Como Hollywood faz com que as drogas pareçam reais

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Como Hollywood faz com que as drogas pareçam reais

Seja para afirmar a queda trágica de um personagem, ou para reforçar uma cena cómica, as drogas nos filmes - sempre que estejam bem representadas - acrescentam um elemento muito interessante ao cinema.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

Johnny Depp de cigarro com boquilha na boca e óculos de aviador de lentes alaranjadas, enquanto disserta sobre a colecção de substâncias que leva no carro. Al Pacino enfiado num cadeirão de pele com uma montanha de cocaína à frente. Christiane F. a retorcer-se na cama, em plena ressaca e à porrada com o namorado por uma dose de heroína. Seja para afirmar a queda trágica de um personagem, ou para reforçar uma cena cómica, as drogas nos filmes - sempre que estejam bem representadas - acrescentam um elemento muito interessante ao cinema, mesmo quando não tenhas o mínimo interesse por elas na tua vida.

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É lógico que quando se trata de filmar uma cena em que são consumidas drogas ilegais, a produção recorre a um perito em adereços para que encontre algo que dê verosimilhança a essa mesma cena. O aderecista é a pessoa que colabora com actores, actrizes, realizadores e designers e lhes fornece todos os objectos com que vão interagir no filme - sejam livros, comida, dinheiro, ou drogas.


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Há vários anos que Sean Mannion é aderecista em Los Angeles, Estados Unidos da América, tendo colaborado em produções como The Craft, ou Bridesmaids. No entanto, grande parte do seu trabalho tem estado centrado em comédias, em que as drogas têm papel de destaque, como Knocked Up, The 40-Year-Old Virgin e Get Him To The Greek. Ou seja, é um gajo com bastante experiência no fabrico de charros falsos e sacos de erva de imitação. Se há alguém que sabe fazer com que as drogas pareçam reais, esse alguém é Sean Mannion.

"Antigamente usava oregãos, manjericão, ou outra erva qualquer que fosse visualmente semelhante e que se pudesse fumar", explica. "O pior é que fumar essas ervas pode ser bastante pesado. Uma vez trabalhei num filme em que a Madonna tinha de fumar um desses charros e ela só dizia, 'meu Deus, isto é nojento'". Para imitar as cabeças, por exemplo, passava cola em spray nas ervas, limpava o excesso e ficavam com aquele ar pegajoso, recorda o aderecista.

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Hoje em dia, as coisas mudaram muito e não é necessário fazer este tipo de trabalhos de forma totalmente manual. A indústria cinematográfica cresceu muito rapidamente e todos os anos estreiam centenas de filmes. Agora, quando Mannion precisa de um monte de marijuana há empresas (como o Independent Studio Services) que tratam de tudo na hora. "Ainda o ano passado tive de os contactar, porque trabalhei num filme em que havia um gajo que não fazia outra coisa se não acender charros o dia inteiro e tive que preparar um Tupperware com cerca de 400 ganzas".

Muitas vezes, Mannion compra "maria" a uma marca de cigarros de ervas chamada Ecstacy, porque é um substituto quase perfeito. "São todos feitos com um tipo de erva, são muito maleáveis e, para além disso, têm um cheiro muito parecido com a marijuana. É claro que se fumas erva habitualmente notas a diferença, ams se não tiveres esse hábito podes facilmente ser enganado.

Uma vez houve um produtor que veio ter comigo e me perguntou o que é que os actores estavam a fumar. Respondi-lhe: 'Bom disseram-me que queriam fumar erva e dei-lhes isto'. Quase que lhe dava uma coisinha má. 'Estás a gozar, não?', e eu disse-lhe, 'Claro que sim, são só ervas aromáticas'".

Noutra ocasião, uma actriz muito famosa, cujo nome não vou revelar, tinha que fazer uma cena numa festa em que lhe passavam uma ganza. Ela pediu-me um verdadeiro, mas dei-lhe um dos aromáticos. no final, tanto ela como os figurantes estavam convencidos que tinham mesmo fumado marijuana e garantiam que estavam com a moca. Foi muito divertido e, de certa forma, gratificante".

