adolescente sentado numa cama num quarto forrado com posters

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Fotografia

Os quartos dos adolescentes nos anos 90 eram assim

O livro "In My Room: Teenagers in Their Bedrooms" foi lançado em 1995 e retrata vários adolescentes no ambiente íntimo dos seus quartos. A obra vive agora uma segunda vida digital.

Este artigo foi originalmente publicado na nossa plataforma i-D.

Uma das melhores colecções de roupa masculinas de Christopher Shannon foi a de Primavera/Verão 2015. Um desfile de t-shirts de tamanho XL, casacos impermeáveis e sweatshirts cheias de bolsos e estampados inspirados em colagens. E qual foi a sua principal referência? In My Room: Teenagers in Their Bedrooms, o livro da fotógrafa Adrienne Salinger, baseado em retratos de adolescentes na sua maior intimidade: os quartos.

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Alguns desses quartos estavam forrados com capas da revista Thrasher, outros com posters punk e outros pintados num tom de azul intenso e cheios de animais de peluche. Cada um dos quartos tem a sua própria colecção de talismãs juvenis.

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Rick V. Todas as fotos por Adrienne Salinger

"Quando descobri o livro de Adrienne Salinger fixei-me mais em como os adolescentes decoravam os seus espaços, do que nas suas camas. Chamou-me a atenção a forma como as colagens nas paredes eram uma forma de criarem o seu próprio espaço e encontrarem a sua própria identidade", salientou Shannon em declarações à i-D. E acrescentou: "É um espaço que creio que deixámos de ter, porque agora vivemos de uma forma muito digital".

É, por isso, um pouco irónico que as imagens de Salinger estejam agora a viver um renascimento digital. Os protagonistas da obra invadiram o Tumblr e os seus quartos aparecem bastante bem catalogados no Pinterest, duas plataformas que tentam replicar de forma a virtual a construção da identidade física retratada em in My Room, mas de uma forma completamente diferente.

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Ellen L.

A autora começou a série ainda nos anos 80 a fotografar quartos de adolescentes na Costa Oeste dos Estados Unidos, de Seattle a Los Angeles, mas acabou por abandonar o projecto, porque não se tinha lembrado de entrevistar as pessoas que fotografara o que, claro, é um elemento vital de In My Room. "Senti que estava a fazer o que, em determinada altura, tinha acusado outros de fazerem: não ouvir o suficiente", explica Salinger em conversa telefónica desde a Universidade do Novo México, onde actualmente lecciona um curso de fotografia.

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Quando se mudou para o Norte do Estado de Nova Iorque nos anos 90, Salinger conseguiu uma bolsa de estudo e retomou o projecto. Desta vez fez entrevistas de duas horas a cada um dos sujeitos fotografados, condensadas depois em conversas mais curtas e integradas no livro. "Os adolescentes guardam todos os seus pertences - do passado e do presente - nos seus quartos. O que penduram na parede, muitas vezes contrasta com o que são e o que dizem e essas contradições que apanhas à medida que os tentas descobrir, foi algo que me interessou muito", sublinha Salinger.

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Fred H.

Porque é que começaste a fotografar adolescentes?

Crescer em... Leiria

Os meios de comunicação apresentam quase sempre os adolescentes de forma simplista e carregada de estereótipos, sem terem em conta que se trata de um momento de grandes transições na vida de uma pessoa. São os últimos anos que vives em casa dos teus pais e é uma altura em que já tens uma opinião bastante fundamentada sobre o Mundo, mas também é uma altura em que não tens realmente de te comprometer com nada. Também me interessa perceber como alguém se pode definir através do seu espaço, independentemente da sua situação sócio-económica.

Surpreendeu-me muito o quão diferentes são os protagonistas do teu livro, os seus espaços e as suas histórias individuais. Há imagens de gente straight edge, de gente crente, de uma mãe solteira… Qual era a importância desta diversidade para o projecto?

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Não é um projecto documental, ainda que pareça. Não acredito na ideia de documental, porque sugere que há só uma verdade e uma única forma de ver essa verdade. Por isso, não tentei - nem tinha essa intenção - encontrar um ponto em comum entre todos os grupos e pessoas.

Então como é que encontraste essa mistura tão interessante de pessoas?

Encontrei-as de várias formas. Costumava ir ao centro comercial, porque era onde os jovens se juntavam e as raparigas passavam o tempo na casa-de-banho à conversa. Outras fui conhecendo através de outras pessoas. Formou-se uma espécie de cadeia, em que umas pessoas me punham em contacto com outras.

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Donna D.

