Super-ultra-mega-hiper rescaldo enciclopédico deluxe do Milhões de Festa 2012

FYI.

This story is over 5 years old.

Milhões de Festa

Super-ultra-mega-hiper rescaldo enciclopédico deluxe do Milhões de Festa 2012

O artigo derradeiro e definitivo sobre o Milhões 2012.

Toda a gente tem opinião sobre o Milhões, mesmo que nunca lá tenha ido. Nós temos uma opinião formada porque fomos todos os anos, sempre com muita malta atrelada para cobrir o festival de todas as perspectivas, formas, jeitos, feitios e ângulos possíveis. Vocês sabem como nós somos, damo-nos mal com a moderação. A parcimónia é inimiga da perfeição. Queremos fotografar todas as imagens e gravar todos os sons para depois vos transmitirmos o retrato mais completo possível daquele que é o nosso festival preferido do calendário tuga. Este ano não foi diferente — fomos em expedição até Barcelos e por lá estivemos quatro dias e quatro noites. Passamos a apresentar o nosso "onze": Alexandra João Martins, António Silva, Bernardo Rodrigues, Eduardo Gonçalves, José Ferreira, Manuel A. Fernandes, Miguel Refresco, Paulina Skrok, Pedro Paulos, Sérgio Neves e Weronika Wolińska. Estas são as palavras e as fotos daqueles que levámos connosco. São muitas palavras e muitas fotos, daí o título hiperbólico. De novo, a cena da dosagem. Isto está tão grande e é tanta gente a falar que tivemos, como vocês estão a reparar, de escrever a negrito (e em itálico), para não confundir ninguém. Tínhamos tantas fotos que publicámos 131 fotos (é uma capicua) na galeria (podem ver aqui em cima) e algumas vão ao longo do artigo, para vocês aguentarem a leitura até ao fim (sempre fica mais colorido). Vamos começar pelo novato Pedro Paulos (PP). Foi o meu primeiro Milhões. Quer dizer, já tinha presenciado a magia numa aparição mais tímida em Braga, mas este é milhões de maior e mais ambicioso. Braga é perto, PP, mas não é Barcelos. E 2007 não é 2012, claro. Vamos ver o que tem a dizer a Alexandra.

Publicidade

Chegou ao fim e as saudades daqueles que são os três dias do ano mais esperados por muitos já se fazem sentir. O sol, a piscina (inevitável), as pessoas, a música e o amanhecer numa das margens do Cávado. Tudo parece mágico, mesmo sem drogas. Pode ser

