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Politică

A comunidade negra se sente representada pelos políticos brasileiros?

Trocamos uma ideia com a consultoria responsável pela pesquisa “Afrodescendentes&Política” sobre o que a comunidade negra julga como prioridade social
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Apesar de mais da metade da população brasileira ser negra, menos de 10% dos deputados federais se declaram como tal — há apenas dois senadores negros ou pardos entre 81. Logo, pode-se supor que a comunidade negra se sente pouco ou nada representada pela maioria absoluta dos políticos. Mas tratá-la como um grupo é, no mínimo, equivocado. Alguém já parou para se questionar sobre o que os negros julgam ser importante na sociedade ou, por exemplo, o que pensam sobre casamento entre pessoas do mesmo sexo?

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Essas e outras dúvidas foram levantadas em “Afrodescendentes&Política”, primeira de uma série de pesquisas feita pela B4B (BAP For Business), consultoria de estudos mercadológicos do Painel BAP, realizada em novembro. Foram entrevistadas 1.067 pessoas, de perfis etários, socioeconômicos e de regiões diversas na capital paulista. Pôde-se perceber que se as ideias e interesses são bem definidos, a identificação partidária está em baixa: 37% dos entrevistados disseram se sentir representados por nenhum partido. Mas qual é a origem da descrença no quadro político atual?

“Tudo está relacionado a uma estrutura racista que afasta pessoas pretas da participação política direta. No Brasil ainda não existe a cultura de se ‘votar racialmente’ – as pessoas não escolhem os candidatos apenas por serem pretos ou pardos. Por isso é importante haver mais candidatos pretos que abordem vários aspectos sociais que vão na mesma direção das necessidades dos afrodescendentes”, pontua Luanna Teofillo, business developer do Painel BAP, com base em sua opinião, conhecimento e impressões levantadas durante a pesquisa.

O que eles pensam?

Ao mesmo tempo em que o tema segurança aparece como um dos principais problemas de São Paulo apontados na pesquisa, atrás apenas de educação e saúde, a representação política passa longe de ser conservadora. O deputado federal überconservador e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSC-RJ) tem 75,5% de rejeição entre a população negra, ao passo que o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Dória, ambos do PSDB, não seriam votados por, respectivamente, 71,0% e 69,3%.

A business developer Luanna Teofillo. Foto: Fernanda Araújo/VICE.

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No caso de Alckmin, o período em que os tucanos estão no poder desgastou a imagem do grupo, além da inevitável associação entre a quantidade de jovens negros mortos pela PM. Já com Dória, as diversas viagens com fins políticos e a discrepância entre discurso e ações vêm queimando o filme dele. “Uma hipótese é que as pessoas se fixam mais em projetos que atendam às suas necessidades materiais imediatas do que ideologias. Além disso, muitos entrevistados que avaliaram o candidato como ruim ou péssimo criticam suas ações de marketing e pedem mais ações que beneficiem à população. Casos polêmicos como a farinata, as ações na Cracolândia, o descaso com os moradores de rua e as privatizações também foram bastante criticados por eles na pesquisa”, pontua Luanna. Além disso, a popularidade do vereador paulistano Fernando Holiday (DEM) tem risíveis 2% dos entrevistados que se sentem representados por ele: suas demandas sejam contra o falso vitimismo negro e da comunidade LGBT, por mais que isso não exista.

Por outro lado, o ex-presidente e pré-candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) seria rejeitado por 34,0% dos entrevistados, enquanto 22% votariam com certeza e outros 19,0% provavelmente o fariam. Apesar das denúncias contra ele, o histórico de políticas afirmativas promovidas em seus dois mandatos falam alto. “[Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff] inseriram pretos, pobres e indígenas dentro das universidades, trouxeram o debate sobre o fim da desigualdade à tona e a trajetória destas minorias passa por uma mudança que nunca havia acontecido no Brasil. Os números do governo Lula contam para esta disposição de votar [nele] novamente”, destaca Teofillo.

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Quem ganha: direita ou esquerda?

Antes de qualquer coisa, é bom ressaltar que as demandas da população negra vão muito além da dicotomia entre direita e esquerda, por mais que a tendência seja progressista. 71% dos entrevistados votariam em um candidato homossexual e 66% são a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Outros pontos interessantes dizem respeito ao papel da mulher na sociedade: 88% concordam que elas e homens devem ter o mesmo papel na criação dos filhos e nos cuidados domésticos, e 89% discordam sobre o lugar delas ser dentro de casa.

Essa postura foi refletida na pesquisa, pois a questão feminina esteve naturalmente em voga nas entrevistas. “Elas estavam presentes o tempo inteiro [nas opções]. Não tive de fazer perguntas a mais, como ‘qual mulher te representa?. Vejo isso como um olhar muito progressista e positivo do que, culturalmente, a população negra tem a oferecer como novo modelo”, ressalta Luanna.

E novos atores?

Como a identificação de negros com a estrutura político-partidária atual anda em baixa, novos atores ganham peso. Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF, tem a simpatia de 45,2% dos entrevistados, enquanto o rapper MV Bill o tem com 35,4%. Ainda, a Frente Favela Brasil, partido voltado à comunidade negra e periférica, que está em fase final de formalização, foi apontado como representante por 11% dos entrevistados.

Qual é a conclusão por ora? Representatividade conta. E muito. “Dentro das pautas diversas, a questão racial deve ser considerada também. Os partidos podem passar a investir mais em candidatos e esse é um dos [nossos] objetivos. Não há democracia sem representatividade”, finaliza Luanna Teofillo.

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