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O Anonymous Tentou Invadir o Parlamento Inglês

Cerca de 500 membros do Anonymous emergiram de trás de seus computadores no último dia 5 pra finalmente viver o que suas máscaras prometiam há muito tempo: uma reconstituição da cena final do V de Vingança.

Cerca de 500 membros do Anonymous emergiram de trás de seus computadores no último dia 5 pra finalmente viver o que suas máscaras prometiam há muito tempo: uma reconstituição da cena final do filme V de Vingança, quando o Parlamento inglês explode e tal. Certeza que você vai ficar absolutamente chocado em saber que não foi isso que aconteceu. O que rolou na verdade foi o casamento bem confuso de um genuíno protesto político e um flash mob.

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Até agora, a esquerda política inglesa e os movimentos de rua afiliados a ela — do Partido dos Trabalhadores, UK Uncut, Partido Socialista dos Trabalhadores etc. — falharam em realmente aproveitar a antipatia das pessoas por um governo que tem deixado todo mundo muito puto. Ao mesmo tempo, esses mesmos movimentos falharam em perceber que muito das crenças políticas dos jovens de hoje se formou com filmes como Loose Change e Zeitgeist. Se essa noite nos ensinou alguma coisa, foi que o Anonymous pode ter começado a preencher esse vazio, criando um tipo de política 2.0.

Por volta das 18h, as pessoas começaram a se reunir perto da Coluna de Nelson. Alguém até encoxou os leões de ferro. Todo mundo fez um “toca aqui” e ficou conversando, balançando os braços como aqueles mímicos de Cockney, já que era impossível se comunicar através de expressões faciais. As pessoas dançavam com hinos da internet como “Never Gonna Give You Up” e “Chocolate Rain”, que saiam de um alto-falante próximo.

Aí essas pessoas foram interrompidas por alguém que fez um discurso sobre como aquela noite era baseada na “zueira”. Esse cara depois foi interrompido por alguém dizendo que aquela noite não era só zoação, mas era na verdade séria pra cacete. “Queremos justiça”, ele gritou. Foi um pouco parecido com a cena do começo de Warriors, só que felizmente ninguém foi morto a tiros pra provocar uma guerra de gangues entre milhares de jovens violentos vestidos com roupas engraçadas, culminando numa execução ritual numa praia ao amanhecer.

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Esse estranho jogo entre zoação baseada em memes e crenças políticas assustadoramente sinceras estava por toda parte, às vezes era até difícil saber quem estava fazendo piada.

As críticas sérias pareciam estar direcionadas aos cortes nos setores públicos e nas tentativas do governo de domar o Velho Oeste moderno que é a internet. Em alguns momentos, os argumentos mergulhavam de cabeça em teorias da conspiração. Mesmo com todas as coisas que vieram à luz cerca de um mês atrás sobre redes secretas de pedofilia e que fizeram todo mundo repensar essas conspirações, tudo ficou muito confuso.

Será que “labels” era uma referência a selos de gravadoras ou a rótulos sociais? E o que qualquer uma dessas coisas tem a ver com rastros de poluentes químicos? Decidi pegar um dos manifestantes pra que ele me explicasse o que estava acontecendo.

VICE: Oi, anônimo. O que o movimento Anonymous tem de bom?
Anônimo: O que faz esse movimento ser diferente do resto é que a internet nos coloca em condição de igualdade com o governo e as corporações. Espera-se que isso crie uma situação onde o governo comece a temer os cidadãos, e não o contrário.

E o governo já está começando a ficar com medo?
Bom, eles estão cautelosos, ou não teriam mandado a polícia pra cá.

E o que significa a máscara do V de Vingança?
O Anonymous começou como uma piada, e nos fóruns a gente costumava brincar com a máscara do V de Vingança. Nosso primeiro protesto fora da internet foi contra a Cientologia, que tem um histórico de perseguir quem os critica e fazer coisas ruins com quem fala mal deles, então tivemos que nos disfarçar e escolhemos a máscara do V de Vingança.

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Ah, isso faz sentido.
Mas isso meio que simboliza aquilo que o Anonymous acredita que é — aquela última cena quando eles explodem o Parlamento.

Você acha mesmo que vocês podem explodir o Parlamento de verdade?
Provavelmente não.