, mas o que é que isso interessa? De hipsters a mitras, passando pelos metaleiros, quem vem ao Milhões quer inevitavelmente repetir a experiência, ainda que possa não conseguir explicar muito bem o porquê. Já o Eduardo tem um relógio biológico festivaleiro muito próprio. Se estás naquela altura do ano em que te tornas um profissional de cravar tabaco e acampar até te parece uma maneira plausível de viver, provavelmente, é época de festivais. Isso está muito bem, mas conta aí o que é que foste fazer ao Milhões. Quando cheguei ao Milhões a minha ideia era fazer uma série de filmagens com a olho de peixe bacana da GoPro, mas a peça que sela a capa da máquina não funcionou quando um gajo qualquer pegou nela e se atirou para a piscina. Pessoal bêbado ao início da tarde de sexta é fodido. E é por isso que vocês estão agora a ler isto em vez de estarem a curtir umas imagens de rabos e mamas ao som de uma música fixe. Agora estou a tentar fazer arroz doce, disseram-me que resulta fixe para retirar a humidade. Ok, já nos rimos, vamos agora ler estas cenas sérias que o Manuel A. Fernandes (Manel) tem a dizer sobre o Milhões enquanto festival de Música, com M grande. Acredito que há muito mais para contar na sombra da diversão e felicidade contagiosa que são estes três dias de descoberta social. O que faz do Milhões de Festa um acontecimento tão especial na vida de cada um? O que o separa da proliferação celular de festivais que se desdobram em rituais análogos, absortos e chatos? Como é que uma cidade se envolveu tão drasticamente ao ponto da cultura festivaleira se arrastar para o conhecimento íntimo dos nativos? Ya, fizeste as perguntas, agora trata de dar as respostas. Primeiramente, a sua dimensão e mais do que isso a concepção deliberada da sua dimensão. Ao situar-se naquele limbo entre os gigantes mastodônticos do Alive ou do Sudoeste e os fests minúsculos de um ou dois dias, o MdF perde termo de comparação mas ganha liberdade. Não é um festival de massas mas tampouco quer ser secreto. Instituiu por si só uma identidade actual, pertinente e autêntica, recusando a existência doppelgänger de uma falsificação qualquer. Criou uma cultura distintiva que nunca resvalou para nenhum destes campos de forças. Que eu reforço, é deliberada. Isto porque, por um lado, ao ser obrigada a cumprir um papel de showcasing criativo de novas propostas e revelações, não atinge o âmago do fast food cíclico e passageiro dos Kooks e Snow Patrols desta vida. É um festival de Música, com M grande. O festival celebra uma das velhas máximas da indústria: a simbiose entre o underground e o mainstream que (sempre) se alimentaram um do outro. Aliás, arrisco a dizer que mais de 80 porcento dos promotores musicais deste país não conseguiriam erguer um festival com o orçamento do de Barcelos. O Pedro foi um bocado mais sucinto a descrever o espírito do festival… Existe outro festival onde as pessoas também se focam mais no ambiente do que na música, o Sudoeste. Mas esse é o lado negro da coisa, vão pelo ambiente Llorett de Mar. Aquele ambiente de beto irritante que bebe tanto que cai na tenda de um gajo fixe (aconteceu mesmo). Não é assim no Milhões porque as pessoas são mesmo fixes. Foi fácil ambientar-me porque este é o festival em que toda a gente é simpática, seja staff, organização ou público. … e a Alexandra também. Na verdade, não interessa muito o que vos traz ao Milhões de Festa: quer venham pelos concertos, pelo álcool, pela piscina ou pelo ambiente, vão sempre sair satisfeitos. Pior que isso, nostálgicos. Sim, é uma merda viver um ano há espera de um festival. E vai valer sempre a pena. Se há uma palavra para o Milhões é “amor” e se há uma palavra a dedicar à Lovers é “obrigada”. Manel, fala aí mais umas verdades. Contrariamente ao que se possa pensar, não é um festival que se afirma como oposição aos outros. Até porque já começa a cansar aquela ladainha de jornalista musical arrogante a vociferar contra os festivais colossais de Verão, não concebendo as motivações de cada um. Não são confortáveis? Verdade. Têm uma programação desgastante? Por vezes. Mas para além de evoluírem progressivamente de ano para ano, são um sucesso a nível internacional. A cena é que no Milhões de Festa ninguém se submete a um artista e raramente uma banda faz um frete ao seu público. O António Silva (Toni), por seu lado, já não aguentava de saudades. Depois de duas semanas a cortar inadvertidamente qualquer elemento comestível em triângulos, finalmente chegou aquela quinta-feira pela qual eu esperava. A quinta-feira que marcava o início do Milhões — e da festa do marisco (e de mais umas quantas festas locais… é que, sabem, Barcelos não pára). Podemos falar do festival de marisco depois, mas agora queremos saber é do Milhões, meu.

Publicidade

Acabou por chegar, finalmente, depois de semanas e semanas de espera. Após um dia a montar tendas, acabámos por passar o dia no Palco Taina, que estava tão animado como perigoso. Com o pessoal a comer febras ao ritmo a que bebia cervejas, fez-se notar a companhia de uns bancos de jardim bem manhosos, nos quais montes de gente tropeçou (reza a lenda ter havido umas oito ou nove vítimas a acabar no hospital). A Alexandra teve um primeiro dia mais pacífico, felizmente.

