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Será que Precisamos nos Esconder na Internet?

Será que chegou a hora de ser tornar anônimo na internet? No mundo inteiro os governos estão ficando cada vez mais chatos com as liberdades e a privacidade na internet.

Será que chegou a hora de ser tornar anônimo na internet? No mundo inteiro os governos estão ficando cada vez mais chatos com as liberdades e a privacidade na internet. No Reino Unido, o Projeto de Lei Sobre Comunicações (apelidado de “alvará snooper”) foi anunciado durante o discurso da rainha no dia 9 de maio, e vai permitir que o governo e a polícia monitorem o que as pessoas do país estão fazendo online, ler seus e-mails e ter acesso ao seus números de telefone. O site de compartilhamento de arquivos favorito da galera, o Pirate Bay, já foi efetivamente banido da Inglaterra,e magnatas dos Estados Unidos que não entendem porra nenhuma de internet continuam tentando imaginar um monte de siglas (SOPA, PIPA, ACTA, NDAA e mais recentemente, CISPA) para acabar com a nossa querida rede mundial de computadores.

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Logo, os governantes e militares poderão ter acesso ao que companhias como o Facebook e o Google guardam sobre a gente. E essas companhias guardam muita informação, e isso é de fato motivo pra se preocupar. Parece que essa tempestade de merda está pronta para desabar a qualquer momento. A internet está mudando, então talvez o jeito que a usamos tenha que mudar também. Talvez a gente tenha que começar a se esconder um pouco mais.

Um jeito de se esconder na internet é usar o Tor. O Tor foi mencionado recentemente num artigo da VICE sobre a deep web. Para sua informação, a “internet subterrânea” ou “web negra” ou a “rede secreta” são nomes dado à sopa primordial das profundezas da internet que não está acessível aos mecanismos de busca. A metáfora mais comum usada para descrever a internet subterrânea é que ela é como a parte maior do iceberg, a que fica sob a água.

Um site da internet subterrânea afirma ter arquivos da Área 51. Ufólogos devem ficar empolgadões.

Pirei quando descobri sobre o Tor e a internet subterrânea. Não só é um lugar livre do olhar inquisidor das autoridades como também um mundo totalmente novo de internet sem censura para ser descoberto. Só que  encontrei um monte de blogs toscos sobre teorias da conspiração, um mercado anônimo chamado Silk Road (usado amplamente para vender e comprar drogas) e um puta monte de links para pornografia infantil que eu não quis chegar nem perto. Também, a maioria dos endereços de sites – mesmo os meio legalizados – são tipo 923289sdf71497102sd49723.onion (sem brincadeira). O que acabou me distraindo.

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“Heroína Afegã” a venda no Silk Road.

Então percebi que realmente não sabia o que estava fazendo, porque mesmo depois de 12 horas online eu continuava sendo um n00b da internet mainstream. Aí liguei para o Andrew Lewman, que trabalha no projeto Tor, para falar sobre a internet subterrânea e sobre o que toda essa introdução maligna do governo pode significar.

A primeira coisa que ele me explicou foi que “o Tor é baseado num protocolo chamado 'roteamento cebola' (em inglês, 'onion routing'). O roteamento cebola foi um projeto iniciado pelos laboratórios de pesquisa da Marinha norte-americana nos anos 90. O objetivo era derrubar a análise de tráfico, que é a habilidade de ver com quem você está conversando, com que frequência e a quantidade de dados que você enviou”. A marinha deixou isso vazar na internet porque quanto mais pessoas usassem o Tor, “mais difícil seria identificar que indivíduo está usando isso. Se só ela usasse o Tor como ‘a rede anônima da Marinha’, todo mundo ainda ia saber que a pessoa é da Marinha”.

Um sindicato de crime organizado de inspiração ocultista espreitando, como o Cthulhu, das profundezas (da internet).

O Tor tem a habilidade de permitir acesso anônimo e sem censura à internet em países como o Irã e a China, também é usado por hackers e parece ter sido uma ferramenta importante durante a Primavera Árabe. Acontece que ele foi desenvolvido pelos militares dos Estados Unidos. Uma história tão cagada que só pode ser verdade.

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Perguntei ao Andrew as motivações por trás do projeto, dado seu histórico naval. “Você deve se lembrar que em 2000, 2001 houve uma explosão de .com, com um monte de companhias oferecendo serviços de graça. E por grátis entende-se: ‘Não vamos cobrar pelo serviço, mas vamos coletar toda a sua informação e vender pra todo mundo'. O que queríamos fazer era dar a todo mundo a habilidade de controlar suas informações… Eles não nos contaram porque começaram o projeto. É principalmente um projeto de pesquisa… E continua sendo um projeto de pesquisa."

“Não temos nenhuma missão 'oficial'. Geralmente, todo mundo que trabalha para o Tor acredita que nossa liberdade é mais valiosa que qualquer outra coisa e que dar aos usuários humanos o controle sobre seus dados é a melhor política. O que o Tor tenta fazer é tornar você anônimo por padrão, assim você pode decidir em que sites confia ou não, mas por padrão você não confia em nenhum. As pessoas que trabalham para o Tor naturalmente foram atraídas por esse tipo de ética."

Contrate um assassino. Não tem como saber se isso é autêntico — mas você pode tentar mandar um e-mail.