Mas você acredita que o Anonymous possa levar a uma revolução genuína?
Vejo o movimento conseguindo mudanças mais do que qualquer outro já fez.

Você não acha meio problemático ter como simbolismo de um movimento por mudanças sociais radicais um quadrinho que depois virou um filme de Hollywood?
Err, não. Isso começou como uma piada. Nenhum de nós achou que isso iria tão longe.

Tem sempre um estraga prazeres nessas festas à fantasia e, neste caso, esse cara era o Ben. Lá fui eu confrontar o cara sobre sua pisada na bola fashion.

VICE: Oi, Ben. Por que você resolveu quebrar o dress code?
Ben: Estou aqui pra mostrar minha oposição à injustiça social, então a máscara de Guy Fawkes é meio problemática. O Guy Fawkes queria explodir o Parlamento porque isso era controlado por protestantes e ele era católico. Claro que era errado ele ser perseguido por isso, mas ele queria restabelecer o poder do Papa sobre a Inglaterra, o que também era bem errado.

Ah sim, muito bem pensado!

Em seguida, me deparei com esse rasta branco que disse em patoá falso: “Mais amor, um amor, verdade e direitos, igualdade pra todos. Rastafári é uma religião internacional, um modo de vida internacional. Não é preciso ser negro pra ser rasta. Só apreciar as raízes, a música e a cultura das pessoas. Tudo pras pessoas, não pro sistema. O sistema é uma merda!”

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Não foi a primeira vez naquela noite que fiquei genuinamente confuso. Será que os manifestantes realmente eram o que pareciam ser ou isso tudo era apenas uma brilhante performance de uma peça satírica? A manifestação toda podia facilmente ser uma mensagem da cena de manifestações do Reino Unido, tipo a série The Thick of It das ruas.

A marcha até o Parlamento começou e a antecipação pairava no ar. Será que meu ceticismo era equivocado? Será que esses caras iam mesmo invadir o Parlamento? O grito familiar “De quem são as ruas? As ruas são nossas!” ecoava nos muros. Mas a manifestação caiu num padrão recorrente. A política de rua do Reino Unido está se tornando muito estereotipada. O que normalmente acontece é o seguinte:

A marcha parte. Como uma caminhada de A até B é meio chata e ineficiente, alguns dos mais empolgados vão na frente pra fazer uma marca no alvo da demonstração. Neste caso, o Parlamento.

Com postura radical e adrenalina substituindo os fatores racionais e sem um plano real de como invadir o Parlamento e do que querem realmente fazer, os manifestantes são frustrados por quem? Quem? Pela polícia, claro.

De vez em quando, começa um empurra-empurra, mas basicamente as pessoas ficam na frente da polícia chamando-os de escória e fingindo estar surpresos por eles não se juntarem à revolução, já que o papel deles deveria ser servir ao público, e não aos políticos.

“Por que vocês estão protegendo políticos corruptos?”, perguntam os manifestantes, se recusando a perceber que impedir pessoas de destruir o Parlamento é praticamente a epítome do trabalho de um policial.

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Neste caso, com a alta concentração de teóricos da conspiração e por causa de toda a história recente de pedofilia envolvendo Jimmy Savile, tivemos o toque especial de várias pessoas acusando metade da força policial e todo o Parlamento inglês de serem basicamente uma grande organização de pedófilos. Um ligeiro desvio no roteiro de sempre.

Aí todo mundo fica por ali sendo revolucionário e, depois de um tempo, se cansam e vão embora. Acho que a revolução pode esperar mais um dia. Se pelo menos a polícia não tivesse aparecido, definitivamente essa galera teria invadido o Parlamento. Mas quem poderia prever a presença da força policial num protesto muito bem divulgado e no coração de Westminster?

Certamente não esse pessoal com a faixa “Vocês deviam estar nos esperando”, que não fazia o menor sentido.

Já foi dito que o Parlamento é um tipo de teatro, um teatro onde o establishment britânico realiza uma farsa democrática fazendo piada do cabelo uns dos outros, mas concordando entre si nas grandes questões — a velha batalha ideológica entre direita e esquerda virou coisa do passado. Se for verdade, isso se espelha na atual cena de protestos do Reino Unido. É basicamente uma pantomima onde todo mundo assume um papel, faz uma interpretação canastrona e depois vai pra casa se preparar pra próxima apresentação.

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