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E para a cocaína? Pode usar-se qualquer tipo de pó branco? "Antigamente usávamos um pó de enchimento que é utilizado na medicina, mas foi sendo cada vez mais complicado consegui-lo, porque era preciso receita para o comprar". Agora Mannion usa sorbitol, um poliálcool à base de açúcar, que pode encontrar-se, por exemplo, em alimentos dietéticos. "É uma solução genial, porque não tens que fazer nada para que pareça real. Quanto muito, por vezes basta adicionar um bocadito de açúcar refinado e já está. Pode inalar-se sem problema e tem um sabor doce, talvez um pouco estranho. Mas em cima da mesa, só mesmo um grande conhecedor o consegue distinguir da cocaína real".

Mannion não é nenhum perito em drogas, ainda que tenha tido as suas experiências no passado ("E enfatizo: no passado"). Para imitar crack, ou heroína, basicamente o que faz é procurar imagens na Internet e investigar um bocado, para que fique o mais parecido possível com a realidade. Felizmente, diz, nem sempre é preciso que se vejam mesmo as drogas que estão a ser consumidas. "Muitas vezes acabam por não aparecer no ecrã, porque o próprio contexto da cena já torna claro de que tipo de droga se trata. Por exemplo, quando há um cachimbo de crack ou seringas espalhadas pelo cenário".

Pode parecer que os estúdios não colocam qualquer tipo de restrição no que toca à aparição de drogas nos filmes que produzem, no entanto, no caso do tabaco, por exemplo, houve nos últimos anos uma mudança bastante drástica. "Quase todos os estúdios são anti- tabaco e proibiram completamente que se fume nos filmes", explica o aderecista. E acrescenta: "É difícil ver alguém a fumar um cigarro no ecrã. Estou neste momento a trabalhar numa cena em que seria óbvio que a sala deveria estar cheia de gente a fumar e que um dos gajos, inclusive, estivesse a fumar um charuto enorme. Mas não se pode. Entretanto, na mesma cena, há pessoal a fumar erva e a snifar coca".

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Esta proibição está relacionada com uma campanha de saúde, que tem como objectivo desvincular o tabagismo da ideia de glamour. Por isso, se as estrelas de Hollywood aparecerem a fumar num filme, hoje em dia, o mais certo é também ser um cigarro de ervas aromáticas, tal como no caso dos charros.

Quando vemos uma personagem embebedar-se num bar, ou cuja existência gire em torno do álcool e outros estimulantes - como Miles em Sideways, ou toda a gente em The Wolf of Wall Street – ficamos com a impressão que, de facto, estão mesmo a beber, ou a meter cenas.

Quando Josh Hartnett e Kirsten Dunst bebem um trago de licor de pêssego em Virgin Suicides (ver vídeo acima), os nossos lábios quase conseguem sentir o adocicado da bebida quando eles levam à garrafa à boca. Alguns actores mais puristas não têm problemas em confessar que beberam mesmo para darem mais credibilidade à sua actuação. Shia LaBeouf, por exemplo, explica que, quando interpretou um contrabandista da época da Lei Seca, no filme Lawless, chegava sempre com os copos às filmagens, de maneira a ter os olhos vermelhos e fazer tudo parecer mais realista. Brad Pitt e Edward Norton estavam mesmo bêbados na cena de Fight Club em que atiravam bolas de golf contra os prédios à sua volta.

No entanto, estes caso são excepções. "Nunca vi ninguém a beber mais do que um par de shots", garante Mannion. "Alguns actores pedem-me para lhes dar mesmo álcool, mas nunca o faço sem consentimento do realizador. Às vezes é preciso repetir uma cena 20 vezes, se em cada uma bebessem álcool, de certeza que não chegavam longe". Nestes casos, o substituto é chá, ou água com corantes. Se o actor, ou a actriz, aparecem a beber uma cerveja numa garrafa castanha, então é certo que é água.

Seja com álcool, tabaco, ou drogas duras, não há nada que dê mais satisfação a um aderecista que uma cena em que tudo pareça tremendamente real. "Há sempre olhos muito críticos que vão encontrar os defeitos se não tiveres feito tudo perfeito. O teu trabalho é fazeres com que tudo seja muito credível e quando consegues é claro que te sentes muitíssimo realizado"

@hannahrosewens