Opinião

Eutanásia. A hora da compaixão não é referendável

Depois da aprovação no parlamento, falta a discussão e votação na especialidade, a decisão de Marcelo e saber se o Tribunal Constitucional vai entrar em cena. A consulta popular é dispensável.
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Nem todos os pacientes em situação-limite desejam a “morte medicamente assistida”. Quem a pretende deve ver o Estado conceder-lhe essa opção. (Fotografia de LPPC_PHOTOGRAPHY.)

Ao conversar com alguém do estrangeiro, há diversas coisas de que me orgulho ao falar do nosso país. Uma delas prende-se com a existência de leis progressistas relativamente a assuntos delicados.

Em contraponto ao “triângulo das Bermudas” que significam muitos casos de falta de transparência entre a política, negócios e justiça, o facto de termos permitido a interrupção voluntária da gravidez e legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, é um avanço civilizacional considerável. Outra matéria sensível é trazida à liça este ano.

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Sou apoiante da despenalização e legalização da Eutanásia, tendo ficado satisfeito por ver os cinco projectos-lei serem aprovados pela maioria dos deputados (primeiro na generalidade, segue-se a discussão na especialidade de onde resultará o texto final). As propostas são rigorosas, prudentes e abrangem casos em que o indivíduo pede reiteradamente esse desfecho. O processo é longo e cuidadoso - com opiniões balizadas de vários profissionais de saúde - e, ao ser permitido, é facultativo e não obrigatório.

“Os cinco projetos preveem que só possam pedir a morte medicamente assistida, através de um médico, pessoas maiores de 18 anos, sem problemas ou doenças mentais, em situação de sofrimento e com doença incurável”, realça a Agência Lusa. “Propõem também a despenalização de quem pratica a morte assistida, nas condições definidas na lei, garantindo-se a objeção de consciência para os médicos e enfermeiros”, acrescenta.

Dentro do razoável, o Estado deve regulamentar a pensar em todos e não só na maioria. Ao ser permitida a Eutanásia, mostra-se respeito por uma minoria que, de forma consciente, pede para acabar com o sofrimento permanente e insuportável, que nem os melhores cuidados paliativos resolvem.

Por vivermos numa sociedade onde predominam os valores cristãos, acredito que a maior parte dos pacientes em situação-limite prefira lidar com todo o volume de dores (o conceito da cruz de Jesus). E os outros, que até podem ser católicos, devem ser obrigados a seguir essa opção que fere a sua dignidade?

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Há quem tenha possibilidade de a praticar lá fora, mas os que não têm suporte financeiro devem ficar à mercê da dor e da amargura por não lhes ser concedido o derradeiro desejo?

O assunto é melindroso, mas creio ter existido discussão suficiente em vários fóruns na sociedade. Hoje, há dois anos - quando foi chumbado na Assembleia da República - e há mais de uma década têm sido debatidos os pontos positivos e negativos da medida.

Assim sendo, o referendo não deve ser utilizado como arremesso político quando se perde a maioria parlamentar ou porque é prioritário seguir a agenda da Igreja Católica (afinal, vivemos num Estado laico). O estilo de vida e fé de uns, não se deve impor à liberdade individual de outros. Os quinze professores catedráticos de Direito Público que, por estes dias, defendem a inconstitucionalidade da lei, deviam ter noção disso.

O argumento de que o PS e o PSD não incluíram a Eutanásia no programa eleitoral e, nesse sentido, devem ficar inibidos de decidir sobre o tema, não colhe. Quantos projectos-lei estes partidos já aprovaram que não foram previamente prometidos?

Portugal, 20 Fevereiro de 2020 (dia em que o plenário aprovou a lei na generalidade; o processo deve ser concluído em Setembro).

Com a despenalização e a legalização da Eutanásia - falta ouvir diversas entidades, ser discutida e votada na especialidade e se Marcelo e o Tribunal Constitucional não complicarem -, seremos uma comunidade cada vez mais tolerante e humanista.

Compaixão é a palavra de ordem.


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