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'A Ghost Story' é o filme mais estranho sobre morte que você vai ver este ano

O diretor David Lowery fala sobre sentir saudade de lugares em vez de pessoas e seu fantástico novo filme.

Esta matéria foi publicada na VICE US .

Nos primeiros 15 minutos de A Ghost Story, o personagem principal C (Casey Affleck) morre. Não se preocupe, não é spoiler — afinal, se você viu qualquer marketing do filme estranho e maravilhoso de David Lowery, sabe que o personagem dele passa a maior parte do tempo como um fantasma, embaixo de um lençol. (O próprio Affleck ficou embaixo do lençol na maior parte das filmagens).

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E A Ghost Story não é tanto sobre a morte em si, mas como é sentir falta de alguma coisa — uma pessoa, claro, mas um lar também, ou um lugar que já foi familiar, mas se tornou uma memória apagada. É uma meditação bonita e às vezes engraçada sobre nossa própria busca cósmica por um lugar a que pertençamos, e mesmo se você se sentir desconcertado assistindo o filme (e provavelmente vai), a jornada vale a pena — e a conclusão da história, uma fatia elegante de finitude, é bastante satisfatória e edificante.

Basta dizer que A Ghost Story é meu filme favorito do ano até agora, então eu tinha que falar com Lowery sobre sua estranheza adorável e como ele teve uma ideia tão original.

VICE: De onde veio a ideia do filme?
David Lowery: Minha esposa e eu tivemos uma briga sobre se ficaríamos em Los Angeles ou mudaríamos de volta para o Texas. Foi um momento muito definidor da nossa relação — a primeira vez que sentimos como se estivéssemos riscando uma linha na areia entre nós, e não conseguíamos concordar sobre o que fazer. Peguei aquela discussão, a escrevi, e decidi usar como uma cena num filme — para o desgosto da minha mulher, mas ela também é cineasta, então acho que ela entende.

Depois daquela briga, busquei entender na minha alma por que me sentia tão ligado a coisas físicas. No final das contas, eu queria estar em um lugar em que me sentisse confortável — morar na casa para onde tínhamos nos mudado quando viemos para LA, voltar para aquele bairro, e replicar a casa que eu tinha deixado o máximo possível. Percebi que era nostalgia e sentimentalismo, e que todas as coisas que me impediam de seguir em frente podiam ser rastreadas até não querer sair da casa dos meus pais — ou não querer sair da casa para onde a gente se mudou quando eu tinha sete anos. Então eu quis fazer um filme sobre não querer ir embora.

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Junto com isso, tinha uma ideia separada sobre uma casa mal-assombrada onde o fantasma era alguém usando um lençol. Sempre quis fazer alguma coisa com um fantasma de lençol. Pensei brevemente em fazer um filme como Invocação do Mal onde o fantasma usava um lençol, porque achei que era um conceito engraçado. Enquanto eu pensava em por que um lar importava tanto para mim, esse fantasma acabou entrando no meio e se tornou o ponto definidor do filme.

É muito interessante pensar sobre assombrar um lugar onde você morou, e sentir mais falta disso do que de uma pessoa.
Adoro como você passa os 45 minutos do filme achando que ele está assombrando a esposa — e aí puxamos o tapete de baixo dos seus pés, e você percebe que é sobre o espaço, e as coisas que ele não consegue deixar. O filme não começa a se definir realmente até [a esposa de C, M, interpretada por Rooney Mara] sair de cena.

A briga que tive com a minha esposa — percebi que podíamos ver o fim do nosso relacionamento só porque eu não conseguia deixar um espaço específico. Nunca chegamos nesse ponto, mas era ridículo para mim que [o final do nosso relacionamento] poderia ser por algo tão simples como não querer deixar um lugar onde eu estava confortável. Não havia razão para eu subjugar o carinho que tinha pela minha esposa por isso — e mesmo assim, era o que eu estava fazendo. Isso foi problemático para mim. Eu queria cavar mais fundo, e esse filme foi um jeito de fazer isso.

