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reportagem

Como entender mudanças climáticas e furacões

Razões que nos fazem vislumbrar um futuro mais quente e com mais catástrofes naturais.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US .

Enquanto escrevo esta matéria, as inundações provocadas pelo Furacão Harvey finalmente começaram a baixar. Além de responder questões sobre se essa tempestade trouxe mais morte e destruição a Houston que o Katrina a Nova Orleans em 2005, agora podemos ter uma noção mais completa da tempestade de um ponto de vista meteorológico. Uma estatística incrível: as chuvas preliminares na área de Houston foram o maior evento de precipitação nos EUA de todos os tempos.

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Foi uma tempestade foda.

Então agora é hora de falar sobre mudanças climáticas. Autores de direita como Michael Bastatch do Daily Caller estão criticando liberais como o antigo consultor de Barack Obama Ben Rhodes por ousar politizar o furacão, sugerindo no Twitter que os republicanos que se recusam a reconhecer as mudanças climáticas terão que responder por mortes e destruição relacionadas a tempestades no futuro.

"Democratas com frequência ligam eventos individuais de clima extremo ao aquecimento provocado pelo homem, apesar dos alertas de cientistas de que fazer isso é problemático", escreveu Bastatch, corretamente. No caso do Harvey, ou das inundações desastrosas na Índia, Bangladesh e Nepal agora, que já mataram mais de mil pessoas, Bastatch está certo. Culpar as mudanças climáticas por uma tempestade é como culpar um crime individual por uma onda de crimes. Mas apesar de tecnicamente correto, esse tipo de argumento é incrivelmente dissimulado.

Então como devemos falar sobre mudanças climáticas causadas pelo homem quando se trata de eventos extremos do clima? Que bom que você perguntou. Assim:

Sim, clima extremo está aumentando.

O "Índex de Climas Extremos nos EUA", ano por ano, Gráfico via NOAA .

Primeiramente, nós (terráqueos) veremos mais e mais grandes tempestades? É uma pergunta compreensível, porque quem nega as mudanças climáticas continua batendo na tecla de que o Harvey foi o primeiro furacão categoria 4 desde o Charley em 2004.

A resposta para a pergunta do parágrafo anterior é "Sim". Mas tem uma resposta mais longa: "Mais? Provavelmente não no caso de furacões. Furacões maiores? Quase com certeza."

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Em se tratando de tempestades, "a melhor evidência vem nas mudanças em chuvas extremas, com aumentos claros e mais fortes no nordeste [dos EUA]", segundo Kevin Trenberth, analista de clima do Centro Nacional de Pesquisas Atmosféricas (NCAR em inglês), uma organização devotada a essa exata questão, entre outras. Mas Trenberth alerta que em muitos casos — principalmente limitações técnicas — para furacões "a evidência é equívoca".

Então, como regra geral, mudanças climáticas vão trazer chuvas mais extremas, mas não espere mais furacões. "Com temperaturas do mar mais altas, esperamos ver os números diminuírem", me disse Trenberth. Mas isso não é necessariamente uma boa notícia: "Esperamos intensidade e tamanhos maiores, uma vida mais longa em geral, mas menos tempestades, porque uma grande tempestade pode substituir três ou quatro menores".

A culpa é da Terra mais quente

Em breve, ar e água mais quentes farão mais água do oceano evaporar. Fervura é um exemplo extremo dessa evaporação acelerada, mas com temperaturas maiores na Terra, alguma água sempre se transforma em vapor. Em qualquer lugar mais quente, "você tem mais moléculas se movendo mais rápido, e mais delas conseguem pular da água e se tornar vapor", segundo Jeff Masters, um dos cofundadores da Weather Underground (um serviço de meteorologia, não a milícia de esquerda de mesmo nome).

No caso do Furacão Harvey, que se formou sobre o Golfo do México, a água estava "cerca de um grau centígrado mais quente que a média, pelo menos comparado com o que tínhamos 40 anos atrás", disse Masters. (Outros cientistas do clima dão estimativas ligeiramente mais baixas, mas o ponto continua o mesmo.) Esse aumento na temperatura, ele disse, corresponde a 7% mais evaporação de umidade. "Então você pode supor, no caso do Harvey, que esses 7% de chuva extra foi devido ao aquecimento global", me disse ele.

