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A Associação Nigeriana de Bruxos e Bruxas Está Ajudando a Combater o Boko Haram

Segundo o porta-voz Dr. Okhue Iboi: "Os bruxos e bruxas do país estão prontos para ajudar a restaurar a glória perdida da Nigéria".

​O presidente nigeriano Goodluck Jonathan fala com garotas de Chibok que escaparam dos raptores islâmicos e parentes das vítimas durante uma reunião em Abuja, 22 de julho de 2014. Wole Emmanuel / AFP / Getty Images.

Em julho, a Nigéria conseguiu aliados um tanto diferentes na guerra contra o Boko Haram: bruxas e bruxos. Uma união organizada de curandeiros tradicionais, praticantes de juju e vários outros místicos e médiuns chamada Associação Nigeriana de Bruxos e Bruxas (ou WIZTAN) chegou às manchetes locais prevendo que, antes no final do ano, o líder do Boko Haram, Abubakar Shekau, seria capturado e, uma vez preso, apresentado em desfile pela região. E esse grupo ofereceu seus supostos poderes para ajudar a tornar isso realidade. (Mas, numa nota um tanto pessimista, eles previram também que nem todas as garotas sequestradas voltariam para casa.) Quando, no começo do mês, o ​governo nigeriano anunciou um cessar-fogo e a libertação iminente das vítimas, pareceu que o WIZTAN estava mesmo certo. Mas, depois das notícias de que ​mais 30 crianças foram sequestradas numa cidade no Estado de Borno, parece que eles tiveram seus trabalhos bloqueados.

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À primeira vista, o WIZTAN parece só mais uma história bizarra: uma aliança misteriosa de bruxos e bruxas surge do nada para fazer vodu contra os vilões do dia. Porém, apesar de o Ocidente nunca ter ouvido falar deles antes, a Associação Nigeriana de Bruxos e Bruxas não é um grupo fogo de palha. A organização se formou sete anos atrás e vem palpitando publicamente na política da nação de tempos em tempos. E esse não é o primeiro grupo de bruxos a se organizar politicamente. Mas é o primeiro do mundo a promover a reabilitação da imagem das artes mágicas, canalizando seus poderes para ajudar o Estado e seus cidadãos.

E essa é, sem dúvida, uma imagem que precisa de reabilitação - especialmente na Nigéria, onde as práticas tradicionais conhecidas como juju são (equivocadamente, na maioria das vezes) igualadas a rituais canibais para extrair poderes através de sacrifícios. O estereótipo é uma acusação generalizada feita à profissão em boa parte da África - pense na cena com os gângsteres nigerianos em Distrito 9. A crença em poderes obscuros e vingativos na África levou, mesmo na última década, à incineração e ao linchamento de centenas de milhares de bruxas só na Tanzânia - geralmente, mulheres de comunidades pobres e marginalizadas -, sem falar no estigma que isso carrega por todo continente. E a Associação reconhece a existência de bruxos nocivos, mas a maioria dos membros trabalha com cura por ervas, previsões e remoção de maldições. Mas até esses campos mais inócuos também sofrem críticas de educadores e médicos modernos.

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É esse tipo de intromissão mais benigna que vem inspirando algumas ações entre buxos e bruxas no mundo. Por exemplo, as bruxas da Romênia, que, em 2011, ​encararam a perspectiva de ter sua profissão legalmente reconhecida e taxada pela primeira vez na história. Mais tarde naquele ano, outra lei ameaçou multar ou prender bruxas que fizessem falsas previsões. De acordo com Tataran Alexandra, uma acadêmica especializada nas crenças e práticas tradicionais romenas, esses indivíduos geralmente preferem trabalhar sozinhos. Mas, diante do risco de uma imposição incapacitante em sua profissão, "as bruxas foram ao prédio do Parlamento protestar", disse Alexandra. Relatos do protesto falam de cocô de gato e raízes de mandrágora sendo atirados contra o prédio e de maldições sendo lançadas contra o presidente romeno Traian Basescu até que o Parlamento recuou, considerando a logística necessária para colocar a lei em prática e não a aprovou. Satisfeita, a organização das bruxas romenas, se é que podemos chamar isso assim, se desfez.