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Do que você mais sente falta na casa onde cresceu?
O sentimento de família. Sou o mais velho de nove filhos, e minha família morou na mesma casa até alguns anos atrás. Só saí de lá quando tinha 27 anos, então tinha essa sensação muito forte de família na nossa casa. A primeira casa em que morei, em Winsconsin, foi a primeira vez que experimentei essa dor particular de sair de um lugar que você definiu como seu lar. Eu sentia falta do calor — das escadas estreitas, dos vãos na parede, do Natal. Mas todas essas coisas eram só afeições que meus pais conseguiram criar, uma sensação muito forte de família e de pertencimento. Como pertencíamos àquela família que eles criaram para nós, e a casa era parte da nossa família, eu sentia que pertencia àquela casa. Lembro que eu não parava de chorar quando tive que me mudar, porque era como deixar um membro da família para trás.

Vi alguém dizer no Twitter que viu três pessoas saindo da exibição para a imprensa durante a cena em que Rooney Mara come uma torta inteira.
Imaginei que as pessoas pudessem sair nessa cena, mas que as duas pessoas que ficassem iam gostar muito. Tenho mais orgulho dessa sequência do que qualquer outra coisa que já dirigi. É simples, e é difícil alcançar simplicidade verdadeira quando você está fazendo um filme, porque você pensa demais em tudo. Conseguir algo simples é um desafio, e uma vez que seja acho que consegui vencê-lo.

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Sabíamos que era uma cena importante, porque o filme inteiro é sobre um fantasma assistindo pessoas em seus momentos mais privados e não sendo capaz de afetar o que elas estão passando, essa é a versão mais intensa disso. Quando achamos a casa, começamos a falar sobre como iríamos filmar a cena. Rooney trouxe o conceito de sentar no chão, e assim que ela fez isso, entendemos que era assim que tínhamos que filmar a cena.

Que tipo de torta era?
Uma torta de chocolate vegan sem glúten. Ela sentiu que seria a coisa mais fácil para ela comer.

Acho que eu ia preferir uma torta mais gostosa.
Tinha pouco açúcar, e meu produtor é um chef vegan, então ele preparou a torta para ela. Ele disse que colocou um pouco mais de sal que o normal, para ser mais perceptível no gosto, mesmo sendo chocolate no final das contas.

Achei que o conto A Casa Assombrada de Virginia Wolf tem uma relação forte com esse filme.
Surpreendentemente forte, porque eu não sabia que essa história existia antes de escrever o roteiro. Ela é uma das minhas autoras favoritas, e sou muito inspirado pelo uso que ela faz do tempo. Então, na cena em que os livros caem da estante, achei que seria legal ter um dos livros ali com um significado pessoal. Fiquei pensando se Virginia Wolf tinha escrito alguma coisa com fantasmas, então joguei no Google "Virginia Wolf fantasmas" e o conto apareceu. Foi um choque porque era muito parecido com o que eu já estava fazendo — dois fantasmas procurando o que importava para eles em vida e não conseguindo encontrar.

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Você morou no Texas por grande parte da sua vida. O que atrai os artistas para o estado especificamente?
Me defino como um cineasta do Texas, e não posso quantificar o que o torna tão atraente. Sempre que volto de outro lugar, me impressiono com a grandeza do espaço — o céu parece maior lá. Minha editora em Meu Amigo, O Dragão se mudou para Dallas no verão para fazer a edição comigo, e ela disse "Isso não parece com nada que vi antes". O Texas parece enorme, épico e cheio de possibilidades. Amo as árvores, o jeito como a paisagem trabalha com o céu, e o jeito como as cidades surgem no meio das colinas.

Tem algo a ser dito sobre a história do estado e seu espírito rebelde que pode se infiltrar no espírito e na intenção artística, mesmo que eu não assine embaixo disso necessariamente. Tem muita coisa na história do Texas que é horrível também.

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Tradução: Marina Schnoor

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