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Desporto

O futebol segundo alguém que não tem a mínima ideia do que é o futebol

O que mais incomoda o não-adepto é o que envolve este desporto: a loucura mediática, o fenómeno de estrelas, as concessões políticas, a loucura económica.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE Espanha.

Estamos condenados a não nos entendermos: os que seguem o futebol e os que não lhe ligamos nenhuma. Há um ódio intrínseco que afecta todos e a cada um. É um ódio mais forte que qualquer fascismo social ou racial. É algo que permanece e permanecerá selado para sempre nos nossos corações, a verdadeira guerra. Os seguidores e os detractores. Convivem nas mesmas ruas, compram nas mesmas lojas e muitos até vivem debaixo do mesmo tecto, mas há um muro enorme que os separa, o muro da incompreensão. Falemos sobre isto.

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A divisão não é tão brutal como descrevi no primeiro parágrafo, porque existem sempre pontos intermédios e indivíduos que decidem não tomar posição. Há os que "seguem mais ou menos" e os que, simplesmente, "não querem saber", mas que nem sequer nutrem um ódio irracional pelo fenómeno. Embora estes pontos intermédios tenham sempre algo de mediocridade - não tomar uma posição pode ser considerado um acto de cobardia -, são necessários e compreensíveis. Ninguém pode ter sempre o mesmo grau de implicação em todas as coisas. E são eles, estes "amortecedores" humanos, que evitam uma confrontação directa, constante e letal.

Eu, pessoalmente, acho que o futebol é um monte de merda, mas também não dou a vida por esta causa. Morreria por muito poucas coisas, aliás, acho que não há nenhuma pela qual morresse. O meu ódio pelo futebol arde como uma pequena fogueira de Inverno numa cabana de pastores. Não percebo nada sobre o assunto e nutro por este tema um interesse absolutamente mínimo. Por isso, quero partilhar convosco a minha percepção. O futebol através dos olhos do inculto.


Vê: "Futebol e homofobia"


O futebol, o que seria o desporto em si - esse acto de pontapear um esférico e pretender metê-lo na baliza do adversário -, não me parece problemático. É um desporto como outro qualquer. Aliás, as suas regras básicas podem encontrar-se na maioria das disciplinas desportivas e, inclusive, em quase todas as relações humanas, sejam amorosas, comerciais, políticas ou militares. Dito isto, o que mais incomoda o não-adepto é o que envolve este desporto: a loucura mediática, o fenómeno de estrelas, as concessões políticas, a loucura económica… Devo dizer que a violência que às vezes pode gerar não me parece especialmente ofensiva. Até acho que é a parte mais humana do assunto.

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A primeira coisa que me vem à cabeça é que se trata de uma grande burla. Vejo-o como algo totalmente orquestrado, como o World Wrestling Entertainment. Quando observas o futebol de longe, vês claramente que, por detrás do cenário principal existe uma narrativa, um guião que já está escrito. Algo tão cirurgicamente perfeito que não pode ser produto da sorte, ou da técnica concreta que se executa no campo. Há demasiados interesses envolvidos. O futebol, basicamente, é dinheiro que dança num campo verde. É uma amostra perfeita do capitalismo menos ético. E nem falo da corrupção, ou de outro tipo de artimanhas, o próprio jogo já inclui esse valor económico.

"O futebol também é esse anúncio de perfume, de champô, de sapatilhas e toda a imprensa que possa surgir pelo caminho. É um negócio e o que menos importa é o desporto, o acto em si".

Parte do jogo é o patrocínio, a compra e venda de jogadores. Os clubes arruinam-se e contraem dívidas. O jogo saiu do campo e podemos encontrá-lo no uso publicitário que os protagonistas deste desporto fazem da sua própria pessoa (tanto jogadores, como treinadores, árbitros, presidentes e por aí fora) em todos os meios. O futebol também é esse anúncio de perfume, de champô, de sapatilhas e toda a imprensa que possa surgir pelo caminho. É um negócio e o que menos importa é o desporto, o acto em si.

Outra coisa que podemos observar desde o lado de cá, o lado dos não-iniciados, é a permanente presença mediática do assunto. A quantidade de cobertura que recebe este desporto em particular é indecente, ocupando uma percentagem inacreditável do tempo global de um telejornal (já para não falar da parafernália televisiva e radiofónica à sua volta). Diz-se que é o que a gente quer ver, que move muito dinheiro.

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Pois, está bem, mas quem é que sai beneficiado de tudo isto e como? É triste, mas esta mediatização tão extrema já provocou estragos noutros sectores. Falo, por exemplo, de certas decisões governamentais, referentes à emissão deste desporto, que afectaram directamente a indústria cinematográfica. Esta perdeu o seu público ao ter de competir com os jogos de domingo, um dos dias de maior afluência ao cinema.


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Depois, há os sentimentos. É lixado ver como este teatrinho afecta realmente as pessoas. Não há nada mais patético do que um homem que lamenta a derrota da sua equipa sentado num bar a chorar. Lágrimas de futebol descem-lhe pela face. Essa tristeza de postal, gerada pelo nada absoluto. Homens que não choram, nem sequer nos funerais das mães, mas que podem despedaçar o próprio coração num estádio.

Acontece o mesmo com a felicidade: essa explosão de alegria desmesurada que dura cinco minutos. Não é a alegria de ganhar, é a alegria de derrotar o outro. A satisfação do fracasso alheio. Sentimentos gerados pela enorme maquinaria do espectáculo. A nível audiovisual, o drama está perfeitamente dirigido, leva-te por onde quer e estala no teu coração. Esse anzol emocional é o que gera o vício e a razão pela qual jamais abandonarás o teu clube.

"Isto do futebol não é sério. Os seus seguidores não batem bem da bola, são uns tipos obcecados por algo que quase nem existe".

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A constância. Que alguém me explique como é que esta gente está sempre a jogar. Ora é a Liga, ora é a Champions, o Mundial… Foda-se, há sempre qualquer coisa a acontecer. Que não pare a máquina, que não haja um segundo de não-futebol. Esta constância faz com que o interesse, ou a emoção, desapareçam, já que o eterno, o desaparecimento do tempo, gera uma espiral infinita, repetitiva, cíclica. Como podemos ganhar uma corrida que nunca termina?

E o que dizer do bipartidarismo? Essa dualidade, a distinção de dois grandes inimigos para gerar uma mensagem compreensível. Duas equipas com duas maneiras de entender o jogo muito diferentes. Conta-me outra. Isto do futebol não é sério. Os seus seguidores não batem bem da bola, são uns tipos obcecados por algo que quase nem existe. Por outro lado, os que nos lançamos neste tipo de delírios sobre o futebol também parecemos uns doidos varridos, com a mania da conspiração. Aqui ninguém se salva.


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