto Triunfo e então construiu uma gigantesca mansão colonial espanhola que se tornaria o lar de sua família. O complexo chegou a ter arena para touros, pista de kart, jardim de esculturas e aeroporto particular.

Por outro lado, Escobar também se via como um ditador benevolente. Era celebrado pelos residentes mais pobres de Medellín por usar parte da sua fortuna para o desenvolvimento de comunidades e conjuntos habitacionais. Em vez de só morar em Hacienda Nápoles, o cara construiu um zoológico público – um misto de tudo preenchido com animais exóticos contrabandeados incluindo elefantes, girafas e zebras. Entre os animais que atraíam crianças em idade escolar e visitantes comuns estavam quatro grandes hipopótamos, três fêmeas e um macho, que viviam em um pequeno lago artificial perto da entrada do local.

Após a morte de Escobar, a maioria dos animais da Hacienda Nápoles foi capturada e levada a instituições próximas como o finado Zoológico de Matecaña em Pereira. O pequeno harém paquidérmico, por sua vez, foi deixado para trás já que, para as autoridades colombianas, lidar com um animal de quatro toneladas é aquilo que categorizaríamos como situação de vida ou morte. Logo, sem predadores naturais e com clima excelente para prosperar, quatro viraram oito, depois 10, então 20… E por aí foram. Continuam indo, aliás.

Publicidade

Para cientistas como McCauley, os hipopótamos renegados de Escobar são uma oportunidade agridoce de se observar o que acontece quando se permite que uma espécie prolifere sem restrições. Mais de um milênio atrás, diversos tipos de hipopótamos, muitos já extintos, foram encontrados ao norte das ilhas do mediterrâneo, no Egito, e até mesmo em locais na Europa. Hoje o hipopótamo comum é encontrado apenas na África. Trata-se de um animal vulnerável à caça irregular, destruição de habitats e extrativismo de marfim. Biólogos que estudam o animal e seu ambiente notam rápido declínio em suas populações, e agora correm para entender as implicações de um ecossistema sem os animais.

Uma pesquisa estimou que os hipopótamos na Hacienda Nápoles continuarão a crescer a 6% ao ano, e cada fêmea fértil deve parir um ao menos uma vez por ano. Exemplares foram avistados até mesmo a 140 km do antigo complexo do traficante.

Em seu habitat natural, os hipopótamos podem ser descritos como jardineiros da natureza. A maior parte de seu dia se dá debaixo d'água, ao abrigo dos danosos raios UV do sol e até mesmo de humanos. Pela noite, porém, eles deixam toda a sua lama para comer quantidades absurdas de grama, defecando em profusão o jantar da outra noite. Uma quantidade absurda de fezes de hipopótamos é depositada nos rios africanos anualmente e, sem isso, faltariam nutrientes essenciais à vida, tendo em vista o uso de marcadores químicos por cientistas que determinou que diversos peixes e insetos se alimentam das fezes dos animais – prática conhecida como "coprofagia" – o que sugere que a espécie tem papel essencial em ligar ecossistemas terrestres e aquáticos.

Publicidade

Por outro lado, o excesso das fezes dos hipopótamos pode ser tóxico. Em sistemas fluviais menores, os hipopótamos podem acabar lotando a água com nutrientes, estimulando o crescimento de algas, afetando a respiração de peixes e invertebrados. Este processo, chamado eutrofização, já foi associada a hipopótamos anteriormente, e os ecologistas familiarizados com as águas colombianas suspeitam que os recentes peixes mortos encontrados próximos a Hacienda Nápoles podem ser efeito colateral de seus residentes invasivos.

"Os hipopótamos podem mesmo alterar a sedimentação em lagos e rios, o que faz que sedimentos retornem à coluna d'água", disse Jonathan Shurin, professor de biologia da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA, que estuda qualidade da água na Colômbia. "Isso tem grande efeito na produtividade e pode levar às mais diversas consequências. Se seu impacto nos ecossistemas é semelhante ou diferente do que ocorre na África pesa o fato que tudo com que coexistem evoluiu com sua presença."

No momento, há pouca literatura científica sobre os efeitos dos hipopótamos invasivos porque não há precedentes. Shurin comentou ainda que os pesquisadores muitas vezes encontram dificuldade para trabalhar na Colômbia, e os fujões de Escobar parecem não ter chamado atenção nenhuma da comunidade científica. Além disso, vale ressaltar que o país já sofre com crises ecológicas mais amplas, tais como despejo irregular em rios, desmatamento e água contaminada. Quão terríveis podem ser uns hipopótamos?

Publicidade

"É esse o problema com espécies invasivas: já vimos ecossistemas serem destruídos e darem um jeito, mudando tudo na forma como aparentam e funcionam. Não há motivo para pensar que só porque os hipopótamos são carismáticos deveriam ter algum tratamento especial na nossa forma de gerenciá-los", disse McCauley.

Ainda assim, aí está o problema: não há como controlar uma população de hipopótamos rebeldes. De acordo com Michael Knight, zoologista da Unidade de Parques Sul-Africana que prestou consultoria ao Ministério do Meio-Ambiente da Colômbia em 2009, só há duas opções: sacrifícios e castrações. Em entrevista à Colombia Reports, Michael Knight recomendou que os animais fossem abatidos com rifles de alto calibre.

Mas, como é o caso com algumas espécies invasivas, as pessoas se apegaram e eles. Muitos moradores da região criaram um carinho pelos paquidermes anfíbios sendo, no mínimo, simpáticos a eles. "Meu pai me trouxe um pequeninho certa vez", disse uma garota ao jornal El Colombiano. "O chamei de Luna porque ele era muito doce – o alimentamos só com leite."

Não está claro o envolvimento do governo colombiano no controle destes animais, mas em algum momento, castração e contenção foram adotadas como mecanismos para reduzir o número de hipopótamos. A autoridade ambiental da região, Cornare, enviou recentemente biólogos para que construíssem barreiras naturais a fim de confinar os bichos na área da Hacienda Nápoles. A iniciativa tem orçamento anual de 135.000 dólares que vem inteiramente de operações de combate ao tráfico.

Publicidade

Em 2014, de acordo com relatório da Fusion, funcionários da Hacienda Nápoles também pediam para que um homem da região chamado James Torres capturasse e criasse bebês hipopótamos em sua fazenda próxima. Torres comentou que separar os filhotes das manadas facilitaria na transferência para zoológicos.

A castração, que na maioria das vezes é a melhor solução, provou-se complicada demais. Para começar, os hipopótamos são incrivelmente discretos: durante o dia só vemos suas orelhas, olhos e narinas acima da água. Além disso, não são animais dimorfos, o que dificulta ao separar machos de fêmeas. Os testículos do macho ficam ocultos em seu abdômen e só podem ser identificados com segurança quando o animal está sedado. E, veja bem, é complicado botar um bicho desses pra dormir. Por mais que os sedativos empregados pelos veterinários estejam cada vez mais sofisticados, é impossível determinar como cada indivíduo reagirá. Ocasionalmente, um hipopótamo drogado fica tão assustado que pode correr para dentro d'água e se afogar.

Até o momento, apenas quatro animais foram castrados com sucesso.

"Se quisessem mesmo removê-los, o fariam. Parece que os animais possuem certo valor turístico e econômico. Não há a vontade para fazê-lo", comentou Shurin.

Por enquanto, o futuro dos hipopótamos colombianos é uma incógnita. Mas uma coisa é certa: mesmo na morte, a presença de Pablo Escobar deu jeito de se manter pelo interior de Medellín.

Tradução: Thiago "Índio" Silva