Fala-me sobre o processo de fotografar cada adolescente no seu próprio espaço.

Tinha uma regra: não podiam arrumar, ou mudar o quarto. Estive cerca de seis horas com cada um, incluindo a entrevista de duas horas. Uma coisa importante para mim era não despojá-los dos seus pertences, pelo que resolvi utilizar uma luz contínua, em vez de uma luz estroboscópica, porque com esta perderiam o controlo, ficariam sem poder, sem vontade.

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Jason C.

E qual foi a linha de orientação para as entrevistas?

Nunca tive intenção de fazer um livro, mas depois de várias sugestões decidi transcrever de forma muito escrupulosa cada uma das entrevistas. Tinha gravações de todos os adolescentes, mas acabei por ligar-lhes e dizer-lhes que teria de editar algumas das conversas, por questões de tamanho e perguntei-lhes se tinham dito alguma coisa que não queriam que fosse publicado.

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Nessa altura já tinham deixado de ser adolescentes e cada um deles acabou por vetar o mesmo tema: sexo. Acho curioso que tenham auto-censurado este aspecto. Contaram-me histórias incríveis, coisas comoventes, alucinantes e brilhantes, que demonstravam claramente que os adolescentes não eram (nem são) nenhuns palhaços. Ainda que mudemos bastante à medida que crescemos, nessa idade há algo de muito verdadeiro dentro de nós, algo que já se formou nessa altura.

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Gavin Y.

Tens razão. Vê-se insegurança, mas também se vêem declarações bastante sólidas sobre a religião, ou a família, que ajudam a ilustrar o que os retratos comunicam: são pessoas independentes e individuais.

Exactamente. São estas as pessoas. A ideia pré-concebida que temos dos adolescentes como rapazes e raparigas sem nada na cabeça é um erro muito grave.

Também gosto muito que as histórias se relacionem directamente com os objectos que estão nas paredes. As palavras ilustram facetas diferentes e até, por vezes, inesperadas dos indivíduos.

Sim! Essa é a questão, vês as fotografias e pensas imediatamente em estereótipos. É por isso que, para mim, os textos são muito importantes, porque acabam por tornar tudo mais complexo e, normalmente, contradizem o que te parece que estás a ver. Estou a pedir às pessoas que critiquem a veracidade de uma imagem, quero que os levem a sério, tenho um respeito enorme por eles.

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Lynne M.

Fala-me sobre o impacto que estas imagens tiveram.

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Naquela altura, os mitos e estereótipos de ser um adolescente eram completamente manipulados pela televisão e pela publicidade e, com estas imagens, estava a tentar, de alguma forma, acabar com isso. Uns cinco anos depois da publicação do livro comecei a ver coisas que se pareciam com quartos que tinha visto no cinema e na televisão e recordo-me de ter pensado: "Porque é que fiz este projecto? Já toda a gente tinha tido esta ideia".

No entanto, pouco depois conheci um realizador que trabalhou em coisas como Breaking Bad, por exemplo, e que me garantiu que os cenógrafos continuam a utilizar o livro como referência. O que estava a tentar mostrar, transformou-se no que toda a gente estava ver no contexto em que estava a trabalhar, pelo que foi copiado e apropriado muito rapidamente. Entendi isto como algo muito fascinante e, ao mesmo tempo, aterrador.

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Jeff D.

Hoje em dia, o teu livro está a viver um renascimento digital, talvez porque tenha uma componente muito física na construção de uma identidade dos anos 90 em imagens, enquanto agora os adolescentes podem conseguir isso através da Internet.

Apresentares o teu espaço mais íntimo perante alguém que está a fazer-te perguntas sobre a tua vida é muito diferente de criares identidades diferentes em plataformas online. A pressão de construíres identidades múltiplas é muito diferente, porque tens consciência de como os outros te vêem e podes criar uma imagem para cada página e alterá-la várias vezes por dia.

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Isto exige uma consciencialização de ti próprio, porque és responsável por essa personagem e estás a tentar criar uma presença unificada. Não me interessa como alguém quer ver-se na terceira pessoa, mas interessam-me as conversas que vão acontecendo e vão mudando. De alguma forma, todos captamos essa mensagem de que a adolescência significa que é suposto que tenhas esse sentido unificado de ti próprio e isso é algo que não me parece interessante. A única coisa que faz com que nós, seres humanos, sejamos fascinantes é o facto de não termos uma personalidade, ou uma presença, unificada. Somos formados a partir do choque de muitas coisas diferentes.

Podes ver outros quartos e histórias em adriennesalinger.com.

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