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Entretenimento

O Novo Filme do Petter Baiestorf é Sobre um Lobisomem à Solta no Meio da Roça

Conversamos com o diretor catarinense sobre "Pampa Feroz", uma das histórias que compõem o longa colaborativo "As Fábulas Negras", só com causos trash do folclore nacional.

Humor imbecil, pessoas peladas, sangueira exagerada e críticas, de cunho social ou político, são os ingredientes básicos que não podem faltar num filme do Petter Baiestorf. E é daora notar que a fonte de perturbações nunca seca na mente do prolífico cineasta catarinense. Enquadrei o cara para esta entrevista assim que fiquei sabendo que ele tinha retornado das sessões de gravação de mais uma bagaceira, dessa vez um curta, o Pampa Feroz. O enredo que lhe compete vai fazer parte de um longa atrelado a outros três argumentos, nomeado As Fábulas Negras. Para quem já está ligado na pegada lóki dos rebentos da Canibal Filmes, a nova investida vai surpreender porque, dessa vez, todos verão um Baiestorf mais contido. O que parece é que ele optou por experimentar, aqui, um tipo de horror puro.

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Quando o abordei pedindo a entrevista, ele me disse que "esta pode ter sido uma experiência única na minha filmografia. Meu próximo projeto volta a ficar porra-louca". A ideia de fazer um longa encadeando quatro roteiros que se cruzam foi do Rodrigo Aragão, que é o dono da Fábulas Negras, a produtora. Lá por 2011, Baiestorf, Aragão e outro doido, o Joel Caetano, estavam tentando levantar verba para uma produção em episódios, baseado na extinta revista em quadrinhos Calafrio. Só que isso acabou não rolando. Com o projeto em suspenso, Petter se meteu a rodar Zombio 2: Chimarrão Zombies, enquanto o Aragão foi mandar bala no Mar Negro e o Caetano fez o curta Encosto. Cabe dizer que, em 2013, estas foram as três fitas independentes brasileiras que mais circularam por festivais de cinema de horror no mundo (Sitges, Rojo Sangre, Montevidéo Fantástico, FantasPoa, Indie etc…).

Como a turma tinha firmado parceria em A Noite do Chupacabras e tudo correra bem, Aragão conseguiu levantar uma grana para retomar a produção de As Fábulas Negras e resolveu botar o Joel, o José Mojica Marins aka Zé do Caixão e o Petter para dirigirem os capítulos junto dele. Cada curta foi orçado em uns 30 mil reais e, até agora, além do Pampa Feroz, já foi concluído o do Mojica, que se chama O Saci. O resto ainda não dá pra falar, mas sei que o projeto talvez ganhe as telas em outubro, num festival mexicano.

O barato é que esse formato faz um resgate dos clássicos longas em episódios, como aqueles feitos pelos produtores da Boca do Lixo nos anos 1970. E, caso o filme consiga uma receptividade legal do público, a ideia do Rodrigo é investir em continuações a partir de outros causos do folclore tupi, além do lobisomem e do Saci em questão, com outros diretores na jogada. As histórias deste primeiro Fábulas interligam-se pelo capítulo que o Aragão vai assinar, sem contar que os roteiros do Petter e do Mojica trazem uma personagem em comum. Ao contrário do que a palavra "pampa" possa supor, a tensão em torno da fera peluda esquadrinhada por Petter é ambientada num universo caipira brasileiro que pode ser qualquer lugar da roça, o que garantiu um clima mais imaginativo e fantasioso à proposta. Acompanhe o papo que tive com o diretor:

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VICE: As histórias que vão compor o longa tratam de lendas ou causos da cultura popular brasileira? O roteiro do seu curta, o Pampa Feroz, partiu de alguma pesquisa de histórias contadas pelo povo? Quais foram as referências?
Petter Baiestorf: Isso, cada episódio vai trabalhar uma lenda do folclore brasileiro. José Mojica Marins fez uma releitura do Saci, eu quis filmar algo com a temática lobisomem pelo fator gore, que está sempre implícito (ou seria explícito?) em cada história que aborda ataques de lobisomens, Aragão vai filmar uma história envolvendo esgotos e Joel vai contar a lenda da Loira do Banheiro. Quando comecei a pesquisar sobre as lendas com lobisomens aqui no Brasil fiquei sabendo que elas são diferentes em cada região, então meio que deixei isso de lado e escrevi meu roteiro partindo já pra ação, que é mais divertido!

