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análise

Perceber o "Novo IRA", o grupo que espalhou explosivos pelo Reino Unido

No início de Março, o grupo reclamou a responsabilidade pelos quatro pacotes com explosivos encontrados em Londres e Glasgow - e por um outro que ainda não foi descoberto.
Madalena Maltez
Traduzido por Madalena Maltez
real IRA
Um membro do "Real IRA" com um lança-granadas improvisado. A foto foi posta a circular pelo próprio grupo.

Este artigo foi publicado originalmente na VICE UK.

No início de Março, embalagens com explosivos e marcadas com um "Love ÉIRE" foram enviadas para quatro localizações no Reino Unido, incluindo o aeroporto de Heathrow e a Universidade de Glasgow. Depois de evacuarem os locais, os especialistas em combate ao terrorismo consideraram a possibilidade de ser um ataque de um "lobo solitário", mas não demorou até se começarem a espalhar os rumores de que as bombas poderiam ser obra de dissidentes republicanos irlandeses.

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Na semana passada, as suspeitas foram finalmente confirmadas: numa declaração enviada ao Irish News, usando uma conhecida palavra código, dissidentes republicanos irlandeses referindo-se a si mesmos como "o IRA" reclamaram a responsabilidade pelos ataques e por um outro pacote ainda não localizado. A organização é diferente do hoje desarmado Provisional IRA (o grupo paramilitar republicano que combateu no conflito da Irlanda do Norte, também conhecido como The Troubles) e está a ser apelidada de "Novo IRA" pelos irlandeses e pela imprensa britânica.


Vê o primeiro episódio de "Terror"


Fundado em 2012, o chamado "Novo IRA" é o grupo dissidente republicano mais activo a operar na Irlanda. Os membros têm ramificações em várias outras organizações republicanas: Republican Action Against Drugs (RAAD), o "Real IRA" e vários independentes. Um ataque com um carro-bomba à porta do tribunal de Derry em Janeiro último, tal como outros incidentes - incluindo as sete cartas-bomba que foram enviadas a vários alvos britânicos em 2014 -, foram também atribuídos ao grupo, que rejeita o muito apoiado Good Friday Agreement e quer estabelecer pela força uma República Irlandesa socialista de 32 condados.

Estes recentes eventos marcam tanto um escalar da actividade republicana dissidente, como o abandono da posição tradicional de não atacar a Escócia. "É estranho e surpreendente", diz Marisa McGlinchey, professora asistente em Ciências Políticas na Coventry University e autora de Unfinished Business – The Politics of "Dissident" Irish Republicanism. E acrescenta: "O movimento Republicano tem visto a Escócia, Glasgow em particular, como uma potencial base de apoio e onde poderiam encontrar casas seguras".

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IRA graffiti derry

Um mural do IRA no bairro de Bogside, em Derry. Foto por Thomas Krych / Alamy Stock Photo

O republicanismo irlandês dissidente e a actividade paramilitar continuaram a ter uma presença de discreta desde o fim do conflito e aproximadamente 48 prisioneiros republicanos estão agora presos na Irlanda, a maioria deles identificados como membros do tal "Novo IRA". Segundo as estatísticas divulgadas pela Police Service of Northern Ireland (PSNI), registaram-se 15 incidentes de bombardeamentos, 37 tiroteios e duas mortes relacionadas com segurança em Março de 2018 e Fevereiro de 2019. Um total de 1.3kg de explosivos e 3,333 de munições foram apreendidas.

Recentemente, o medo de um regresso à violência no caso de um controlo fronteiriço mais severo, amplificou a atenção sobre o republicanismo dissidente. A "Gardaí" (polícia) está a compilar uma base de dados de pessoas suspeitas de apoiarem actividades paramilitares republicanas e o MI5 reportou ter enviado 20 por cento das suas forças para a Irlanda do Norte, numa tentativa de prevenir ataques na sequência do Brexit.

