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Relato

Descobri que meu pai tinha outra família depois que ele morreu

“Depois que morre, as pessoas descobrem quem você realmente era.”
MS
Traduzido por Marina Schnoor
Sarah Berman
Como contado a Sarah Berman

Mesmo sendo filho único, quando era garoto nunca me senti realmente como um. Meus pais não me mimaram; sempre tive amigos por perto – eu era muito social. Lembro de pensar na infância que eu devia ter um irmão por aí, como em Operação Cupido, aquele filme com duas Lindsay Lohans. Você pode chamar de intuição, acho.

Meus pais se divorciaram quando eu tinha quatro anos. Meu pai era verbalmente abusivo com a minha mãe e comigo, então eles não tinham uma boa relação. Não era aquela coisa policial bom, policial mau – meu pai só era um cuzão, e minha mãe ainda é quase uma santa. Entre o divórcio e a morte do meu pai, ele teve seis parceiras diferentes. Quando era adolescente, eu já não dava a mínima para quem meu pai estava namorando.

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Ele era o tipo de pai que queria que eu fizesse o que ele mandava. Ele queria que eu gostasse de colecionar selos ou praticasse esportes que ele gostava, que não usasse drogas nem nada assim. Ele me batia se eu me comportava mal. Eu queria que ele me aceitasse como eu era – um pária com energia demais.

Nos dávamos melhor na natureza – acampávamos juntos. Lembro de viajar com ele para Squamish, onde moro agora. Ele ainda era o mesmo, me falando para fazer todas essas coisas que ele queria que eu fizesse, mas definitivamente parecia mais relaxado a céu aberto.

No último Dia dos Pais, fizemos um jantar de homenagem com a esposa e alguns amigos dele. No final do jantar, a esposa dele me disse “Tenho notícias bem sérias”. Achei que era alguma dívida para pagar. Mas ela disse “Espero que você não fique com raiva por ter uma irmã”.



Claro que não fiquei com raiva; fiquei empolgado. Posso ter ficado puto com o meu pai por alguns dias por ter escondido essa informação, mas isso realmente trouxe clareza para algumas coisas que aconteciam com ele. Todo esse tempo eu tive uma meia irmã que sabia sobre mim, e ela finalmente tinha juntado coragem para entrar em contato comigo depois que ele morreu.

Ele morreu no Dia dos Pais ano passado, e um obituário foi publicado. Minha irmã viu o obituário e ligou para a funerária onde ele foi cremado, e eles a colocaram em contato com a esposa do meu pai. Minha irmã sempre soube sobre mim, mas meu pai nunca nos contou sobre ela. Nem à irmã mais nova dele, que era a pessoa mais próxima dele da família, sabia. E minha irmã é muito parecida com a minha tia quando tinha a idade dela.

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Quando era garoto, eu tinha perguntas. Tentei muitas vezes conversar sobre o que significava ser adulto. Ele evitava esses assuntos dizendo que era algo que eu não precisava saber, e que descobriria quando fosse mais velho. Acho que ele se sentia desconfortável. Ele sabia que estava escondendo um grande segredo. Ele provavelmente achava que não era a melhor pessoa para dar conselhos.

Ter uma segunda família pode ser uma enorme merda no ventilador de muitas pessoas. Minha irmã nasceu menos de um ano depois de mim, então ele estava transando com a mãe dela na época em que nasci. Descobri que meu pai a visitava dizendo que era o “tio Tony”, mas quando ficou mais velha, ela descobriu a verdade.

Se meu pai estivesse vivo, teríamos perguntado por que ele tinha tantos segredos. Ele teria que responder a todos nós: como ele teve um filho com alguém e simplesmente as abandonou?

Por enquanto, estou conhecendo minha meia irmã pelo telefone e mensagens no Facebook. Já sinto que somos próximos. Temos amigos em comum em Squamish, então é engraçado saber algo sobre ela de alguém que já conheço. Somos muito parecidos, espíritos livres. Ela é meio rebelde e artista. Ela é uma mina estranha do mesmo jeito que sou um cara esquisito.

Acho que nós dois sentimos que encerramos esse assunto em família, mesmo sabendo que nosso pai morreu com esse segredo. Quero que ela se sinta parte disso. É bom saber que uma grande família agora quer que ela faça parte dela.

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Não tenho arrependimentos em se tratando do que poderia ter sido, só fico feliz que as coisas terminaram como terminaram. Poderia ter sido muito pior. No colegial, eu tinha um amigo no sistema de adoção, e conhecia muitas outras pessoas lutando com o vício e dinâmicas familiares muito mais complicadas.

Acho que antes do meu pai começar a ter problemas de saúde, ele provavelmente não queria que a gente soubesse – ele gostava de estar no controle da situação. Mas três ou dois antes de morrer, acho que ele começou a procurar um sentido mais profundo na sua vida. Ele começou a aceitar a possibilidade de um significado alternativo. Acho que ele ficaria feliz em saber que minha irmã e eu nos encontramos.

Tenho que dizer que ele era muito bom em guardar segredos. Minha mãe não tinha a menor ideia até eu contar a ela algumas semanas atrás. Ele investiu muito na mentira, e isso era bem zoado. Meu pai nunca se abriu sobre qualquer coisa comigo quando eu era garoto. Ele já tinha dificuldade para admitir que não era a pessoa mais legal do mundo.

Acho que é por isso que aprendi mais cedo na vida que ser transparente é o que vai te salvar. Você pode ter medo de ser honesto sobre algo com alguém porque isso pode te magoar, mas no final, você está se salvando dessa mesma coisa voltando para te morder na bunda.

Ser sempre transparente com as pessoas se tornou meu objetivo de vida. Porque mesmo depois que você morre, as pessoas vão acabar descobrindo quem você realmente era.

A história foi editada e condensada para maior clareza.

Matéria originalmente publicada pela VICE Canadá.

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