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Drogas

Perguntámos a uma filósofa se há algum problema em meter drogas

De um ponto de vista filosófico, será imoral consumir substâncias estupefacientes? Perguntámos a uma especialista.
erva e mortalhas
Foto via Flickr user Frank.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.

Peg O' Connor passou muito tempo a reflectir sobre drogas. O seu blog, Philosophy Stirred, Not Shaken, coloca algumas questões fabulosas acerca do nosso estilo de vida hedonista. Porque é que os estudantes gostam tanto de MDMA? A vergonha pode dar-te cabo da vida? Existe algum problema em ter um grupo de amigos com os quais só te desgraças?

Historicamente, a Filosofia é a disciplina que mais se debruçou sobre o tema das drogas. O livro de Aldous Huxley, The Doors of Perception (1954), documenta o colapso do seu ego e a sua consequente imersão no "conhecimento obscuro", que alcançou através de uma trip de mescalina (substância também muito apreciada por Sartre) que durou oito horas. Nietzsche seria supostamente viciado em ópio quando escreveu The Genealogy of Morality. E, segundo uma pesquisa de 2013, 90 por cento dos estudantes de Filosofia do Reino Unido já terão consumido drogas.

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A Filosofia explica-nos mais sobre o consumo de drogas que a ciência pura e dura, ou até que o sistema de leis e, talvez por isso, alguns estudos nos mostrem que pode ser muito útil no processo de recuperação. Peg, uma mulher que sofre de alcoolismo, está sóbria há dez anos. Foi a Filosofia, garante, que a ajudou a entender as causas e as consequências da sua dependência e é também o que a motiva a permanecer sóbria, viver bem e "desabrochar", usando as palavras de Aristóteles.


Vê também: "O México irá alguma vez legalizar a erva?"


Peg publicou recentemente o livro, Life on the Rocks: Finding Meaning in Addiction and Recovery, por isso quisemos perguntar-lhe – de um ponto de vista filosófico – o que é que ela pensa sobre meter drogas.

VICE: Primeiro, como é que a filosofia e o consumo de drogas estão relacionados?

Peg O'Connor: A Filosofia sempre se debruçou sobre como viver bem e pode dar às pessoas as ferramentas para que perguntem a si mesmas: "Porque é que estou a fazer isto? É divertido? Como é que as drogas encaixam na minha vida? Estas substâncias afectam a minha personalidade? Sou a pessoa que quero ser?". É o tipo de pergunta que qualquer pessoa pode colocar a si própria, mas que um filósofo se coloca, intencionalmente.

É por isso que os estudantes de Filosofia tomam mais drogas?

Acho que muitas pessoas escolhem a Filosofia, porque lhes dá a oportunidade de explorar determinadas questões com as quais se debatem internamente, mas, num contexto académico. Os meus alunos interessam-se mais pelos filósofos existenciais: Sartre, Camus, Kierkegaard, etc. Penso que se deve ao facto de que os filósofos existenciais colocam constantemente questões sobre si mesmos – do tipo, "Porque é que estou neste Mundo? Qual é a minha responsabilidade? Porque é que sofro desta maneira? O que é que significa esta situação?". Acho que estas inquietudes encaixam com um perfil mais jovem e que tem maior tendência a preocupar-se com as questões da existência.

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Por outro lado, também existe a idealização do consumo de drogas. Aquele escritor fantástico que tem pensamentos super profundos e é alcoólico. Ou o caso dos músicos e poetas, em que existe a crença de que as drogas e o álcool serão o motor da sua genialidade e criatividade. A ideia de que os estudantes de Filosofia se drogam mais é produzida culturalmente, é algo que faz parte da experiência universitária.

É imoral tomar drogas, de um ponto de vista filosófico?

Não tenho a certeza de que o enquadramento entre moral e imoral seja a melhor escolha, porque, automaticamente, estamos a polarizar a questão, mas podemos recorrer a John Stewart Mill: se alguém consome algo, no seu apartamento, e se esse alguém não tem de conduzir nem manobrar nenhum tipo de máquina que afecte terceiros, não deveria ser encarado de forma natural? No entanto, é sempre importante analisar as razões que levam as pessoas ao consumo, que tipo de substâncias consomem e em que quantidade. Lá porque uma coisa é legal, não quer dizer que seja inofensiva.

Que um governo diga que as drogas são más, torna-as más?

Depende do sentido que dás a "más". Se o governo diz que são más e as ilegaliza, aí tens o conceito de "más". O governo tem um grande controlo sobre que drogas são tão más que jamais serão legalizadas. Durante muito tempo, a marijuana foi vista como um bicho de sete cabeças e hoje em dia é legal em vários sítios.

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E as drogas psicadélicas? Porque existe este argumento que diz que as drogas psicadélicas podem ajudar-te a expandir a mente e fazer-te ver coisas numa perspectiva diferente…

As drogas psicadélicas foram usadas em determinadas tradições religiosas, por isso sabe-se que foram usadas pelas razões que enumeraste antes e através delas pensas que terás novas perspectivas da realidade, em parte porque estas afectam processos cognitivos bastante comuns. O facto de que vejas as coisas sempre da mesma maneira, faz com que o efeito destas substâncias te deixe num estado de "groove mental". No entanto, os efeitos são realmente imprevisíveis e não sabes quanto tempo durarão.

Como é que a Filosofia pode ajudar na dependência de drogas?

A Filosofia sempre lidou com questões como o "sentido da vida" e o sofrimento – dando sentido e significado ao sofrimento. A dependência é, frequentemente, a causa e a consequência do sofrimento. É a natureza humana e a condição de ser humano, sujeitos com os quais a Filosofia tem lidado de forma bastante inovadora e produtiva, há já bastante tempo.

Então, se a dependência é causa e a consequência do sofrimento, estamos perante uma "pescadinha de rabo na boca"?

É cíclico. Penso que muitas pessoas começam a beber ou a tomar drogas como consequência de variadíssimos tipos de sofrimento. Por exemplo, várias análises científicas mostram que pessoas que tenham sofrido abusos durante a infância têm uma maior predisposição para terem algum tipo de dependência. Vês como algumas pessoas começam a automedicar-se para perderem a sensibilidade e evadir-se. Claro que também existem pessoas sem um historial problemático que começam a tomar drogas e álcool e cujos hábitos de consumo se transformam até chegarem à dependência.

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Achas que as drogas são sempre uma via de escape?

Não penso que seja sempre assim. Vamos lá ver, não podemos negar que tomar drogas possa ser realmente divertido e agradável. Mas vivemos numa cultura que "glamouriza" o consumo das drogas e do álcool. Em qualquer filme onde apareçam estudantes universitários, parte da diversão é embebedarem-se, ou ficarem pedradíssimo e viverem esse tipo de aventuras. Mas nunca te mostram quais são as verdadeiras consequências desse consumo, por isso é "glamourizado".

Como é que a Filosofia te ajudou a vencer a tua dependência?

De várias maneiras. Mas o mais importante foi ter-me ajudado a exercitar a minha força de vontade. William James distingue bem desejo e vontade. Durante muito tempo desejei que a minha vida fosse diferente, mas, sem a vontade, o desejo é apenas um pequeno botão que não serve para nada… até que o apertas.

O livro de Peg, Life on the Rocks: Finding Meaning in Addiction and Recovery já está à venda. Podes comprá-lo aqui.


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