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Identidade

Esta diretora de pornô gay sabe por que as mulheres adoram pornô gay

Nica Noelle é uma das poucas diretoras do pornô gay — e ela nos conta por que mulheres hétero procuram cada vez mais esse tipo de filme.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Depois de anos trabalhando nas indústrias lésbica e hétero, a produtora e diretora feminista Nica Noelle é uma das poucas mulheres a se aventurar no mundo do pornô gay. E uma das únicas a atingir seu nível de sucesso.

Noelle fundou o estúdio de pornô gay Icon Male em 2015 (link NSFW), especializada em "pornô romântico". E além de homens gays procurando por algo mais além de sexo explícito e um enredo frouxo em sua erótica, pornô romântico também tem um grande apelo para mulheres hétero — que vêm assistindo pornô gay mais que nunca nos últimos anos. Dados do Pornhub mostram que depois dos gêneros "lésbico", "gay (homem)" é a categoria mais vista entre suas usuárias. O fandom de algumas mulheres hétero em torno de astros do pornô gay já ficou conhecido pelos excessos. E como uma mulher hétero que dirige pornô gay, poucas são mais qualificadas que Noelle para nos contar por que, então, mulheres curtem pornô gay.

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Mas a carreira de Noelle não é livre de controvérsia; alguns atores e blogueiros já a acusaram de oferecer condições de trabalho abaixo do padrão (link NSFW) no set e ter um temperamento ruim, e ela já comentou sobre outras acusações (link também NSFW). Mas o mundo do pornô gay é tumultuado e dramático, e Noelle tem sua parcela de apoiadores e admiradores, sem falar nos prêmios. Que ela tenha conseguido deixar uma marca considerável numa indústria notoriamente competitiva como mulher hétero é impressionante em si. Abaixo, Noelle falou com a VICE sobre como racionaliza o fandom de mulheres hétero que se desenvolveu ao redor do pornô gay, e explicou por que essa indústria pode ser tão problemáticas às vezes.

VICE: Seus filmes da Icon Male são descritos como "pornô romântico", em vez de pornô de "realidade" ou "amador". E vêm sendo consumido por mais e mais mulheres. O que desperta o amor delas pelo pornô gay?
Nica Noelle: Esse é um tópico complexo, mas acho que há algumas coisas no geral acontecendo. Por exemplo, muitas mulheres hétero mais velhas se sentem mais confortáveis assistindo pornô gay porque não precisam se comparar a mulheres mais jovens, mais atraentes ou mais habilidosas sexualmente na tela. A sexualidade gay rejeita todas as mulheres, independente de quão jovens e belas. Quando a mulher fã de pornô gay assiste seu "crush pornô" fazendo amor com outro homem, ela pode desfrutar da beleza da performance sexual sem a intrusão de uma mulher com quem ela nunca poderia competir.

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Como os homens gays não se sentem atraídos pelo corpo feminino, ela pode fantasiar que os sentimentos dele por ela se baseariam em algo mais profundo e significativo que luxúria animal vazia.

A espectadora também pode fantasiar que mesmo que seu crush pornô seja gay, se tivesse oportunidade ela ofereceria a ele tanto amor e devoção incondicional que ele acabaria se apaixonando por ela. Não por causa de sua juventude ou aparência, mas por sua alma. Como os homens gays não se sentem atraídos pelo corpo feminino, ela pode fantasiar que os sentimentos dele por ela se baseariam em algo mais profundo e significativo que luxúria animal vazia. É fácil ver como essa pode ser uma fantasia muito segura e potente.

Quanto às "groupies", parece um pouco uma crise de meia idade em que algumas mulheres acabam entrando, sem querer julgar. Parece ser um retorno ao tempo em que elas eram jovens e tinham uma queda por boy bands e liam revistas com astros adolescentes; uma época em que belos homens jovens ainda pareciam mágicos e inalcançáveis, portanto nada ameaçadores. Provavelmente seria mais bizarro uma mulher de meia idade ser obcecada por um adolescente "hétero"; isso poderia ser visto como quase pedofilia. Mas como eles são homens jovens gays, uma mulher se sente livre para ficar obcecada por ele e o assistir fazendo sexo sem culpa ou vergonha.