Os republicanos, contudo, garantem que as suas acções não são uma resposta directa ao Brexit per se, mas que a escolha do Reino Unido de abandonar a União Europeia é uma oportunidade que têm de agarrar: "Para eles, é importante que as suas acções formem parte da narrativa republicana da busca por soberania", diz McGlinchey. E justifica: "Os republicanos dirão sempre que o que fazem não é em resposta a eventos contemporâneos ou ao Brexit, mas parte de um quadro mais abrangente".

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Enquanto as autoridades classificam o nível de perigo de um grande ataque no Reino Unido como moderado (improvável, embora possível) a possibilidade de voltar a ter uma fronteira bem marcada na Irlanda do Norte (onde o nível de perigo é "grave") torna a situação mais preocupante: se os soldados britânicos estiverem presentes, é certo que vão estar sob fogo. "Uma fronteira mais controlada vai proporcionar novos alvos aos republicanos, não tenho dúvidas de que, se se erguer um controlo fronteiriço este vai ser atacado", acrescenta McGlinchey. E realça: "Todavia, quanto à possibilidade de um surto de violência mais geral, acho que o foco já não está aí… Acho que os tempos mudaram. Já não é como era".

Tem sido colocada a hipótese de o Saoradh - um partido de extrema-esquerda irlandês não registado, formado por republicanos e ex-membros do 32 County Sovereignty Movement, Republican Sinn Féin, do Irish Republican Socialist Party e outros - estar actualmente a funcionar como o ramo político do tal "Novo IRA". Apesar de já ter afirmado que um regresso a um conflito armado é inevitável, o partido nega veemente qualquer ligação ou envolvimento com os paramilitares.


Vê: "A vida de imigrantes europeus no Reino Unido do Brexit"


Não obstante a especulação, é quase impossível fazer uma estimativa da percentagem dos membros do Saoradh, se é que há alguns, que aprovem a campanha recente do "Novo IRA" - fazê-lo abertamente seria considerado uma ofensa séria abrangida pelo Terrorism Act. "Qualquer um que queira apoiar publicamente actos de resistência contra a coroa britânica, ou instalações estatais… não pode fazê-lo", explica Paddy Gallagher, relações públicas do grupo, por telefone. E acrescenta: "Segundo a lei britânica de terrorismo é ilegal apoiar isso publicamente ou ser visto ou apanhado a apoiá-lo".

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O site do Saoradh também refere que a situação política actual na Irlanda é um "problema constante" e afirma que o "Novo IRA" é representativo de uma situação de "revolução inacabada". Gallagher explica: "Enquanto a Grã-Bretanha negar a soberania do povo irlandês, existirão sempre mulheres e homens dispostos e capazes de levar a cabo actos de resistência, quer seja numa Irlanda ocupada quer na própria Grã-Bretanha". O grupo não gosta do termo "dissidentes republicanos", dizendo que foi o Sinn Féin quem traiu os ideais republicanos ao aceitar o Good Friday Agreement e o Peace Process.

Alguns meios de comunicação britânicos já associaram casualmente o "Novo IRA" ao Provisional IRA, mas o grupo tem muito pouco apoio público e a sua luta política não é popular. Enquanto o Provisional IRA usou a greve de fome e o internamento para conquistar um certo nível de simpatia popular, o "Novo IRA" tem bastante menos apoiantes - o seu líder foi condenado recentemente a uma sentença de 25 anos pelo Tribunal Criminal Especial e não se registaram protestos a um nível mainstream.

Vinte anos depois do Good Friday Agreement, os grupos dissidentes republicanos que insistem que eles - e não o Sinn Féin - são os verdadeiros herdeiros do legado do Easter Rising de 1916 ainda estão no activo na Irlanda. Enquanto a Irlanda do Norte fizer parte do Reino Unido, é provável que alguém, algures, se refira a si mesmo como "IRA" - independentemente da condenação pública que possa receber.


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