Do primeiro dia na piscina guardo memórias do explosivo concerto dos ALTO!, da dupla alegre da Lovers e da minha indisposição gigante — vá-se lá saber porquê. A noite ficou marcada pelo belo aquecimento dos Sensible Soccers, pelo promíscuo concerto dos Baroness e, claro, pelo verdadeiro festival dentro do festival que foi a actuação dos Throes + The Shine.

Entretanto, o Eduardo ganhava ânimo depois do Hélio Imaginário (descobriu mais tarde) lhe estragar a câmara. O que me levou a escrever isto foi estar ao lado da piscina, a fazer contas e a pensar nos meus bolsos vazios sem perspectivas de um futuro promissor. Ouvi a “Beat It” e decidi pegar em papel e caneta para falar sobre todas as perguntas que uma pessoa pode ter quando chega ao Milhões de Festa. Já lá vamos. Deixa só o Toni falar de mais concertos do dia 20. Na primeira tarde de piscina toda a gente delirou com Jibóia, Equations e ALTO!. Depois foi ir a casa, tomar um merecido banho e ganhar energias. Chegado ao recinto, convidaram-me a fazer “umas perguntinhas ao pessoal”. Convencido (a algum custo), lá fui eu tentar entrevistar a malta, para desagrado de muitos e agrado de uns poucos. Por essa altura começava Baroness, que fizeram crescer barba aos mais meninos e marcaram o ritmo da noite, mas, no final, os heróis incontestáveis acabariam por ser os Throes + The Shine. Intercalando os concertos do Palco Milhões, o Palco VICE mostrava aquilo de que era feito: Holy Other elevou os sonhos do público a arte antes de Meneo dar uma lição de Game Boy a toda uma multidão (até mesmo aos que acabaram o Wario Land). Os Glam Slam Dance tiveram a honra de encerrar a noite a toque de ouro.

Publicidade

E quando a noite se prolonga, o estômago queixa-se. O PP curtiu da comida minhota e gostou ainda mais dos preços. A comida em Barcelos também era boa, comi muito e paguei no máximo seis euros por refeição. Não percebo como é que eles ganham dinheiro com as coisas — mas não se chibem, para ser sempre mesmo barato. Depois de comer, importa aliviar a barriga. O Eduardo tem alta ideia para vocês usarem as retretes do festival sem medo da vergonha pós-calhau. Sim, porque nunca se sabe quando é que aquela cagadela malandra aparece sem aviso prévio. Curtam. Os odores fecais são (uma) merda e o truque é levares meia barona acesa. Seguras a maçaneta com a outra mão para acalmar a paranóia de alguém poder entrar e, quando o cigarro morrer, já não há cheiro nenhum. Nem vais reparar que calcaste mijo. Também é oportuno avisar-vos para nunca levarem chinelos ou sandálias para a noite. Por várias razões, uma delas referi aqui em cima. Agora a coisa fica séria e vou falar no que realmente um gajo quer: gajas. Ya, gajas é fixe. Já lá vamos, Eduardo. Vamos só deixar o Manel teorizar mais um pouquinho. Outra das falácias geralmente associadas ao festival é a de que o público é constituído por hipsters. Sobre isso, duas coisas: a) alguém me sabe definir o que é um hipster? e b) as pessoas que defendem essa teoria já lá foram para a comprovar? É que o MdF é feito por um público misto, individualista, urbano e incontrolável. Encontras lá mods, metaleiros, punks, putos do hardcore, indies, freaks, rockeiros old school, ravers, betinhos e chungas. As pessoas no MdF gostam do desconforto do imprevisto e da colisão de sentidos que um concerto dos Shangaan Electro provoca num metaleiro, ou na carga de porrada que os Weedeater arremessam a um indie fofinho. As pessoas vêm viver, sentir e experimentar. A organização não é altiva, há uma relação de proximidade, os problemas resolvem-se, as pessoas entreajudam-se e a vida é simples. Estas premissas revelam um pouco da fórmula de sucesso de um festival que está a marcar um tempo e uma geração. Quando documentarem os ritos sociais e as tendências musicais de um Portugal moderno, falarão com certeza do Milhões de Festa. Porque esta festa, tal como a editora que a encabeça, está a reclamar uma transição entre um país obsoleto e centralista para outro com os olhos postos no futuro. Já se sentem mais inteligentes? Bem, de dia 20, sexta-feira, está tudo. Passemos, portanto, ao dia seguinte. Conta-nos coisas, Toni.

