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Sociedade

Como é pagar a universidade através do sexo

Um em cada 20 estudantes britânicos já participou nalgum tipo de trabalho sexual para financiar os estudos.
mulher em roupa interior

Este artigo foi originalmente publicado na VICE UK.

Investigadores da Universidade de Swansea divulgaram os resultados do The Student Sex Work Project, a primeira tentativa no Reino Unido de analisar de forma abrangente a experiência de estudantes que são, também, profissionais do sexo. O relatório constatou que cinco por cento dos estudantes, em algum ponto da sua vida, se submeteu a trabalhos de cariz sexual - o que pode significar a prestação de serviços sexuais "directos", ou "indirectos", como as actividades de modelo, cam shows, ou chats online.

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Enquanto cinco por cento representa uma pequena, mas significativa, minoria, um número muito maior - um em cada cinco estudantes - declarou ter pensado recorrer a trabalho sexual para pagar a sua educação universitária.

Algumas das conclusões do relatório eram previsíveis. Com o aumento das dívidas dos alunos, bem como com os cortes nos orçamentos das universidades para subsídios e bolsas de estudo, o trabalho sexual tornou-se uma perspectiva cada vez mais atraente para pessoas com problemas de liquidez. Alguns profissionais do sexo explicaram aos investigadores que os empregos com salários mínimos, ou a recibos verdes, não eram opção, enquanto a razão mais comum avançada para enveredarem pelo caminho do trabalho sexual é o denominado "good money".


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Contudo, este estudo revela um dado surpreendente: existem mais homens do que mulheres estudantes a realizarem trabalhos sexuais. Cinco por cento dos homens, em comparação com 3,4 por cento das mulheres, afirmaram terem levado a cabo serviços de cariz sexual na universidade, apesar do facto de os profissionais do sexo homens, como os transexuais, serem frequentemente omitidos nos artigos e reportagens dos meios de comunicação quando se trata deste assunto.

Muitos estudantes desfrutam do trabalho sexual dentro dos seus próprios termos. Horários flexíveis, boas condições de trabalho e prazer sexual estão entre os aspectos positivos mais citados. Mas, em quase todos os casos, estes aspectos são ensombrados pelo estigma e o sigilo imposto pela sociedade. "Acho que o meu problema com o trabalho sexual é esse", diz um estudante, "tudo isto é agora um segredo gigante… Tenho que ter cuidado com o que digo e tenho de ter cuidado onde estou".

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Para sabermos mais sobre o assunto, pedimos a três alunos que nos contassem como tem sido pagar a sua educação universitária através do trabalho sexual. (Todos os nomes foram alterados).

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Fotografia por Vera Rodriguez.

CLAIRE

"Estou no segundo ano de História e Filosofia numa universidade de Londres. Comecei a trabalhar depois do meu primeiro ano. Tentei vários empregos em part-time, trabalhei num café, num bar e como empregada de mesa. Nenhum me deu dinheiro suficiente. O empréstimo para estudantes nem sequer chega para cobrir as despesas de habitação, muito menos as despesas gerais, como alimentação, livros e deslocações. Tinha problemas para cumprir as minhas obrigações universitárias, especialmente se trabalhava à noite. Por exemplo, no bar ganhava sete libras à hora, num turno de oito horas, duas noites por semana e conseguia levar para casa cerca de 110 libras por semana.

Tinha acabado de me mudar para Londres, vinda do Norte do país. A minha família não tem muito dinheiro e, por isso, não se podia dar ao luxo de me ajudar o suficiente; não conhecia ninguém em Londres, portanto, quando me mudei, foi como começar do zero. Inicialmente, morei num apartamento super lotado, barulhento e com outros estudantes. Depois, comecei com o trabalho sexual e já podia pagar um apartamento só para mim. Anuncio-me através de um site e tenho clientes regulares; faço visitas domiciliárias, vou a hotéis e, ocasionalmente, aos seus locais de trabalho. É um trabalho bastante flexível, adapta-se perfeitamente aos horários do meu curso e ainda posso trabalhar as horas que quero - o que me deixa tempo livre para estudar antes dos exames, ou para ter aulas extras.