O que o Tor cria é essencialmente um sistema amoral. Isso pode ser usado para o bem, para o mal e toda uma gama de outras atividades repulsivas. A coisa mais chocante sobre a internet subterrânea é o tanto de conteúdo que existe lá. Como você pode esconder pornografia infantil em prol duma liberdade maior? Só a descrição de alguns dos links da Hidden Wiki me fez querer chorar e mudar de casa. E disse isso diretamente para o Andrew: será que ele não estava essencialmente contribuindo para a disseminação de material de pedofilia?

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“Se consigo dormir à noite sabendo de todas as coisas ruins que podem acontecer com o Tor? A resposta é sim. Para cada pessoa má no Tor, há dezenas de milhares de pessoas usando isso para fazer coisas chatas e mundanas. E nós trabalhamos com aplicação da lei. Já passei muito tempo trabalhando com o equivalente ao seu SOCA [Serious Organised Crime Agency]. Os investigadores de verdade que vão atrás dos pedófilos e investigam o tráfico de pessoas têm uma imagem diferente do que você escuta na imprensa. O FBI tem uma divisão antiabuso infantil. A maior tecnologia com que eles se deparam é a das câmeras digitais. Foi aí que a pornografia infantil realmente explodiu."

Hummmmmmmmmmmmm. Entendo, você não vai vender um carro para alguém pensando que essa pessoa vai sair por aí atropelando todo mundo, mas… Pelo menos o Tor realmente trabalha com o cumprimento da lei. Mas então o que te impede de trabalhar com companhias de tecnologia em coisas como censura de direitos autorais? Aí as águas ficam meio barrentas.

O Andrew tentou clarear as coisas para mim. “Na verdade acho que a tecnologia é uma falácia, porque a aplicação da lei tem os humanos como alvo no fim das contas. Assim como se viu com a prisão das pessoas do LulzSec, uma ramificação do Anonymous, pelo FBI. Eles não tentaram quebrar o Tor, eles não tentaram quebrar a criptografia que eles estavam usando. Eles acharam um membro do grupo para servir como informante e quebraram todo o resto. Esse é o jeito mais simples de aplicar a lei."

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A internet subterrânea ainda precisa melhorar no Photoshop.

No momento, explorar a internet subterrânea é uma mistura de tédio e medo. No entanto, ela também é descentralizada e nem um pouco fácil de controlar, logo potencialmente útil. Por mais decepcionante/perturbador que o conteúdo da internet subterrânea seja para o internauta comum, é válido notar que você não precisa chegar perto dessas coisas se não quiser. Você pode continuar sendo um anônimo e usar as coisas que te deixam feliz, como sites de fofocas sobre celebridades e pesquisar imagens pelo seu nome no Google. Mas se você começar a entrar com dados pessoais e logar em sites como o Facebook, esse não vai ser o caso. Mas quem usa o Facebook e ainda se preocupa em ser anônimo online é uma besta quadrada (revelação: eu uso o Facebook todo dia).

Apesar do Tor não ter uma posição política oficial, fiquei pensando no que o Andrew acha de leis como a CISPA. “A gente não gosta. Os políticos geralmente trabalham em coisas que até parecem uma boa ideia, mas qualquer um com alguma habilidade técnica vai ver que isso só coloca barreiras para a liberdade, o comércio e que não vão de fato ajudar ninguém do jeito que eles acham."

Uma Glock 17 à venda num site de mercado negro na internet subterrânea.

Dada a natureza intrincada do roteamento cebola, fica difícil saber quantas pessoas usam o Tor. Mas se os números do projeto querem dizer alguma coisa, os usuários diários dobraram para cerca de 400 mil no último ano.

Mas a invasão do governo à nossa privacidade realmente vai fazer as pessoas se esconderem mais ou será que elas vão simplesmente engolir mais esse sapo governamental? “Acho que eles já estão [se escondendo]. Acho que, ao mesmo tempo, isso vai estimular muitas inovações em métodos e realidades técnicas que serão quase impossíveis de censurar ou controlar. Já existe uma 'internet negra' ou 'web secreta', tudo isso já está aí. Na maior parte, não há uma rede real, descentralizada e altamente criptografada que se tornou superpopular. Em dez anos, quando o governo se tocar da nova realidade que eles mesmos criaram, vão ficar horrorizados porque não vai haver um ponto central de controle."

Mas, uma vez que o governo se familiarizar com isso, não vamos estar presos em mais um jogo de gato e rato? “Sim. Quer dizer, geralmente é assim”, explica Andrew, “entendo algumas das preocupações do governo, já conversei com pessoas nos Estados Unidos e na Europa sobre isso. Eles estão preocupados porque uma parte cada vez maior do produto interno doméstico está vinculada à internet, então, tentando pensar como eles, eles não podem ter esse ambiente quase anarquista tendo total controle sobre isso. A atitude é 'algo precisa ser feito', mas se isso é válido ou não é meio que irrelevante”.

É reconfortante pensar que apesar de todas as rasteiras que os governos estão tentando passar na nossa internet, tem muita gente por aí criando inovações para evitar o tombo. Você pode até ficar meio ressabiado com essa história do Tor ter começado com os militares, mas foi assim também com um monte de outras coisas que acabaram sendo superlegais. Como, por exemplo, a própria internet. Opa, espera aí…