Publicidade

A tarde de 21 começou da mesma forma que a do dia anterior: com uma ressaca enorme e uma vontade ainda maior de relaxar e curtir uns concertos na piscina. O inesperado techno dos Gnod foi o início mais fritinho possível. Gostava de saber, pela primeira vez, a opinião dos vizinhos em relação ao som de uma festa. Seguiu-se o grind dos Revengeance, que tiveram quase a primeira aparição fora do ciclo crust/punk/grind (o "quase" é só mesmo porque já estiveram numa festa da VICE em Lisboa). Moullinex e Xinobi tocaram a seguir, dando um workshop de chill & amor a uma piscina que já pouco precisava disso. Com a colaboração da Da Chick, a piscina tornou-se no palco mais boa onda que o Norte português já viu. Tenho andado a dormir. Para acabar, BRO-X + GT3 deram uma lição de vida aos que restavam.

Se querem um resumo de sábado, a Alexandra tem um para vocês. O Connan Mockasin foi incrível, sem peneiras, o melhor concerto do festival. Connan e companhia, em modo líderes espirituais, fizeram magia via riffs psicadélicos, sintetizadores e alguns sussurros, ganhando o mesmo respeito maternal que merece o Vitinho. Publicist, visto do fosso com um gin na mão, foi francamente portentoso apenas com uma bateria e umas merdas electrónicas. Por essa altura, o Toni, andava a trabalhar. Alguém tinha de ser o Cristo. Chegada a noite, mandaram-me para o colo (novamente) a missão de entrevistar mais uma data de gente. E eu bem que tentei. O Publicist respondeu às minhas perguntas com um pentear de bigode e cabelo, correspondido reciprocamente de minha parte quando me passou o pente p’rá mão (até a situação ter descambado e ele me ter tentado enfiar o pente na boca). Com o Connan Mockasin a história foi bem diferente. Para começar, estava cheio de medo por ser entrevistado para a VICE. Disse que acabaria sempre como DON'T em vez de aparecer na entrevista. Convenci-o que não era esse o caso e depois, com ele já mais aliviado, começámos a falar de golfinhos, de Barcelos, do festival e etc. De repente, estávamos a discutir a God Particle, mas eu percebi Goth Partygirl — foi um diálogo autista. Ghunagangh iniciou aquilo a que o pessoal chamou “o gueto”: vinte gajas com capotes… Foda-se, até a mim meteu medo. Publicist e XXXY montaram por fim a discoteca e assim se foi mais um dia. Aquele Connan era um gajo esquisito, realmente… E por falar em XXXY: o Pedro é que curtiu bués esse gajo. E ainda vos conta outras aventuras e momentos especiais. Vivi aqueles momentos clássicos que um gajo sabe que não vai esquecer, como ser o gajo que vai ao palco dizer ao (novo) amigo XXXY que a noite acabou. Depois, ser agarrado (e arrastado pelo pescoço) no backstage pelo vocalista da maior banda de black metal portuguesa (és altamente, meu) e ainda ver aquele gajo que foi expulso do backstage e que acabou preso por estar a mijar num carro da polícia (alta crítica!). Ver o concerto do Homem Fino no telhado de um contentor/camarim no backstage, estar no ultra-secreto Bar do Tojó a beber às oito da manhã ou assistir ao pessoal das bicicletas a entrar, sem querer, num concerto que estava a começar (a banda ficou confusa, mas mais ninguém reparou). Meu, são mesmo mil momentos inesquecíveis… Os metaleiros dos Weedeater a curtirem na piscina, conseguir