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No primeiro ano da universidade, comecei a ouvir falar de alunos que se dedicavam ao trabalho sexual e, passado algum tempo, conheci uma estudante de um outro curso que trabalhava como stripper. Através dela, conheci uma aluna que trabalhava como acompanhante e foi ela que me abriu as portas deste negócio, mostrou-me onde podia anunciar-me, como evitar maus clientes e como trabalhar com segurança. Ela deu-me a carta de direitos do Colectivo Inglês de Prostitutas (English Collective of Prostitutes' Rights Sheet), que explica as leis sobre o trabalho sexual. Por exemplo, nem tinha ideia de que era ilegal duas mulheres trabalharem juntas.

Não gosto particularmente do trabalho que faço; a minha maior preocupação é ser presa, porque se fico com cadastro será para o resto da vida e isso seria um enorme obstáculo para conseguir outros empregos. Mas, o trabalho sexual é realmente bom, paga mais e adapta-se ao meu tempo melhor do que qualquer outro trabalho que eu conheça. Os meus amigos da universidade estão a trabalhar turnos de 10 horas, por menos de um salário mínimo, outros trabalham a recibos verdes e nunca sabem a quantas horas vão ter direito - há semanas que não conseguem nenhumas, por isso é muito difícil terem liquidez e pagarem as contas. Conheço um monte de alunos que já abandonaram os estudos devido a pressões financeiras.

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A maior parte dos estudantes que fazem trabalho sexual não falam sobre isso, porque não querem que se saiba, isso poderia afectar o seu futuro e as suas perspectivas de emprego. Desde que comecei o trabalho de acompanhante, ouvi dizer que uma ex-companheira de apartamento pagou a renda ao seu senhorio com serviços sexuais e outra mulher que eu conheço prostituía-se a tempo parcial para ganhar o suficiente e poder visitar a sua família. O trabalho sexual entre os alunos é muito mais comum do que as pessoas pensam e é susceptível de aumentar, já que as taxas, as rendas e o custo de vida são cada vez mais altos".

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HARRY

"O trabalho sexual em que participo é o de acompanhante. Os homens contratam-me à hora, seja por sexo, companhia, ou encontros. Entrei na indústria do sexo, porque já não tinha dinheiro para pagar contas, ou para fazer fosse o que fosse socialmente. Inscrevi-me num site e, inicialmente, pensei que não ia receber muitas respostas, mas recebi. E senti-me bem! É bom ter a capacidade de fazer com que os homens paguem para te ter; dá-te um certo poder sobre eles.

Os meus amigos sabem o que faço, mas não ando por aí a contar a tudo e a todos, já que existe definitivamente um grande estigma ligado ao trabalho sexual. Um dos meus amigos, na verdade, tentou demover-me ao dizer que eu era "uma prostituta suja de rua", mas não é nada disso.

Os pagamentos que recebo são razoavelmente bons. Permitem-me pagar as contas e ficar com dinheiro suficiente para gastar na minha vida social. No entanto, os meus honorários mensais são variáveis: o problema do trabalho de acompanhante é que, quando o dinheiro acaba, podes não conseguir outro cliente de imediato, por isso, muitas vezes, ficas outra vez sem dinheiro.

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Ainda não tive o que descreveria como uma experiência verdadeiramente positiva neste tipo de ofício, no entanto a minha ideia de uma experiência positiva seria encontrar um homem rico que me pagasse milhares todos os meses para eu ser seu namorado. Uma experiência particularmente negativa que tive foi quando um homem casado me pediu para ir ao seu escritório para termos sexo. A minha desculpa para lá ir, como ele me tinha instruído, seria uma entrevista de emprego e foi isso que eu disse na recepção.

Eventualmente, alguém me acompanharia até ao seu escritório, mas, afinal, sentaram-me numa grande sala e começaram a entrevistar-me para um trabalho pensando que, realmente, eu estava lá para isso, o que foi bastante humilhante. Acabei por enviar-lhe algumas mensagens mais tarde, mas ele usou o típico "não te conheço" e chegou mesmo a envolver a polícia, uma vez que eu tinha os seus dados pessoais".