Apesar de a coisa toda ser um pouco confusa, a união nigeriana parece ter uma ligação mais duradoura. O grupo foi formado em algum momento de 2010 sob a liderança do Dr. Okhue Iboi, um homem de 50 e poucos anos que diz ser bruxo desde que nasceu. Ele ​descreveu sua origem mágica em algumas entrevistas: "Nasci bruxo. Herdei a mágica da minha mãe quando estava no útero dela. Com sete anos, comecei a ver os bebês que ainda não tinham nascido dentro do útero da minha mãe e a prever com precisão o sexo dos bebês… e, aos cinco anos, comecei a curar pessoas como se fosse um herbalista adulto". Quatro anos depois de se tornar o porta-voz da organização, é ele quem comunica as previsões e resoluções das bruxas e bruxos feitas em reuniões bienais ou de emergência. Uma dessas reuniões de emergência aconteceu no norte da Nigéria, em julho, a pedido dos membros da organização das regiões onde o Boko Haram é mais ativo. Falando sobre essa reunião para o site Today's Gist, Iboi afirmou: "Bruxos e bruxas na Nigéria estão profundamente preocupados com o que está acontecendo no país, principalmente a insurgência do Boko Haram. Como parte interessada do projeto nigeriano, não podemos mais ficar de braços cruzados enquanto a nação se incendeia. Já chega".

Iboi destaca que, além de fazer previsões sobre o Boko Haram, a WIZTAN quer mostrar que o juju pode trabalhar a favor das pessoas e no melhor interesse do governo eleito. "Algumas pessoas nos olham como se fossemos mal-intencionados", ​explicou Iboi numa entrevista. "Nem todos os bruxos são maus. Nosso tipo de bruxaria é progressista. Estamos dispostos a intervir nos assuntos do país sempre que o governo decidir procurar nosso aconselhamento. Temos as soluções para trazer a paz duradoura para o país. Os bruxos e bruxas do país estão prontos para ajudar a restaurar a glória perdida da Nigéria."

Para isso, a associação se manifesta regularmente sobre as políticas do governo, dando sua própria versão de endosso a candidatos na forma de previsões de quem vai ganhar as eleições. Mas, mais do que apenas cuspir opiniões políticas com roupagem espiritual, eles também põem a mão na massa para manter a paz. O grupo ​mandou 500 membros para a capital Abuja durante as eleições controversas de 2011 para ajudar a mediar e acabar com qualquer violência eleitoral através de sua suposta autoridade. Eles também dizem estar trabalhando com bruxos e bruxas na Índia e Tanzânia para invocar poderes mágicos que ajudem a evitar a cisão das nações e para manter os países fortes num futuro de provações políticas. Eles estão dando todo tipo de indicação pública de que querem embarcar no Estado moderno e estão ansiosos para provar seu lugar nele.

Dada a imagem do juju, essa asserção de um papel importante no Estado moderno desagrada muitas pessoas. Depois de ouvir a previsão dos bruxos sobre o Boko Haram, ​um pastor cristão divulgou sua própria previsão de que os sinistros feiticeiros desapareceriam antes do final do ano. Mas isso não deveria levantar tanta polêmica. Acreditando ou não no juju, tradicionalistas ainda têm seu peso no mundo. E o poder deles, seja mágico ou social, pode influenciar o mundo em que eles habitam. Então, quando uma organização aparece oferecendo usar esse poder para se harmonizar o mundo de hoje em vez de se opor a todas as mudanças e promover seus próprios interesses, ela não deveria ser esnobada. Bom, isso é o mais próximo que vamos chegar dos bruxos bons de Hogwarts, e só podemos esperar ter a sorte de ver mais uniões como essa no futuro.

Tradução: Marina Schnoor