A ascensão do fenômeno de literatura erótica envolvendo homens — dominado por escritoras e leitoras — tem relação com a ascensão do pornô romântico?
Há muitas mulheres fã de pornô gay que estão escrevendo erótica ou que consomem muito isso, e acho que há uma sobreposição dessas bases de fãs. Mas pessoalmente, não leio esse tipo de livro. A última coisa que quero depois de filmar pornô o dia inteiro é me sentar para ler um livro erótico!

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A última coisa que quero depois de filmar pornô o dia inteiro é me sentar para ler um livro erótico!

Como diretora e produtora de pornô gay, você pode mandar em homens em frente às câmeras — em vez do contrário, que geralmente é como o mundo do pornô funciona para mulheres. Há um elemento de poder para você nisso?
Não sinto nenhuma emoção pessoal em "mandar" nos homens ou dizer o que eles farão um com o outro sexualmente. O ideal é estarmos na mesma página em termos do que a cena de sexo deve ser, e não tenho nem que abrir a boca para dar as direções. Mas isso nem sempre acontece, claro.

O maior problema que encontro com atores pornôs, e isso é verdade não só no pornô gay mas em todo o gênero, é que a maioria deles está condicionada a fazer sexo de um jeito — chamo isso de "sexo pornô". Eles parecem muito mecânicos e distantes, os rostos sem expressão, os gemidos falsos e enlatados, e como resultado parecem dois gêmeos siameses ligados pela genitália. Então tenho que lembrar e eles durante a cena para se tocarem, continuarem focados um no outro. Também tenho que lembrá-los de se beijar com paixão e dar mais tempo para as preliminares. Alguns atores são naturalmente apaixonados e graciosos, enquanto outros são mais duros e têm dificuldade para expressar o tipo de paixão e intimidade que procuro.

Vários documentários e filmes recentes sobre a indústria do pornô gay mostram um mundo problemático de drogas, infelicidade e suicídio. Qual é a sua experiência?
Pornô é uma escolha de carreira radical; e pode ser um ambiente muito extremo. Não é o lugar mais saudável para quem é emocionalmente instável, ou quem tem problemas com drogas e autoestima — apesar de muitas vezes serem essas as pessoas que acabam aqui. Minha observação é que uma boa porcentagem de atores pornôs, gays e héteros, estão envolvidos em lutas internas. E você pode dizer que isso é verdade em qualquer campo, mas nos últimos seis meses, dois atores que eu conhecia e com quem trabalhei cometeram suicídio, os dois de 30 e poucos (um era um ator gay e a outra uma atriz hétero). Já fiquei sabendo de incontáveis suicídios e overdoses fatais desde que comecei a trabalhar no pornô dez anos atrás, e em todos os anos em que trabalhei no coorporativismo, nunca soube de ninguém que cometeu suicídio. Então acho que seria falso dizer coisas como "pessoas problemáticas estão em toda parte, não só no pornô". Bom, sim. Mas há mais chances de se autodestruir num ambiente como esse.

Você acha que seus filmes terão um impacto duradouro no gênero?
Gerei algumas discussões interessantes com meu trabalho, mas não acho que nada seja "duradouro". Não tem como construir qualquer equidade no pornô. Você não pode alcançar nada real aqui. Não há aposentadoria, pensão, nenhuma segurança empregatícia, nem reverência ou respeito a prestar aos mais velhos. Nossos melhores trabalhos, os projetos onde colocamos nossos corações, ficarão nas prateleiras dos revendedores por menos de um mês, depois acabam no bacião de promoções para dar lugar ao fluxo interminável de novos títulos. Tenho certeza que alguns anos depois que eu filmar meu último pornô, será como se ele nunca tivesse existido.

A entrevista foi editada e condensada para melhor compreensão.

Kevin Clarke mora em Berlim e trabalha para o Schwules Museum* . Ele foi o curador da exposição Porn That Way e escreveu o livro Porn: From Andy Warhol to X-Tube .

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