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Fotografia de Anselm Burnett de uma dançarina do East London Strippers' Collective. A modelo em questão não é nenhuma das pessoas que foram entrevistadas para este artigo.

ABIGAIL (LICENCIADA EM 2014)

"Enquanto estudante, fiz vários tipos de trabalho sexual independente. Principalmente, trabalhei como prostituta e dominatrix. No entanto, esporadicamente, também fazia sexo por telefone, assim como webcamming.

Com o empréstimo para estudantes, mais a bolsa da universidade, só conseguia pagar a renda e os gastos mais básicos do dia-a-dia. Não era suficiente para cobrir os custo reais - os materiais necessários para o curso, os livros, os eventos de networking da universidade, as viagens, etc. No meu primeiro ano como estudante, antes de considerar o trabalho sexual, era obrigada a ter dois empregos para pagar o básico. O salário mínimo que estes dois empregos me pagavam eram demonstrativos de que as longas horas que trabalhava não produziam um rendimento digno e, ainda por cima, afectavam os meus estudos. Estava exausta e não tinha tempo suficiente para comprometer-me com a vida académica.

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Acho que o trabalho sexual foi, para mim, uma decisão impiedosamente pragmática. A minha motivação para trabalhar foi sempre a mesma, ganhar dinheiro. E o trabalho sexual, a este respeito, não era diferente. Deu-me tempo suficiente para me concentrar nos estudos, enquanto ganhava dinheiro. Podia trabalhar apenas um par de horas por semana e não estar demasiado cansada para estudar de forma eficaz, que era o meu principal problema quando trabalhava em lojas e bares em part-time e ganhava o salário mínimo. Gostei de ser uma trabalhadora do sexo, porque me permitia pagar as contas e a renda sem dificuldades e porque sabia que podia comprar comida e desfrutar da vida social, sem ter o medo de esgotar completamente a minha conta bancária.

Enquanto licenciada que continuou a trabalhar na indústria do sexo, tenho de admitir que este sector tem-me sido útil já que muitos estágios não são remunerados; não tenho uma família que me possa sustentar, por isso não tenho o privilégio de poder trabalhar de graça. Este tipo de ofício permitiu-me não contrair dívidas enquanto me candidatava a entrevistas relacionadas com a minha licenciatura. O trabalho sexual, assim como qualquer outro trabalho, permitiu-me pagar algumas das minhas dívidas. E não acredito que um trabalho das 9 às 5 me possibilitasse pagar mais.

Há alguns aspectos difíceis do trabalho sexual. Julgo que a pior coisa é o estigma que temos de enfrentar e esta é a razão pela qual continuo anónima. A desinformação e a atitude moralizadora que nos rodeia é, provavelmente, o pior aspecto; nega aos trabalhadores do sexo um ambiente totalmente descriminalizado para que possam exercer o seu trabalho de forma mais segura. Toda a negatividade que encontrei como profissional do sexo foi o sentimento de traição por parte das feministas e dos legisladores, que baseiam as suas políticas e visões partidárias em pura ideologia".

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As histórias de Claire, Harry, e Abigail, juntamente com as conclusões do relatório, deixam claro que existe uma maior necessidade de diálogo sobre o trabalho sexual nas universidades do Reino Unido: a ignorância, a falta de procedimentos e uma cultura de silêncio, nunca irão melhorar a segurança destes alunos.

Como um dos responsáveis do The Student Sex Work Project afirma, "a maioria dos alunos que participaram neste inquérito e que trabalham nesta indústria, fazem-no por razões económicas, alguns porque, simplesmente, querem, outros porque estavam curiosos e outros pelo prazer sexual. A maioria dos alunos não necessita de apoio ou assistência, mas alguns precisam - mesmo que seja apenas para terem uma oportunidade para falar sobre o seu trabalho, algo que não deve ser subestimado. O maior desafio para este projecto é o de combater o estigma associado ao trabalho sexual".

The Student Sex Work Project está agora a trabalhar na implementação da prestação de serviços não discriminatórios/tolerantes nas universidades do Reino Unido para os alunos que se envolvem no trabalho sexual.


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