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Obituario

RIP George Romero

O diretor da franquia ‘A Noite dos Mortos-Vivos’ morreu aos 77 anos.
Imagem via Wiki Commons.

Este obituário foi originalmente publicado na VICE US .

O lendário diretor de cinema George Romero faleceu depois uma batalha contra o câncer de pulmão; ele tinha 77 anos. Romero era um mestre do terror moderno, e através de seus filmes de mortos-vivos, ele estabeleceu o tropo e a forma do gênero de zumbis que conhecemos hoje.

Como muitos grandes nomes do cinema independente, Romero começou como diretor comercial. Seu primeiro trabalho pago foi dirigindo seguimentos do programa infantil Mister Rogers' Neighborhood; ele costumava brincar que um episódio sobre tirar as amídalas foi a coisa mais assustadora que ele já tinha feito.

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Mas o conhecemos mesmo pelos zumbis. Romero fez o clássico A Noite dos Mortos-Vivos em Pittsburgh com um orçamento de US$114 mil. Lançado em 1968, o filme fez US$30 milhões em bilheteria e estabeleceu o gênero moderno de zumbis. Romero e o corroteirista John Russo pegaram um antigo monstro e o transformaram numa parábola maleável, que poderia ser ajustada de acordo com as principais paranoias de cada época. "O que fiz foi tirá-los daquela coisa 'exótica' e os transformar nos seus vizinhos", disse o cineasta sobre os monstros que vieram a defini-lo. "Eu pensei: 'Não tem nada mais assustador que os vizinhos'."

A Noite dos Mortos-Vivos veio numa época em que o idealismo norte-americano começava a amargar. O impulso de progresso e esperança pós-guerra da contracultura do começo dos anos 60 tinha evaporado no ano dos tumultos de Watts e dos assassinatos de Martin Luther King Jr. e Bobby Kennedy. O filme era uma potente sátira especulativa: um filme de terror de baixo orçamento e roteiro enxuto, que tinha como protagonista um jovem negro (interpretado por Duane Jones) que luta para navegar entre as neuroses e histerias de seus colegas brancos enquanto se defende de uma horda de zumbis. O final do filme, quando (spoilers) Jones é baleado "por engano" por uma equipe de limpeza da polícia, continua sendo um dos exemplos mais ácidos de ironia da história cinematográfica.

A Noite dos Mortos-Vivos soltou a besta, e Romero se tornou o Sr. Zumbi. Cada parte da série se tornou uma evisceração dos EUA contemporâneo: cada filme era um discurso anticonsumista contra uma sociedade atomizada por ganância, corporações e preconceitos. Despertar dos Mortos (1978), sem dúvida o filme mais seminal da franquia, tem seus personagens tentando sobreviver num shopping center desolado. Dia dos Mortos (1985) mostra o complexo militar industrial e sua disposição para apostar com vidas.

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Romero foi um profeta do declínio dos EUA. A maioria de seus filmes foram feitos em Pittsburgh, um cenário presciente para a decomposição do sonho norte-americano. Romero usou seus filmes de mortos-vivos para demonstrar seu talento como autor de gênero, enquanto apontava o corporativismo cego que é tão indiferente com a sociedade (e com seus filmes).

Mesmo depois do sucesso de A Noite dos Mortos-Vivos, Romero tinha dificuldade para financiar seus projetos. A Image Ten, sua produtora, operava com uma mentalidade outsider, e por ela Romero lançou muitos de seus sucessos artísticos e fracassos comercias. Seus filmes de 1973 Season of the Witch e O Exército do Extermínio tiveram problemas para conseguir distribuidores e um lançamento mais amplo, mesmo reiterando a genialidade idiossincrática de Romero.

Romero continua um amado ícone cult por sua recusa a se curvar aos gostos da indústria. Como criador de um dos gêneros mais lucrativos de todos os tempos, ele poderia ter continuado lançando filmes de zumbis menos políticos até o final de seus dias, e ser confortavelmente consumido pelo sistema que ele gostava tanto de ridicularizar.

Em vez disso, sua carreira é uma colcha de retalhos de experimentos que se chocam com seus objetivos ousados. Martin (1978), a primeira colaboração de Romero com o mestre gore Tom Savini, é uma afronta pós-moderna ao romance de vampiro. Uma das fitas favoritas de Romero, Martin foi confiscado no Reino Unido sob o Ato de Publicações Obscenas.

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Outros filmes fora de seu universo zumbi são Cavaleiros de Aço — longa sobre motoqueiros cavaleiros — e a brilhante colaboração de Romero com Stephen King, Creepshow. Em 2000, A Máscara do Terror marcou seu retorno à direção depois de A Metade Negra de 1993, contendo os melhores tropos chocantes de Romero.

A influência de Romero supera seus filmes e seu meio. Ele influenciou John Carpenter, Sam Raimi, Quentin Tarantino, Guillermo del Toro, Jonathan Demme (Romero faz uma aparição especial em Silêncio dos Inocentes), Eli Roth, Zack Snyder (que colaborou com Romero no remake Madrugada dos Mortos), e incontáveis outros. Ele estabeleceu as batidas e estruturas de um dos gêneros mais populares do cinema. E isso ultrapassou os filmes de terror — escapando como um zumbi desgovernado para a consciência popular.

E Romero tinha orgulho de sua influência além do cinema. Ele colaborou em quadrinhos e videogames porque respeitava a reverência que as pessoas tinham por ele, apesar de ter descrito a série Walking Dead, que segue a fundo sua cartilha, como "uma novela com zumbis ocasionalmente".

Romero era excepcionalmente humilde e não do tipo que olha os dentes de um cavalo dado. "Todo mundo pergunta a Stephen King se ele acha que Hollywood estragou seus livros, e a primeira coisa que ele diz é 'Os livros não estão estragados. Eles estão ali, bem atrás de mim na estante'. Me sinto meio que assim também. Minhas coisas são as minhas coisas. Às vezes elas não fazem tanto sucesso quanto outras coisas. Mas são as minhas coisas."

Ele morreu cercado pela família, ouvindo a trilha sonora do filme de John Ford de 1952 Depois do Vendaval — um verdadeiro cinéfilo até o fim.

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Tradução: Marina Schnoor

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