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O papel da evaporação nas mudanças de clima globais funciona de uma maneira que "não entendemos claramente ainda", segundo o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas. Consequentemente, Masters me disse que vê modelos alternativos para como a evaporação pode ter levado a até 30% mais chuva durante o Harvey. Mas esse um grau centígrado e o número de 7% mais precipitação têm uma história de confiabilidade, então vamos ficar com eles por enquanto.

Isso nos dá um senso de quão piores os furacões serão no futuro. "Se os oceanos ficarem um grau mais quente, digamos, daqui há 20 anos, colocamos mais 7%. Sete por cento mais 7% é 14%", me disse Masters.

Mas um alerta: o meteorologista da A&M University do Texas, John W. Nielsen-Gammon, que também é o climatologista oficial do Texas (um estado cujos oficiais eleitos geralmente se recusam a falar sobre mudanças climáticas), me disse que há muitos outros fatores que podem mudar as taxas de precipitação, incluindo a taxa de ascensão do vapor, umidade do ar e intensidade das perturbações que podem causar essa ascensão em primeiro lugar. Então, segundo ele, "a medida 'mais quente igual mais úmido' se aplica [exclusivamente] para chuvas — quando todas as condições são corretas — e só numa base média de grande escala". Em outras palavras, só para ficar do lado seguro, só vamos usar essa fórmula durante furacões.

O aumento dos níveis do mar também tem um papel

"O aumento dos níveis do mar não tem nada a ver com furacões, exceto que torna o ponto inicial para qualquer maré de tempestade mais alto", me disse Nielsen-Gammon. Em outras palavras, isso tem muito a ver com furacões — só nada a ver com a quantidade de vento ou chuva. Maré de tempestade é o que você tem quando os ventos de um furacão empurram água do mar para a terra, causando uma inundação costeira. No caso do Harvey, o transbordamento dos rios de Houston foi em direção à costa ao mesmo tempo, resultando em mais inundação com o encontro das duas marés.

A mudança no clima provavelmente piorou tudo: Como Nielsen-Gammon apontou, o nível da água do mar já era maior antes da maré. Na média, o nível global do mar subiu 6,6 centímetros desde 1993, e talvez 21 centímetros desde 1880. Mas essa é uma média. Graças à erosão costeira "ao longo da costa central do Texas, os níveis do mar subiram cerca de 45 centímetros", me disse Masters.

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"Os níveis mais altos dos oceanos significam que a maré de tempestade é maior e entra mais além no terreno. Então, considerando a mesma força de furacão, a maré de tempestade vai mais além na terra do que iria 50 anos atrás", disse Sean Sublette, meteorologista do programa Climate Matters da organização sem fins lucrativos Climate Central. No entanto, calcular a ligação exata entre aumento nos níveis dos oceanos e maré de tempestade envolve uma análise bastante complicada de dados, já que não há uniformidade no local e intensidade dessas marés. Então fazer uma afirmação precisa sobre esse efeito é quase impossível.

O mais importante é que isso vai acontecer de novo e de novo. As mudanças climáticas estão lentamente reescrevendo as regras que comandam o clima, pedaço por pedaço. Então mesmo não sabendo como avaliar seus efeitos em tempestade, o custo global de desastres naturais provavelmente vai subir — incluindo os custos financeiros. David Roberts do Vox apontou que agora que sabemos que vamos ver mais catástrofes a longo prazo, mesmo que reduzir as emissões ainda seja fundamental, criticar pessoas por gerar gases de efeito estufa é um jeito bobo de proteger as comunidades norte-americanas de danos de inundações.

Ainda assim, parece que algumas das pessoas que negam as mudanças climáticas há anos também não estão interessadas em mitigar os danos. A ordem executiva que Donald Trump assinou no começo do mês, revertendo as disposições da era Obama que visavam lidar com danos de infraestrutura por calamidades futuras relacionadas ao clima, foi descaradamente perversa. Se a ordem for implementada com sucesso, os norte-americanos nas próximas décadas irão sofrer materialmente com os Harveys e Katrinas que virão. E definitivamente virão.

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