Fotos devastadoras da vida em Alepo
Nish Nalbandian

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Fotos devastadoras da vida em Alepo

O livro de estreia do fotógrafo premiado Nish Nalbandian revela a turbulência da vida cotidiana durante a Guerra Civil Síria.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICEUS.

A Whole World Blind, o livro de estreia do premiado fotógrafo NishNalbandian, retrata as realidades da vida em Alepo, na Síria, onde a guerra hoje faz parte do cotidiano da população. Tiradas durante um ano e meio entre 2013 e 2014, as imagens de Nalbandian são um testemunho honesto e sem censura da força e da vitalidade das pessoas vivendo em meio a um turbilhão cataclísmico, de combatentes nas linhas de frente da guerra civil na nação a cidadãos comuns tentando coexistir com a violência constante.

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Através de uma mistura de retratos e fotografia documental, além de testemunhos orais e memórias, o livro submerge o leitor nas vidas de combatentes rebeldes, soldados mirins e outras pessoas pegas pelo conflito. Nalbandian fez sete viagens para a Síria, com algumas durando duas semanas, até a primavera de 2014, quando a Frente Revolucionária Síria expulsou o ISIS da Idlib, noroeste da Síria. Naquele ponto, a presença do ISIS já tinha crescido por todo o Oriente Médio, e a ameaça para os jornalistas era grande demais para que o documentarista continuasse. Falamos com Nish sobre A Whole World Blind por e-mail, já que atualmente ele está em Mossul, no Iraque, incorporado às Forças Especiais Iraquianas para documentar a luta contra o ISIS.

VICE: Há quanto tempo você é fotojornalista? Como você começou?
Nish Nalbandian: Na verdade, a fotografia é algo que surgiu mais tarde na minha vida, como uma segunda (ou terceira) carreira. Fotografia era um hobby para mim até uns cinco anos atrás. Antes isso era só uma fuga criativa. Mas quando o interesse no meu trabalho começou a aumentar, decidi tentar ser profissional. As primeiras fotos que vendi são de uma viagem de moto de Denver para a ponta da América do Sul que documentei.

O que te fez voltar suas lentes para o conflito na Síria? Houve uma fagulha inicial específica?
Visitei a Síria em 2009 e fiz alguns amigos lá. Quando a revolução estourou em 2011, perdi contato com essas pessoas, então eu estava acompanhando as notícias de perto. Havia muita cobertura, e muitos fotojornalistas incríveis fazendo um ótimo trabalho, mas minha intenção era ir até lá e fazer algo um pouco diferente. Tenho uma foto do meu avô na Síria em 1916, quando ele estava lutando contra os otomanos na Legião Francesa Armênia. Ele tinha perdido a família no Genocídio Armênio, e acabou como tantos outros armênios (que sobreviveram) na Síria. Eu queria tentar recriar um pouco da sensação daquele retrato. Sinto que consegui um sucesso parcial nisso.

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Você teve alguma experiência direta com o ISIS, e a ascensão do grupo teve alguma ramificação imediata e observável na cultura local?
Não tive nenhuma experiência pessoal ou problemas com o ISIS enquanto estava lá, mas vi bandeiras do grupo em alguns lugares antes de eles realmente tomarem o controle. Quando eles começaram a sequestrar jornalistas, isso me fez reavaliar o risco de ir até lá. Mesmo não voltando, tenho contato com pessoas de lá que foram ameaçadas, presas e roubadas pelo ISIS enquanto eles se espalhavam pela área de Alepo. Eles não estavam no controle da cidade quando estive lá, mas eram um poder em crescimento. E quando estive em Idlib, eles tinham acabado de ser expulsos. Na época as pessoas me disseram que estavam felizes em ver o ISIS fugir.

Na introdução do livro, você fala sobre a experiência terrível de ouvir explosões próximas pela primeira vez. Teve algum momento do processo de documentar esse conflito em que você parou de vacilar?
Bom, de certa maneria, sim. Você se acostuma a ouvir esses sons, e seu cérebro aprende a filtrar aqueles que podem te afetar imediatamente. No começo, eu notava toda explosão e trocas de tiro à distância, mas depois de um tempo eu só reagia àquelas realmente próximas e sons mais imediatos. Acho que é um processo de aprendizado. Você observa dicas nas pessoas ao redor, que vivem nesse ambiente há anos.