convencer uns gajos todos bêbados e praxados que eu era o Dux do Milhões e, claro, vir ao comando de um carro-vassoura a acompanhar três ciclistas até ao festival — os Camisola Amarela são os gajos mais simpáticos de sempre. Sim, a gente lembra-se dessa viagem (caso contrário, aqui estão os links para esses posts: apresentação, primeiro e segundo dias). Vamos passar a palavra ao Eduardo para mais umas dicas de sobrevivência. Desta vez: o engate (estava prometido desde há umas linhas). Num festival deves usar um (e só um) objecto parolo. Assim, ela vai reparar em ti e no teu bigode caricato, ou no teu chapéu de palha. Ou até mesmo naquele corte de cabelo esquisito que fizeste só para meterem conversa contigo. O truque é fazer com que a rapariga fique a olhar para o objecto o tempo suficiente para perceber que até és giro de certos ângulos. E depois… depois estamos todos biologicamente programados para dar o primeiro passo. Bem, e depois de mais uma noite mal dormida, restava apenas um dia de Milhões. Mas o domingo não é um dia qualquer, é o dia oficial do descanso. Que era o que estávamos todos a precisar. O Sérgio, por seu lado, decidiu inventar um poema. São dez da manhã e cheira a relva e a orvalho.
O sol bate na tenda e faz um bafo do caralho.
O cabrão do vizinho tem o despertador a tocar,
Acorda toda a gente antes de ele próprio acordar.
Deito-me na relva com os vizinhos a ressacar.
O dia está quente e é o último que cá vamos passar. Está super fixe, Sérgio! Deves ter tido alta nota a Português A. Deixa só a Alexandra falar um pouco, que ela já não diz nada há muitos parágrafos. Ir ao Milhões é como jogar Super Mario: é demasiado fácil perder vidas. É por isso que ao terceiro dia já são poucos os que aparecem na piscina às primeiras horas da tarde. Houve até quem adormecesse à porta das garagens mais próximas, mas o space rock dos Moon Duo (mais uma dupla ele & ela) conseguiu fazer levitar mesmo os mais inertes. O encerramento da época balnear do Milhões coube ao DJ Fitz.

Publicidade

Antes disso, o Sérgio esteve no Taina… Foi dia de missa, dia de ajoelhar e pedir mais um dia de festa. Dia de abraçar toda a gente, conhecidos e desconhecidos. Dia de barbas grandes e de andar sem roupa interior. Dia em que a miúda das massagens grátis oferecia limonada e Gina, a girafa insuflável, já perdera muito do ar. Dia de rebentar os últimos foguetes, mas não literalmente. Dia de tainar junto ao rio e de ver Killimanjaro ao lado da orgulhosa família do vocalista.

… e depois quis despedir-se da piscina. Mas o sol alto e o calor puxavam era pela piscina, como aliás tudo nas tardes de Barcelos. Daí a piscina estar sempre a abarrotar de gente: lugares à sombra nunca existiram e espaço para nadar implicava dar uns coices no pessoal ou arriscar o pescoço e passar pela zona de acção do Hélio e dos seus mergulhos épicos de cu na água. Felizmente havia miúdas de biquíni e gajos tatuados q.b. Não ouvi Group Ses Beats nem Naytronix (diz que foi fixe dançar debaixo do cogumelo da piscina dos putos). Moon Duo deu para aquecer (ainda mais) e DJ Fitz trouxe sonoros fritos turco-geniais (é o termo técnico) para quem passou o final de tarde de molho. Depois do banho de cloro, o banho de comida. Afinal, estamos em Barcelos.

