"Eles É que São Sujos": Os Imigrantes da Grécia Estão Otimistas com as Prisões da Aurora Dourada

Javied numa marcha antifascista. Imagem via.

A Grécia não é o país mais feliz no momento e é provável que você já saiba o porquê – perder todo seu dinheiro e ser forçado a implementar cortes severos não é a melhor maneira de um governo agradar o público. Mas não tem nada mais prejudicial para a psique dos gregos imparciais do que a rápida ascensão da organização neonazista Aurora Dourada, que vinha explorando o caos na Grécia com o intuito de ganhar representatividade no parlamento para sua selvageria nas ruas.

As atividades criminais do grupo – que supostamente incluem atacar e assassinar imigrantes – têm sido um ponto sensível para milhões de gregos que não endossam a ideia de usar violência contra as pessoas só por causa de sua nacionalidade. Muitos grupos, incluindo o Conselho da Europa e a Anistia Internacional, têm protestado contra a presença da Aurora Dourada no parlamento há algum tempo, mas o governo grego estava relutante em realizar qualquer ação.

Isso tudo mudou semana passada, quando 20 membros do alto escalão do grupo foram finalmente presos – incluindo o secretário geral Nikos Michaloliakos e o galã de extrema-direita Ilias Kasidiaris. As prisões aconteceram depois do assassinato do rapper antifascista Pavlos Fyssas por um homem que, segundo a polícia grega, tem ligação com a Aurora Dourada.

Um aspecto que causou fonte de irritação para muitos é que foi preciso a morte de um grego para finalmente energizar o governo, que ignorou repetidas vezes a violência contra os imigrantes. Ainda assim, as prisões são uma grande vitória para as minorias gregas. Entrei em contato com Javied Aslam, presidente da comunidade paquistanesa e da Associação de Trabalhadores Imigrantes na Grécia, para saber mais sobre as reações no país.

Javied em outra marcha antifascista. Imagem via.

VICE: Olá, Javied. Como você se sente sobre a prisão da liderança da Aurora Dourada?
Javied Aslam: Desde o assassinato de Pavlos Fyssas, no mês passado, o governo vem provando ser extremamente capaz de lidar com a Aurora Dourada. Eles mostraram que, quando querem, podem ser bem eficientes. Mas isso deveria ter sido feito há dois anos. Hoje, temos cerca de 900 ataques registrados contra imigrantes, acontecidos entre 2010 e a morte de Fyssas.

O que você acha que vai acontecer agora?
Se isso não for somente uma encenação e o governo realmente estiver procurando aplicar a justiça, ele deve dar permissões de trabalho para cada vítima de violência racista e dinheiro para a as famílias daqueles que foram assassinados. Também esperamos que eles fechem os centros de detenção, que são operados por gangues racistas que espancam e torturam imigrantes – a condição de vida deles lá é horrível.

Quantos assassinatos de imigrantes foram registrado nos últimos anos.
Acreditamos que o primeiro aconteceu em setembro de 2009. A polícia invadiu a casa de Mohammed Kamran em Nikaia [a mesma área onde Fyssas foi assassinado e onde a Aurora Dourada tem um grande número de simpatizantes] e começou a gritar e bater nele e em sua família. Kamran foi levado para a delegacia de Nikaia, onde permaneceu por dois dias e foi torturado – ele foi pendurado no teto, espancado e eletrocutado. Ele morreu devido aos ferimentos alguns dias depois de ser libertado. Ele tinha somente 25 anos.

O segundo ataque aconteceu em janeiro de 2013 com um rapaz de 27 anos chamado Sheszad Luqman. Ele foi esfaqueado no caminho para o trabalho numa feira em Petralona. Pessoas que moravam num flat na rua onde Luqman foi morto, ouviram ele gritar, então puderam testemunhar. Quando os perpetradores foram presos, ficou provado que eles eram membros da Aurora Dourada pela parafernália encontrada em suas casas. Mesma coisa com Serdar Yacoub, que foi assassinado na mesma época. Quem sabe quantas pessoas sofreram e morreram sem que ninguém dissesse nada?

Por que você acha que o governo decidiu agir contra a Aurora Dourada só agora?
Há duas razões principais: a primeira é o assassinato de Pavlos Fyssas. Isso serviu como uma desculpa, mas também algo que podia carregar um grande custo político. A segunda é a futura presidência da Grécia no Conselho da União Europeia [que começa em 1 de janeiro de 2014 e a Grécia vai liderar as reuniões do Conselho por seis meses]. O governo vinha sendo pressionado pelos europeus para lidar com a Aurora.

Acho que um país com um partido neonazista no parlamento presidindo o Conselho é meio esquisito. Por que você acha que eles foram tão lentos para agir?

A razão para eles não terem feito nada até agora – e eles acabaram de provar que podiam ter feito algo antes – é que as táticas da Aurora Dourada e a agenda anti-imigração ainda servem a certos interesses. O estado precisa que os imigrantes se sintam fracos e incapazes de exigir seus direitos. Há vários casos em que donos de fábricas disseram, sarcasticamente, aos trabalhadores que protestavam por melhores salários, para não se preocupar que “a Aurora Dourada vai dar os direitos de vocês”.

O promotor público me chamou na semana passada e disse que dessa vez está preparado para olhar a questão mais seriamente. Fui até lá com uma pasta com mais de 900 casos e ele disse: “Bom, isso é muito, mas vamos tentar cuidar de alguns casos”. Vamos ver.

E como está o clima nas ruas? Aconteceu algum ataque desde o assassinato de Fyssas?
Um indiano foi encontrado morto num poço na noite de segunda-feira, mas ainda não temos certeza de quem fez isso. Mais nada foi registrado. Acho que eles entraram em pânico – eles não deviam estar esperando pelo que aconteceu.

E o clima na comunidade imigrante? As pessoas estão otimistas ou se sentido ameaçadas?
As pessoas estão bastante otimistas e esperançosas que isso marque o fim dos ataques a imigrantes. Os últimos dias foram uma lufada de ar fresco para gregos e imigrantes. Em se tratando de imigrantes, eles definitivamente se sentem encorajados. Ouço as pessoas dizendo abertamente: “Não somos sujos. Eles é que são sujos porque calcularam mal o valor da vida humana”. As pessoas não se sentiam confortáveis para dizer algo assim antes.

No entanto, não posso me apressar e fazer grandes declarações – temos que esperar para ver o que vai realmente acontecer. Isso pode ter sido só uma encenação, vamos ver. Esperamos pelo melhor, mas estamos preparados para o pior.

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