Leia também: "Como é a vida em Alepo, uma cidade sitiada e destruída pela guerra"

A justaposição de imagens mais belas e pacíficas, assim como vislumbres de terras que parecem pouco tocadas pela guerra, e fotos violentas no livro é algo muito poderoso. Foi uma escolha intencional suavizar a brutalidade da realidade da guerra?
Foi minha intenção colocar momentos mais pacíficos junto com imagens mais fortes. Não necessariamente para suavizar a realidade, mas para mostrar que a vida continua mesmo na guerra. Como fotojornalistas, nos focamos nas notícias – nos eventos fora do comum – e geralmente é isso que fotografamos. Mas isso não mostra a imagem inteira, e minha intenção era oferecer uma visão mais ampla do que acontece num lugar como Alepo.

Senti que se incluísse apenas imagens clássicas de "guerra", eu não estaria contando a história corretamente como vi. E o que vi foram pessoas resistindo e vivendo com essa guerra acontecendo ao redor delas. Costumamos focar nas partes "quentes" do que está acontecendo, porque elas são as mais dramáticas e afastadas do nosso cotidiano. Mas assim perdemos de vista os lugares não tão problemáticos que também estão ali, e eu queria mostrar isso.

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Um dos meus retratos favoritos do livro é o de Rukan, uma combatente curda, apontando sua arma por um pequeno buraco na parede para a linha de frente. Qual a história por trás dessa fotografia?
Rukan era a líder de uma pequena unidade das forças de combate curdas (o YPG). Quando visitei a unidade na sua posição na linha de frente no bairro deles, eles continuaram montando guarda em sua seção da linha. Todo mundo precisa ficar guarda, e Rukan foi observar os outros combatentes em certo momento. Ela não está disparando na foto, só colocando seu olho treinado para escanear o que estava acontecendo. Como muito do que acontece nessas unidades de combate no mundo todo, aquele momento era só rotina, o dia a dia dela. Pelo que observei, esperar e assistir toma muito mais tempo dos combatentes do que a luta real.

Fotógrafos de guerra costumam falar sobre o custo emocional de estar tão perto do sofrimento. O que você teve que fazer para seguir com a vida e sua carreira?
Eu estava consciente do potencial de TEPT, então fiz questão de falar sobre minhas experiências e processar meus sentimentos com o que vi. Algumas coisas foram pesadas, especialmente envolvendo crianças. Eu sempre conversava com meu psiquiatra depois de ver as piores coisas, para evitar que isso se tornasse um problema. Honestamente, essas coisas foram difíceis de testemunhar, mas acho que minha experiência lá me tornou uma pessoa melhor. Sinto mais compaixão e compreendo melhor as pessoas, e tenho muito menos tolerância com reclamar de pequenos problemas. Ver outras pessoas resistindo diante de uma dificuldade tão grande me inspirou a ser mais resiliente. Por outro lado, quando você vê que coisas assim continuam acontecendo, cara, tenho que admitir que me tornei mais cínico vendo como as pessoas podem tratar as outras de maneira tão desumana, de novo e de novo. Essa é a parte mais difícil para mim.

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Você tem alguma foto favorita no livro? Que significado ela tem para você?
Ah, essa é uma pergunta difícil… Gosto das fotos mais pacíficas, como aquela dos dois idosos sentado na frente de uma loja, ou outra com um homem carregando rosas. Mas acho que as mais importantes são as em preto e branco das famílias deslocadas de Alepo. Elas estavam mal, e foi muito difícil voltar para minha vida confortável sabendo que elas estavam na miséria. Gosto de ver o olhar das pessoas. O mais importante é a ligação que fiz com elas. Nunca vou esquecê-las.

Mais fotos do livro abaixo.

A Whole Worl Blind saiu pela Daylight Books, compre o livro aqui e visite o site do Nish Nalbandian para ver mais do trabalho dele.

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Tradução: Marina Schnoor

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