O jantar foi obrigatoriamente no lendário Xispes para comer os mundialmente famosos panados mutantes de quilo e meio, regados a finos mal tirados e ao som dos Queen e dos Red Hot na VH1. Aqui, e pela primeira vez, senti-me aceite pelos deuses do Milhões e do Gil Vicente. Depois de uns cocktails barcelenses siga a entrar no recinto a tempo de perder os Al-Madar no Palco Milhões ("merda de cobertura, este gajo perde os concertos todos!"), mas muito a tempo de sentir os Riding Pânico com cinco cordas e milhões de poder.

Publicidade

Pequeno parêntesis: isto não estava nos nossos planos, mas recebemos hoje um mail de um tal Bernardo Rodrigues, aka Burgercock, sobre um homem de branco do Milhões, “um acontecimento curioso e fantástico”. O nosso tipo de cena, portanto. O ecleticismo musical e de pessoas traz uma curiosa harmonia, mas eis que alguém faz abanar os alicerces deste equilíbrio. Seja pela sua imponência magistral ou pela sua aura que envolve o festival de magia e serenidade, uma coisa é certa: ninguém lhe fica indiferente. Não, não acredito que ele tenha vindo para nos castigar ou punir. Parece ter vindo em paz, de um planeta longínquo. Um peregrino hippie que teve uma má trip. O caminho. O mistério que nos consome as entranhas: porque se veste assim e caminha como que levitando entre cada passada leve, munido apenas de duas sandálias de cânhamo? Será uma questão de integridade moral perante uma divindade desconhecida? À primeira vista, ao ver a sua formidável trança, vem-me à cabeça o Ton Paipai do Dragon Ball ou um monge shaolin. Quem sabe? Um budista que planta coisas e medita, um tributo à dinastia ming, ping, pong, king kong, hong kong? Um terrorista fatalista ou niilista? A reincarnação do cavalo branco de Napoleão? Não, não e não. Definitivamente, não. Por detrás daquela capa de forma humana há algo de puro e de inalcançável. De repente, lá estava ele à minha frente. Não era o Senhor, era o homem de branco, o ermita. Como um raio de luz clara vindo de uma estrela distante, a minha alma voltou a ter paz e sanidade. Coincidência? Ou ausência de tabaco na ganza? Que vida existe por detrás deste sorriso enigmático? O sorriso. Tragédia pessoal? Alguma espécie de luto, por ventura, ou simplesmente querer ser diferente de todos porque gostar de uma banda pretensiosa asiática não chega. Todos queremos ser diferentes do rebanho. No fundo, todos temos dentro de nós um homem de branco. Quantos de nós não quiseram ser deuses, profetas, passear de robe branco sem preocupações? No meio de tanta pergunta sem resposta nesta pequena reflexão psicadélica, fica uma última questão que se sobrepõe a todas as outras: homem de branco… QUEM ÉS TU?

Publicidade

E estamos de volta ao nosso alinhamento original. Ok, isto foi esquisito, mas fixe. É bom deixar espaço na vida para o imprevisto. Continuando: a Alexandra, ao contrário do Sérgio, viu Al-Madar. Os dois viram Alt-J e Memória de Peixe.

