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Identidade

Por que esse pai trans decidiu engravidar

O norte-americano Trystan Reese fala sobre a gravidez e como ele está lidando com a atenção do público.
Trystan Reese está grávido de oito meses. Foto por Shanna Sturgell.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Canadá .

Trystan Reese não é novo no negócio de ser pai, mas nunca tinha ficado grávido antes.

Reese, de 34 anos, que mora em Portland, nos EUA, com seu parceiro Biff Chaplow, está grávido de oito meses. A dupla já tem dois filhos adotados, um menino de nove anos e uma menina de seis, que são sobrinhos biológicos de Chaplow.

Eles adotaram as crianças depois de namorar por apenas um ano.

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"Recebemos uma ligação dizendo que a situação tinha se deteriorado muito na casa deles, e eles disseram 'Se vocês não puderem cuidar deles, eles vão para o sistema de adoção'", disse Reese, que é de Vancouver. "Juntos decidimos fazer o melhor para cuidar deles."

Trystan, Biff e os dois filhos.

O primeiro ano foi difícil, mas Reese disse que ele e Biff se apaixonaram pela paternidade, e alguns meses depois anunciaram que teriam um bebê biológico. Reese nasceu com o genital feminino, então ele está carregando o bebê. Mesmo insistindo que não é nem de longe o primeiro homem trans a engravidar, ele definitivamente é um dos mais conhecidos; a história já rendeu manchetes internacionais.

Ligamos para Reese para falar sobre a gravidez e como ele está lidando com a atenção do público.

VICE: Então, vocês tinham planejado ter filhos, ou isso foi algo que decidiram naquele momento?
Trystan Reese: Foi algo que tivemos que decidir naquele momento. Uma das coisas que queríamos fazer era realmente apreciar cada estágio da nossa relação. Não quisemos morar juntos logo de cara; não queríamos nem dizer "Eu te amo" logo de cara. Acabamos indo do oito ao 80, pulando alguns passos. E Biff me disse "Se isso é algo que vamos fazer, você se compromete a ficar comigo pelos próximos 18 anos".

E como foi?
Honestamente, não recomendo se tornar pai durante uma época de crise. Foi extraordinariamente difícil. As crianças tinham passado por muito abuso e negligência na casa deles. Eles eram tão pequenos, tinham um e três anos, e exigiam muita atenção e cuidado. Então foi uma época muito estressante. Felizmente o Biff é a pessoa mais maravilhosa do mundo, e temos um sistema de apoio muito incrível também. Toda a comunidade nos apoiou.

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O casal no dia de seu casamento.

Por que vocês decidiram ter um filho biológico?
Nossos filhos são maravilhosos, e amamos ser pais. Já tínhamos passado pelo processo de adoção, e sabíamos como era emocional e financeiramente desgastante passar por esse sistema. Realmente queríamos a experiência de fazer isso do nosso jeito.

Sou transgênero, ele não; temos todas as partes necessárias para criar nossa própria família em casa. E conhecíamos vários homens trans que deram à luz. Então nos encontramos com uma equipe de médicos aqui em Portland para garantir que isso poderia ser feito de maneira segura. Não é perigoso parar com o controle hormonal; aí todo o sistema volta a funcionar.

Há quanto tempo você faz a terapia hormonal?
Muito tempo, uns 13 anos.

E como é parar de tomar esses remédios?
Parei de tomar testosterona, e eles fizeram ultrassons para se certificar de que tudo estava saudável. Tomo os remédios há tanto tempo que a maioria dos efeitos físicos e cosméticos não somem. Minha voz não vai mudar, minha barba não vai cair. Continuo parecendo homem fora o fato de estar grávido de oito meses. O único ajuste necessário era conseguir um ciclo menstrual de novo depois de tanto tempo. E se familiarizar com os altos e baixos hormonais e os elementos de humor da menstruação. Foi uma experiência um pouco difícil de passar de novo, eu só pensava "Ah, acho que essa é aquela hora do mês onde fico um pouco mais pavio curto".

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Como você conciliou estar grávido com sua identidade como homem? Isso foi uma questão?
Acho que é complicado. Muitos homens trans que conheço já ficaram grávidos. Eles são algumas das minhas pessoas favoritas e os considero meus modelos. Eles são bons, gentis, carinhosos e simpáticos, e passaram por todo esse processo. De certa maneira, eu desassociei o processo de gravidez da feminilidade. Eu, claro, entendo que a maioria das pessoas que têm bebês são mulheres. Já sou transgênero. Já estou fazendo algo que é fora da norma dos homens e mulheres, então, para mim, não sinto que é algo tão rígido que homens não devem dar à luz.

