O que vai acontecer aos millennials quando crescerem?
Ilustração por George Yarnton.

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O que vai acontecer aos millennials quando crescerem?

Se achavas que os 20 e poucos anos eram uma fase tensa, espera pelos 30 e pelos 40. Ser adulto já não é o que era e temos de aprender a lidar com isso.
Hannah Ewens
London, GB

Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.

Dividimos apartamentos, ou moramos com os nossos pais, nunca tivemos economias e estamos mergulhados numa cultura de ansiedade. Temos problemas profundos de auto-estima e a nossa vida social passa-se toda na Internet. Sabemos como deveríamos ser por causa do que aprendemos com os nossos pais, que casaram quando tinham a nossa idade, tiveram filhos e compraram uma casa (pediram dinheiro ao banco, mas pronto) e um carro poucos anos depois.

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Mas e nós? Nós, somos adultos a viver num estado de infância suspensa. O que é que nos vai acontecer daqui a 20 anos, quando estivermos perto da meia idade? O que acontecerá, afinal, quando os millennials crescerem?

Uma imagem assalta-me a mente de imediato: um solteiro de 43 anos, cheio de problemas psicológicos, a viver num apartamento tipo caixa de sapatos, com uma renda de dois mil euros por mês, a percorrer obsessivamente perfis do Tinder e a disparar tweets sobre o último lançamento da Palace, para um público de outros millennials desesperadamente solitários.


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Mas este é ainda território desconhecido. Ninguém tem a certeza do que acontecerá. Muitos dos académicos, cientistas e economistas que abordei por e-mail não quiseram levantar hipóteses, mas, provavelmente, o quadro desagradável que mencionei acima não deverá estar muito longe da realidade.

Somos uns falidos agora e o mais provável é que iremos continuar a ser uns falidos mais tarde na vida. Ryan Bourne, director do departamento de Saúde Pública do Institute of Economic Affairs, em Inglaterra, diz que a nossa geração vai chegar aos 40 com muito menos riqueza acumulada do que as gerações passadas. "Essa falta de bens deve-se, em parte, ao facto de os millennials não terem casa própria, mas também porque vão pagar uma renda durante tanto tempo que se torna muito difícil poupar alguma coisa, mesmo que seja no âmbito de um plano de poupança reforma, ou através de investimentos. Este é um grande problema", sublinha Bourne.

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O especialista geracional Jason Dorsey concorda: "Já nos habituámos a ter pessoas de 30 e 40 anos ainda dependentes dos pais. Pessoas de 30 e poucos anos que ainda moram com a família e pessoas de 40 que ainda precisam que os pais paguem a sua conta de telefone. Este fenómeno está já a colocar uma imensa pressão na geração anterior e, a menos que os rendimentos aumentem dramaticamente, vamos ter muito mais problemas no futuro".

Portanto, se achavas que os 20 e poucos anos eram uma fase tensa, espera pelos 30 e pelos 40. Bourne acredita que, quando chegarmos a um determinado ponto da nossa meia idade, vamos perceber a gravidade da situação. "O risco aqui é que muita gente da nossa geração vai chegar aos 40 e entrar em pânico, porque não tem dinheiro suficiente acumulado para viver quando se reformar", explica. E acrescenta: "É nessa altura que muita gente de 40 anos se vai começar a preocupar com o facto de não poder ter uma reforma assim tão feliz".

Mas será que nunca iremos mesmo alcançar os padrões de vida e a riqueza acumulada dos nossos pais? Segundo o economista com quem falei: provavelmente não. "O problema é que ainda perseguimos muitas das mesmas coisas que outras gerações queriam, mas isso está muito mais longe do nosso alcance", explica Dorsey. "Quando o nosso grupo etário entrar no meio e no final dos 30, será um momento interessante para vermos se os millennials vão conseguir efectivamente alcançar essa ideia que têm da vida adulta".

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O medo número um dos leitores da VICE é nunca encontrarem o amor, o que sugere que ainda não descartámos completamente a ideia de casamento. Por outro lado, o nosso ódio em relação à crise da habitação e à gentrificação mostra (sem surpresa) que ainda valorizamos a ideia de termos um lugar seguro para vivermos. No entanto, ao mesmo tempo que esperamos que esses sinais tradicionais da vida adulta se revelem quando atingimos os 30 anos, segundo Dorsey e outros com quem falei, o mais provável é que continuemos frustrados e infelizes.

Porque ainda não temos como sustentar filhos na nossa idade, vamos esperar para tê-los no final dos 30, começo dos 40. "Ter filhos nessa altura da vida é mais difícil e implica mais riscos, mas julgo que vai haver muita pressão nessa época para casar e engravidar", diz Dorsey. "É uma tempestade perfeita. O ambiente será do género: se é uma coisa que queres fazer, tem que ser agora. E, por razões óbvias - porque casar e ter filhos será mais difícil e desafiante -, a situação vai criar um tipo diferente de conversa. Vamos acabar com as pessoas a terem menos filhos no geral, porque ao começarem mais tarde só vão poder ter um ou dois".

O fardo psicológico desta situação vai recair sobre as mulheres - algumas delas, provavelmente, vão descobrir que já não podem ter filhos -, mas o peso será sentido por toda a sociedade. Como diz à VICE Amy Kaler, professora de Estrutura Social na Universidade de Alberta, "se as mulheres pararem de ter filhos, primeiro vamos notar um colapso das actividades económicas que exigem crianças pequenas e pais, como as lojas de roupas e acessórios para bebés, amas, creches… Depois, um impacto nas escolas básicas e desportos infantis. Vamos também tornar-nos completamente dependentes da imigração para continuarmos a existir enquanto países".

