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O Retratista que Ajudou a Prender Uma Gangue de Estupradores em Mumbai

Nitin, um professor de artes de escola primária, foi encarregado de entrevistar o colega da jornalista que foi estuprada e produzir retratos falados que seriam usados para identificar os perpetradores.

O retrato falado de Vijay Jadhav, um dos cinco acusados do estupro.

Às 2:30h de 23 de agosto, o celular de Nitin Yadav tocou. Do lado de fora de sua casa, um jipe da polícia de Mumbai esperava sob a luz fraca de um poste, ao lado de um homem de regata suja que dormia num carrinho de mão. Nitin espiou pelo vão da porta para confirmar se o jipe pertencia mesmo à polícia e depois correu para colocar uma camisa. Sua esposa, Vaishali, o seguia nervosamente pela casa de camisola, fazendo perguntas que o marido realmente não sabia responder.

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Oito minutos depois, Nitin estava sentado numa sala com o comissário da polícia de Mumbai, Satyapal Singh, e o comissário adjunto, Sadanand Date. Uma fotojornalista tinha sido estuprada por uma gangue durante um trabalho para uma revista de língua inglesa numa fábrica abandonado no sul de Mumbai. O colega dela, que estava sentado em outra sala da mesma delegacia, tinha sido amarrado com um cinto e espancado enquanto cinco homens supostamente estuprava a fotojornalista. Nitin, um professor de artes de escola primária, foi encarregado de entrevistar o colega da jornalista e produzir retratos falados que seriam usados para identificar os perpetradores. O crime, que aconteceu apenas alguns meses depois do estupro brutal de uma jovem num ônibus em Nova Deli (os criminoso desse caso foram sentenciados ontem), foi ainda outro exemplo horrível da violência contra a mulher na Índia. Mesmo no centro cosmopolita de Mumbai, antes considerada uma das poucas cidades indianas onde as mulheres estava seguras, uma coisa dessas também podia acontecer. “Eu estava determinado a fazer um bom trabalho”, Nitin me disse em hindi duas semanas depois. “Esse era um caso grande e os acusados tinham que ser pegos o quanto antes.”

Por três horas, Nitin questionou o colega da sobrevivente na delegacia. Com ajuda do que ele chama de “caderno software” – uma coleção amarelada de desenhos detalhando vários tipos de cabeças, narizes, bocas, penteados e bigodes que Nitin desenhou durante os anos –  ele produziu três dos cinco retratos falados que a polícia liberou na manhã seguinte ao ataque. “Geralmente, a vítima está muito traumatizada para lembrar os detalhes”, ele disse. “Mas nesse caso, quando os retratos falados foram feitos, a mulher estava no hospital. Seu amigo tinha testemunhado todo o ataque e o fato dele ser fotógrafo e lembrar dos detalhes me ajudou muito. Peguei meu caderno software, pedi para que ele apontasse as semelhanças e retrabalhei os retratos com as informações que ele me deu”, disse Nitin.

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A polícia espalhou o primeiro retrato falado feito por Nitin, o desenho de um homem que depois seria reconhecido como Chand Hussain Sheikh, logo às 6h da manhã. Em Jai Bhawani Nagar, uma colcha de retalhos de barracos cobertos de lonas azuis bem atrás da fábrica abandonada onde o estupro aconteceu, os residentes disseram que o desenho era muito parecido com um catador de lixo que vivia num barraco de um quarto com os irmãos e a avó. “Assim que vimos o retrato, sabíamos que era o Chand. Ele tinha se metido com más companhias”, disse Haseena Sheikh, uma mulher vestida num shalwar kameez cor de esmeralda e com os cabelos fortemente presos, em hindi. Ela vive na mesma favela e ajudou a polícia a identificar Chand.

Em três dias, todos os cinco estupradores estavam atrás das grades. Os canais de televisão mostravam os retratos de Nitin, juntamente com discursos ofegantes sobre o status da mulher na sociedade indiana. Nitin se tornou uma celebridade local.

Chand Hussain Sheikh, como desenhado por Nitin Yadav.

No caminho que leva até sua casa, agora pontilhado com estátuas de argila de diversas divindades hindus, rostos não-familiares são recebidos com: “Quer o Nitin Yadav?” Um grupo de meninos, liderado pelo filho de Nitin, Pratik, espera pelos visitantes no lado de fora da casa do professor, enquanto um deles vai correndo dizer a Nitin para pegar sua cadeira marrom para as fotografias. Semana passada, seus compromissos incluíram ser homenageado pelo líder bilioso do partido de extrema-direita da Índia, dar uma palestra sobre patriotismo na sua escola primária e ser entrevistado por jornais locais. Semana que vem, ele é um dos convidados do maior organizador do Festival de Ganesha em Mumbai. “As pessoas me dizem que trabalhei pelo meu país. Quando vi as fotos dos acusados na TV e comparei com meus retratos, não pude acreditar em mim mesmo”, disse ele, sentado em sua cadeira marrom.

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Nitin, um homem de quase 50 anos com uma queda por correntes grossas de ouro e um bigode quadrado, tem ajudado a polícia por mais de duas décadas. Depois que o pai, que trabalhava numa fábrica têxtil, se juntou a uma greve geral enquanto a indústria decaia no final dos anos 80, a responsabilidade de trazer dinheiro para casa caiu sobre o filho mais jovem da família, Nitin. Entre desenhar cartazes, placas de rickshaw e retratos de pessoas mortas, ele se viu numa delegacia de polícia, responsável pela pintura de um grande mapa da cidade. “Um policial estava tentando conseguir informações sobre um ladrão. Tudo que ele conseguia fazer era anotar a altura e a cor da camisa do bandido”, disse Nitin. “Então perguntei a ele se eu podia assumir.”

Desde então, ele perdeu a conta do número de casos em que trabalhou, na maioria das vezes de graça. Uma fotografia sépia de um Nitin jovem vestido como Chhatrapati Shivaji, o rei do império Maratha do século 17, sorri da parede lascada enquanto ele alcança um álbum empoeirado com retratos falados de centenas de criminosos. A coleção inclui um homem que assaltou e estuprou uma espanhola em Mumbai em novembro do ano passado, um homem que estuprou uma criança de oito anos e um bandido acusado de ameaçar com uma arma um político local. “As pessoas lembram de tudo, menos dos olhos do perpetrador. Meu trabalho e encaixar os olhos dependendo do resto da descrição”, ele disse.

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Vaishali, sentada com as pernas cruzadas, vestindo uma camisola estampada e com o cabelo preso num coque desarrumado, prefere trancar o álbum durante a noite. “Não gosto de vê-los”, ela disse. “Isso me lembra que ele pode ter problemas.” Alguns anos atrás, Nitin recebeu um telefonema de uma pessoa que se dizia membro de uma gangue organizada local. A pessoa ameaçou matar Nitin se ele continuasse a trabalhar para a polícia no caso de um advogado assassinado. “Eu sei que ele está fazendo a coisa certa, mas não vou aguentar se algo acontecer com ele”, ela disse.

Um vizinho entra correndo na casa, com uma cópia de um jornal em marata onde Nitin aparece sorrindo nervosamente. “Sabe, Deus me deu esse talento por uma razão”, Nitin me disse filosoficamente. “Mas a polícia de Mumbai devia treinar mais pessoas como eu.”

@Mansi_Choksi

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