Você recebeu alguma resposta negativa por dizer que desassociou o processo de dar à luz da feminilidade? Acho que muitas mulheres se sentiriam na defensiva com isso.
Tive poucas respostas negativas de mulheres. Acho que a maioria das mulheres entendem que o jeito como os homens interagem com crianças, bebês e famílias pode ser melhorado. Se mais homens tivessem acesso ao processo de nascimento, mais eles se envolveriam.

Tento abordar isso com respeito. Se vou para as aulas de ioga pré-natal, abordo o instrutor primeiro. Fiz o mesmo com as aulas de parto. Falei com o instrutor e perguntei "Tudo bem se eu participar?" Há momentos em que as mulheres querem estar cercadas apenas por mulheres. Ninguém me disse ainda "Não, você não é bem-vindo". As pessoas me dizem "Adoraríamos que você viesse. Queremos expandir nossa inclusão". Na maioria das vezes são os homens que surtam com isso.

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Fale mais disso.
Me parece que as pessoas estão dispostas a aceitar uma pessoa transgênero desde que nunca reconheçamos ou admitamos que somos um pouco diferentes deles. Então, quando digo "Sim, sou homem" e "Sim, vou ter um bebê", tem algo aí muito difícil de lidar para os caras. Não quero ser um homem biologicamente. Acho que estou numa situação única valiosa, e não quero abrir mão disso. Acho que como cultura, estamos prontos para expandir nossa ideia de quem são pessoas transgênero. A mensagem tem sido que o que nos torna trans é que odiamos nossos corpos, e queremos fazer tudo para mudá-los. Essa é a experiência para muitas pessoas trans; não a minha. Para alguns de nós, achamos OK abraçar e aceitar o caminho único que temos.

Como vocês estão lidando com os trolls online?
Meu parceiro me disse logo cedo que se contássemos nossa história, as coisas poderiam ficar realmente perigosas. E acho que eu não acreditei nele até as coisas ficarem mesmo perigosas. Acho que a coisa mais assustadora tem sido pessoas nos mandando mensagens direitas dizendo que somos nojentos, e pessoas dizendo que esperam que o bebê morra porque seria melhor para ele do que ter que viver na nossa família. E isso além do normal, tipo "Isso não é um homem, é uma mulher barbada. É uma aberração de circo". Aí teve um grupo neonazi da direita alternativa que pegou nossa história. Dizer que você chamou atenção de grupos neonazis quer dizer que instalamos mais segurança na nossa casa, e já estamos tomando cuidado quando saímos em público, quando buscamos as crianças e que não damos nosso endereço para ninguém.

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Qual tem sido a resposta dentro da comunidade trans?
Eu esperava muita reação negativa da comunidade trans e LGBT. Achei que outros homens trans, em particular, diriam "Pare de confundir as pessoas, você está dificultando as coisas para nós, queremos ser aceitos como homens". Em vez disso, a reação tem sido completamente positiva. Ouvi que algumas pessoas trans e LGBT disseram "Obrigado por começar essa conversa. Obrigado por expandir o que significa ser trans e o que significa ser homem".

Como você se sente sobre o estado dos direitos trans nos EUA agora?
Estamos em modo de defesa agora. Estávamos indo bem há anos em termos de aprovar legislações pró-ativas, que não só nos protegiam de ataques e discriminação, mas garantiam proteções realmente básicas, como o direito de jovens trans de usar o banheiro de sua escolha nas escolas. Mas agora o pêndulo está balançando na direção da direita nos EUA, e muita coisa que aconteceu em nível federal tem sido repelida pela administração Trump. Agora estamos em modo de defesa, tentando lembrar as pessoas de que não somos diferentes de quem éramos um ano atrás, mesmo se o clima político mudou um pouco. Isso significou que temos visto um aumento nos crimes de ódios contra trans. Quanto ao Canadá, mulheres trans não brancas continuam sendo sujeitas a uma violência cada vez maior.

"O processo de crescer uma nova vida dentro de você é muito maravilhoso."

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Esqueci de perguntar, como vai a gravidez?
Sei que não é legal dizer isso, mas tem sido incrível. Do ponto médico tem sido muito fácil; não tive nenhuma complicação. O processo de crescer uma nova vida dentro de você é muito maravilhoso. Sei que foi assim que chegamos aqui, então não é tão milagroso assim; é só ciência. Mas tem sido muito, muito excitante.

Como as crianças estão reagindo?
Normal. Tem momentos de excitação por ter um irmãozinho chegando e momentos de ciúme por atenção. Acho que eles estão ansiosos em ter que compartilhar os brinquedos com ele. Eles têm seis e nove anos, então é isso que eles são capazes de fazer agora.

A entrevista foi editada para maior clareza.

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Tradução: Marina Schnoor

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