Imagino que, ao longo do caminho, seja de praxe você enfrentar algumas adversidades a cada realização. No caso de Pampa Feroz rolaram atropelos? De que forma o lance de ter que driblar algumas dificuldades acaba resultando numa estética própria a seus filmes?
Pampa Feroz foi uma filmagem mais calma do que as produções que eu geralmente faço. Zombio 2, que necessitou de 23 dias de filmagens e uma equipe de quase 50 pessoas, foi bem mais caótico, por exemplo. Meu roteiro do Pampa Feroz era bastante difícil de filmar, não bastasse ter sequência de efeitos em quase todas as cenas, ainda resolvi filmar em local isolado e tudo à noite. A fazenda escolhida como cenário tinha uma fiação elétrica completamente podre, nossa iluminação era deficiente e tínhamos apenas seis dias para rodar tudo, incluindo dois ataques do lobisomem que era uma roupa bastante incômoda para o ator que interpretava, o Walderrama dos Santos. Por conta da luz acabamos necessitando de um dia a mais do que o previsto, mas gostei bastante do resultado que alcançamos.

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Onde foi a locação do filme?
Originalmente eu queria filmar o Pampa Feroz aqui no sul, até porque era ambientado entre os gaúchos do Rio Grande do Sul. Mas quando botamos as contas no papel percebemos que seria mais barato filmar no Espírito Santo, sede da produtora Fábulas Negras, e acabou sendo uma escolha mais acertada.

Você geralmente monta os filmes a partir da decupagem das imagens ou, quando vai filmar, já tem definido na cabeça todo o desenrolar e o ritmo que vai impor ao resultado final da obra?
Geralmente eu já dito o ritmo do filme no roteiro mesmo. Pro Pampa Feroz foi um processo um pouco diferente porque eu não era o produtor do filme. Todo dia o Aragão aparecia com alguma ideia nova pras cenas e eu tentava incorporar aquilo ao que já tinha escrito. Foi a primeira vez que trabalhei num sistema assim, um exercício interessante. Mas sendo o próprio produtor dos filmes, o que sempre foi meu caso, posso dar uma pausa e reescrever completamente o filme, levando para um lado completamente inusitado. Com Zombio 2, fiz isso para readequá-lo ao orçamento que tínhamos na mão. Outra coisa inédita com Pampa Feroz é que pela primeira vez não estou acompanhando de perto a edição do filme, que está sendo feita pelo Aragão. Fiz alguns apontamentos do ritmo que eu quero e ele está realizando uma montagem bem dinâmica, vai ficar bem divertido e violento.

Você contou com uma equipe de atores/colaboradores muito numerosa para a realização deste filme? A galera que participa nas suas produções geralmente é o mesmo time? Que tipo de equipamento você usa para filmar e editar as paradas?
Pampa Feroz foi filmado com uma equipe de, mais ou menos, 20 pessoas. Trabalhei com a equipe habitual do Rodrigo Aragão, do meu pessoal só trabalharam comigo Coffin Souza e Alexandre Brunoro. Quis encaixar mais técnicos da Canibal Filmes, mas o orçamento disponível não permitiu. Trabalhar sem o Carli Bortolanza, que é meu diretor de produção habitual, e sem o Elio Copini, que é um dos faz-tudo da Canibal. Foi uma experiência que achei bem ruim. Sou um cara que odeia explicar as coisas enquanto estou filmando e esses dois caras, que trabalham comigo desde 1995, já sabem o que estou pensando só pelas minhas expressões, então ambos fizeram muita falta na produção porque me dariam muito mais agilidade criativa. Mas a Fábulas Negras deu um suporte incrível e isso foi determinante para filmarmos tudo em apenas sete dias. Nas minhas produções costumo filmar com qualquer tipo de equipamento, cada projeto pede algo que o torne único. Inclusive no próximo estou cogitando filmar com celular, ainda não fiz os testes que vão definir isso, mas estou considerando a ideia. Se os testes revelarem que a imagem fica tosca demais, faço em HD.

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Tem alguma história de bastidores engraçada ou curiosa que rolou durante a concepção?
Faz bastante tempo que faço de tudo pros meus filmes não terem histórias engraçadas ou curiosas, gosto de chegar num set e filmar tudo que precisa filmar, rápido e sem contratempos. Isso aí, filmar comigo é uma chatice, apesar dos meus filmes serem sempre divertidos e zuados, mas é isso, o filme precisa ser divertido e zuado, já as filmagens têm que ser controladas, com tudo andando bem dentro dos limites dos apertados orçamentos que sempre temos em mãos e nenhuma surpresa acontecendo. Tenho o maior pavor de pensar na possibilidade de não ter tudo no controle. Mas no Pampa Feroz teve um momento engraçado que foi quando fomos gravar com o Marcos Conka, um ator incrível que está presente em todos os filmes do Aragão. Tínhamos que captar a morte dele a tiros e o Aragão quis testar algumas bexigas que teimavam em não explodir e ficamos filmando estes tiros por mais de uma hora, com Marcos tendo que receber os tiros, ficando completamente encharcado de sangue, agonizando a cada tiro que falhava.