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"As mulheres vão sofrer mais, porque, ao longo da vida, recebem menos, têm mais probabilidades de ficarem presas a trabalhos mal remunerados e, mais importante, têm menos possibilidades de serem o principal provedor da família" - Carole Easton

Carole Easton, directora executiva da Young Women's Trust, que apoia e representa mulheres entre os 16 e os 30 anos, em Inglaterra e no País de Gales, que têm dificuldades para sobreviverem com um salário baixo, ou até sem qualquer rendimento, está particularmente preocupada com o futuro das mulheres. "As mulheres vão sofrer mais, porque, ao longo da vida, recebem menos, têm mais probabilidades de ficarem presas a trabalhos mal remunerados e precários e, mais importante, têm menos possibilidades de serem o principal provedor da família", garante Easton.

Ninguém pode prever como será a nossa saúde mental e qualidade de vida daqui a 20 anos, mas é bem provável que continuemos a ser uma geração caracterizada pela ansiedade e pelos problemas psicológicos. Até tendo em conta a nossa abertura para discutir esses assuntos. Mas devemos estar preocupados com a predominância de problemas psicológicos na faixa dos 20 anos. Regra geral, quanto mais depressa lidarmos com estas questões, maiores são as hipóteses de recuperação, ou até de evitarmos problemas psicológicos no futuro.

"Deixar sintomas sem tratamento, não só pode resultar em sofrimento desnecessário para o indivíduo, como também pode interferir na construção de uma vida rica e significativa no futuro", diz a psicóloga clínica Lisa Orban. Tratando-se da ansiedade de que os millennials sofrem na casa dos 20 anos, a especialista salienta: "O cérebro ainda é maleável em jovens adultos e a exposição a stress muito cedo na vida pode ter um impacto na saúde mental. Se estas pessoas puderem aprender a identificar o stress e desenvolverem estratégias adaptadas logo no começo, há hipóteses de conseguirem ser mais eficientes a lidar com o stress, o que pode evitar ou mitigar sintomas de problemas psicológicos no futuro".

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Mas estaremos mesmo a ter algum sucesso no desenvolvimento de mecanismos para lidarmos com o stress?

Os profissionais de saúde mental estão preocupados, porque não é ainda possível prever com exactidão os efeitos a longo prazo desta vivência num estado de "adolescência suspensa". Lucy Lyus, da organização de saúde psicológica MIND, diz: "Sabemos que tudo o que está a acontecer aos jovens neste momento, contribui para uma baixa qualidade de vida e pode levar à ansiedade. Obviamente, é preocupante imaginar o que vai acontecer quando esta geração crescer".

Lyus acrescenta que, nenhum destes factores de estilo de vida que contribuem para os problemas psicológicos, vão mudar tão cedo. O que está em jogo: se queremos melhorar o futuro da saúde mental dos millennials, as mudanças têm de acontecer agora. "Sabemos que o governo do Reino Unido, por exemplo, diz que está comprometido em fazer da saúde mental uma prioridade e que vai investir biliões nos próximos cinco anos para que isso aconteça. Mas, na verdade, não sabemos no que é que isso vai dar", sublinha Lyus.

Pelo menos, na nossa meia idade miserável, vamos reformar-nos e conseguiremos descansar um bocado, certo? Não exactamente. Vamos trabalhar mais do que qualquer outra geração até agora. Em parte porque vamos ter que sustentar os filhos que tivermos mais tarde — uma questão agravada pela obsessão dos governos em fazerem com que trabalhemos até à morte. "A idade de reforma vai ter que aumentar dramaticamente por causa da população envelhecida", explica Bourne. "O governo britânico criou um plano de reforma mais generoso, o que não faz sentido se tens uma população idosa. Alguém vai ter que ceder e a coisa mais óbvia a fazer será aumentar substancialmente a idade de reforma".

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Tudo isto parece muito sombrio e assustador, mas nós, como geração, não existimos numa bolha. Não podemos ser ignorados e questões como habitação, renda e problemas psicológicos não podem ser deixadas de lado. Os efeitos de tudo isto vão acabar por se tornar um fardo e as nossas questões sociais e financeiras serão, então, a prioridade.

"Quando é que vamos sair desta nossa adolescência prolongada? Lidar com tudo isto significa que só quando vencermos a pior parte é que vamos finalmente crescer?".

"Pensar no que pode acontecer se não resolvermos todos estes problemas é quase horrível demais", diz Rachel Laurence, do think-tank New Economics Foundation. "Penso que, se realmente não resolvermos a maioria deles, um vamos ter de lidar com um crash e com uma grande depressão económica. Mas tenho esperança que, com mais pessoas a entrarem na segunda e terceira fases da vida adulta, este seja um momento de viragem".

Laurence aponta o facto de toda a nossa economia ser movida por débito. Se a nossa geração não puder financiar propriedades e ter filhos, porque os salários continuam injustamente baixos e a economia cresce, estamos perante uma situação tipo "bomba-relógio".

Quando é que vamos sair desta nossa adolescência prolongada? Lidar com tudo isto significa que só quando vencermos a pior parte é que vamos finalmente crescer? E se nunca atingirmos esse estado? Dorsey prevê que só vamos sentir que chegámos à vida adulta por volta dos 40. Mas o que sabemos é que o significado de "ser adulto" vai mudar completamente com a nossa geração.

Passar dos 18 anos pode já não significar nada. É só uma desculpa para beber sem precisar de um Cartão de Cidadão falsificado. E sinais muito mais tradicionais da vida adulta também podem acabar extintos. "Ser adulto" pode já não significar ter uma casa e um filho. Assim como os nossos pais determinaram os parâmetros para a nossa ideia do que é ser adulto, nós decidimos o que ser adulto significa para a Geração Z e mais além.

@hannahrosewens