Alexandra: Depois de ter perdido Al-Madar, os Memória de Peixe foram surpreendidos pela receptividade do público, enquanto que os Alt-J, no cruzamento da pop mais sonhadora com o indie, levaram a taça de concerto mais fofo do festival. Mais tarde, os Red Fang tiveram nota “satisfaz” com um concerto que, não tendo sido grandioso, acabou por se destacar das outras bandas semelhantes. O caos foi o de sempre. Sérgio: Não me lembro de L'Enfance Rouge (e nem era por estar bebido, o que não abona muito a favor deles), mas lembro-me que Memória de Peixe trouxe o melhor material e surpreendeu — nunca os tinha visto com tanta força. Alt-J foram, muito literalmente, o amor e, na minha opinião, a revelação do festival (posso dizer isso porque sou eu que escrevo e vocês têm é de aceitar, caguei para os eventuais comentários). O dueto Black (Bombaim) Gnod tocou logo a seguir com uma intensidade de gigantes que, de tão bom, me tirou a roupa da pele (durante) e quase me meteu um cigarro na boca (depois). A noite de domingo tinha uma programação incrível, daí o pessoal andar ocupado entre palcos. A Alexandra viu um concerto raro e o Sérgio o moshpit mais estranho de sempre. Alexandra: A Discotexas Band proporcionou alto baile disco. Nada que surpreenda quando estamos a falar do trio Da Chick, Xinobi e Moullinex. Até o gajo com a máscara mais incrível do festival (a de coelho) estava a curtir. Shangaan Electro foram indescritíveis, mas não custa tentar: são cinco, vêm da África do Sul, misturam música tradicional africana com electrónica, vestem-se com trajes tradicionais coloridos e dançam. Dançam muito. É festa das grandes. O Homem Fino ainda apareceu de manhãzinha para dar um showcase em cima de um dos contentores do backstage. Privilégio dos persistentes. Sérgio: Já começa a soar a chupismo, isto de estar a falar tão bem das bandas de domingo, mas confiem: foi um dia do caralho. Red Fang foram cabeças de cartaz da última noite e provaram ser mestres dos riffs que fazem mover o público, coreograficamente, de cima para baixo e para os lados e ao contrário, numa espécie de montanha-russa (mas em ondas sonoras e saltos para cima do pessoal). Seguiu-se a Discotexas Band que agarrou o pessoal e não largou ninguém até pararem de tocar. A Da Chick é uma besta em palco, a sério, tem uma energia e uma voz estrondosas. A fechar, vieram os Shangaan Electro para infectar toda a gente com a sua onda desgovernada de quase-electrónica africana, uma cascata que impulsiona o corpo de formas que eu nem consigo descrever. Foi a melhor despedida de festival que alguma vez vi: havia gente com cabeças de coelho a dançar, o moshpit mais estranho de sempre, filas-pirilau de conga e miúdas a perderem a roupa, num êxtase generalizado. O Sérgio ainda teve o desplante de perder a última actuação de todo o Milhões de Festa 2012! Tive de faltar a Zombies for Money (não sei como nem o que foi, mas podem explicar-me nos comentários). É que já eram cinco e meia da manhã e eu tinha uma tenda para desmontar e um comboio para apanhar, de directa, até Lisboa. Malta, isto vai longo. MESMO longo. Tipo, looooooooooooooongo. As vossas conclusões e balanços finais, por favor. Pedro: O Milhões foi como tomar cenas (tipo, drogas) para ficar mesmo bem-disposto. Eu costumo gozar com o pessoal que usa as pulseiras do festival e nunca as tira (desculpem), mas acho que agora vou ter de dar o braço a torcer e usar a minha mais uns tempos porque vai logo fazer-me lembrar de mil cenas. Vou usar mesmo que pareça azeiteiro. Até para o ano, Milhões. Sérgio: Imaginem o melhor sexo da vossa vida. Agora imaginem esse sexo, mas com a Carolina Torres (que cumpriu e esteve lá) ou com a Soraia Chaves (não a vi: falhaste, Homem Fino). Se forem gajas, imaginem o Fua (o chefe da tribo Milhionária). Agora pensem no melhor sexo da vossa vida com estas pessoas e a durar quatro dias. Está? Aguentem a tusa… O Milhões foi isso vezes milhões! E só estou a exagerar um bocadinho. Quando é o próximo? Para o ano. FIM, mas podíamos continuar. Texto por Alexandra João Martins, António Silva, Bernardo Rodrigues, Eduardo Gonçalves, Manuel A. Fernandes, Pedro Paulos e Sérgio Neves
Fotografia por José Ferreira, Miguel Refresco, Paulina Skrok e Weronika Wolińska

Publicidade