Você se encontrou/trocou figurinha com o Mojica desde a idealização do projeto? As obras dele te influenciam ou já influenciaram de alguma forma, ou você diria que a sua pegada corre num sentido diferente?
Não, Aragão e Joel que se encontraram com o Mojica pra falar sobre o projeto. Eu só estou envolvido com o meu episódio por conta dos milhares de projetos em que estou participando. Neste momento estou escrevendo um livro, Arrepios Divertidos, levantando o dinheiro pras filmagens do meu episódio no longa coletivo 13 Estórias Estranhas, que vai envolver 13 diretores do sul do Brasil e, ainda, fechando participação como ator no longa Capital dos Mortos 2, então fica ruim acompanhar tudo. Não sofro influência dos filmes de horror do Mojica, eu diria que talvez eu tenha influência, um pouquinho pelo menos, dos projetos pornôs/sexploitation dele, dessas coisas como A Quinta Dimensão do Sexo. Sou influenciado é mais pelo jeito Boca do Lixo de se fazer filmes, de se levantar grana e técnicos. Até faço uma confissão aqui: odeio cinema de horror metido a sério, meu tesão são filmes mais alucinados, porra-loucas mesmo, é isso que gosto de ver e de fazer.

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Para uma pessoa comum, apresentada pela primeira vez à sua obra, é de praxe que neguinho pense que há uma mente doentia por trás. O que você acha dessa interpretação? Você acha que falta senso de humor a quem pensa assim?
Geralmente não reflito sobre o que uma pessoa comum pode pensar da minha obra. Na real nem quero que um fã de futebol e novela veja meus filmes, melhor cada um ficar no seu canto curtindo aquilo que lhe dá prazer. A grande maioria esmagadora da humanidade é igual focas: são seres treinados a agir de certa maneira em troca de peixinhos. Não há como levar a sério essas pessoas. É por isso que geralmente não aceito dar entrevistas em canais de TV bobinhos como Jô Soares ou Domingo Espetacular, recuso de boa, sem o menor peso na consciência.

É possível viver de filmes de horror no Brasil? Ou trata-se de uma missão ingrata, do ponto de vista mercadológico? Existe um mercado legal para isso em alguma parte do mundo?
Não, ainda não é possível viver de fazer cinema independente no Brasil. Talvez nos Estados Unidos e na Europa seja possível, não sei. Tenho uma abertura bem boa nesses lugares, mas nada que seja gratificante financeiramente. Mas quer saber, somos a resistência, então, vai aí um grande foda-se ao dinheiro e ao lucro. Existem coisas mais bacanas do que ganhar dinheiro. Tenho outro emprego, além da Canibal Filmes, que me traz um dinheiro para viver o dia a dia. Canibal Filmes é resistência, é uma prova viva de que é possível fazer produções há mais de duas décadas sem se utilizar dos aparatos do Estado e fico feliz que a cada ano existam mais e mais produtores independentes aqui no Brasil que estão realizando obras de qualidade e não estão correndo atrás de editais e outras esmolas.

Como as suas produções, ou, as produções brasileiras nessa linha são percebidas no cenário do cinema underground internacional?
Tem muito espaço na gringolândia, é só fazer e botar o filme pra rodar. Nos dias de hoje existe uma ferramenta incrível, que acho bem mal utilizada, que é a internet. Existe todo um canal consumidor de tranqueiras cinematográficas no mundo inteiro que fala a mesma linguagem e se estende para além das limitações de fronteiras que a arte "oficial" costuma trazer. Zombio 2 e Mar Negro, que são dois longas, conseguiram exibições em muito festival de cinema pelos arredores do mundo, muito mais do que aqueles filminhos feitos com grana de editais que foram vistos por meia dúzia de pessoas.

Você se lembra do primeiro filme que assistiu e que te fez querer ser um cineasta? Quem é o seu grande mestre ou referências para as quais você sempre se remete na hora de buscar inspiração?
Acho que foi a dupla de filmes The Incredible Melting Man, de William Sachs, e O Último Cão de Guerra, do Tony Vieira. Meio que foram as produções que me fizeram virar cinéfilo e querer descobrir como se fazia filmes e efeitos especiais. Minhas referências na hora de fazer um filme é o cinema mundial inteiro, sou um grande fã de todo tipo de cinema, com maior carinho por filmes vagabundos, experimentais e pornografia, três elementos que tento combinar nas minhas produções sempre que possível. Não tenho mestres, não acredito em mestres (nem em patrões, nem em deus), mas admiro cineastas como Jesus Franco, Koji Wakamatsu, George Kuchar, Jean Rollin, Ody Fraga, entre outros desse naipe.