Viver com um obsessivo-compulsivo é um inferno
Imagem principal: ilustração por Alex Jenkins

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Saúde

Viver com um obsessivo-compulsivo é um inferno

Segundo o Instituto Nacional da Saúde Mental dos EUA, 2.2 milhões de pessoas convivem com este transtorno.

Este artigo foi originalmente publicado na VICE USA.

Continuo a estar convencida de que tinha conhecido a pessoa mais importante da minha vida adulta, mas não podia imaginar que acabaria a fazer planos de futuro com alguém que tem medo de tocar-me. Já andei com sociopatas, drogados e alcoólicos, mas nada disto me preparou para a convivência com alguém que sofre uma Perturbação Obsessivo-compulsiva (POC).

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Quando conheci o Tony (nome fictício), há mais de um ano, contou-me logo que tinha este problema, ou seja, um transtorno de ansiedade, caracterizado por pensamentos intrusivos e descontrolados e por condutas repetitivas. O facto de sentir a necessidade de avisar-me, pode dar uma ligeira ideia do quanto esta doença se apoderou da sua vida. Este transtorno pode controlar-se, mas também pode acabar por consumir quem dele padece. Um psicólogo contou-me que tinha conhecido pacientes com POC, hospitalizados, que não se atreviam a beber água porque achavam que estava contaminada.

Segundo o Instituto Nacional da Saúde Mental dos Estados Unidos da América, 2.2 milhões de pessoas convivem com este transtorno que, acredita-se, afecta um maior número de homens que de mulheres. A idade média para um diagnóstico de POC é aos 19 anos. Tony foi diagnosticado há mais de 10 e, desde então, foi hospitalizado duas vezes. Segundo ele, "enlouqueceu" e não era capaz de sair do quarto, porque se sentia ameaçado pelo exterior. Actualmente, o seu transtorno manifesta-se em forma de pensamentos obsessivos relacionados com a higiene. A pele das suas mãos está constantemente escamada e com pequenos cortes, às vezes até sangra, devido à quantidade de vezes que as lava. Não toca em nada que lhe pareça estar "sujo", sejam maçanetas de portas, toalhas usadas, ou eu própria.

Apaixonámo-nos à primeira vista. Tony sabia ouvir, era um homem culto, compreensivo e com um grande sentido de humor. Conhecemo-nos numa segunda-feira e na sexta-feira seguinte já éramos inseparáveis. Embora quase não nos conhecêssemos, percebi logo que Tony era uma pessoa muito sensível e carinhosa. Mas, um tempo depois, comecei a ter noção do alcance que podia ter a sua doença.

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"Na nossa relação não há lugar para a espontaneidade. Mas, sem espontaneidade, como é que pode haver romance?".

Um dia com o Tony é assim: acordo ao seu lado e devo conter o meu impulso de lhe tocar. Ele, até que tome um duche, também não toca em si próprio, por causa dos "óleos escondidos" que tem nas mãos (a mesma razão pela qual não lhe posso tocar). Chegámos a um ponto em que nem sequer podia abraçar-me antes de ir trabalhar, se eu ainda não tivesse tomado banho. Ainda hoje evita o contacto físico comigo quando sabe que estive em contacto com algo que ele acha que "não está limpo", tipo a parede de um sítio público, ou o meu casaco, se caiu no chão.

Todos os dias faço uma máquina de roupa para que Tony possa secar-se com uma toalha limpa quando sai do banho. Precisa da sua toalha limpa, todos os dias, preferencialmente branca, para que possa ver qualquer mancha que não seja visível numa toalha de cor. Se se limpa com uma toalha manchada, volta a tomar banho e a secar-se com outra toalha, limpa.

Um dia lavei o forro do colchão a uma temperatura muito alta e o plástico derreteu-se nalgumas partes. Tony recusou-se a dormir na cama até substituir o forro. Mesmo depois de o fazer, dizia que não se "sentia limpo" na cama. Uma outra vez, limpei o sofá com o produto errado, Tony evitou sentar-se nele durante três semanas.

Todos sabemos que as relações requerem esforço, mas a pressão pode chegar a níveis inimagináveis quando o mais mínimo dos teus actos pode desencadear uma crise. Tony não verbaliza os seus limites, mas estes ditam os nossos actos de forma silenciosa. Cheguei a pensar no seu transtorno como algo independente: Tony quer amar sem restrições, mas a POC está ali para controlar as nossas vidas. Depois de uma discussão, sei que deseja com todas as suas forças que façamos as pazes, como qualquer outro casal "normal" - com manifestações de afecto, um abraço caloroso e reconfortante - mas o seu transtorno não lhe permite ser assim.

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"Uma vez, limpei o sofá com o produto errado, Tony evitou sentar-se nele durante três semanas".

Chorei tantas vezes por desejar que ele fosse "normal"… Cheguei ao ponto de detestar as actividades de ócio e as ocasiões especiais, porque a elas está associado um maior grau de ansiedade. Tony saiu de restaurantes por se ter sujado com a bebida. Quando vamos a festas, já tenho a lição aprendida e não me atrevo a roubar-lhe um beijo porque desencadearia, imediatamente, um ataque de ansiedade. Uma vez, Tony negou-se a comer o prato que lhe tinham servido num restaurante de luxo, porque tinha deixado cair o guarda-chuva. Na sua mente não há lugar para os acidentes, já que tudo o que faz é premeditado. Nunca se é demasiado cuidadoso e, claro, espera que eu actue da mesma maneira.

Não existe uma cura para a POC, mas, tal como acontece com a maioria das doenças mentais, é possível atenuar os seus efeitos mediante um tratamento e o apoio adequados. Actualmente, Tony segue um tratamento de entre 40 e 60 mg de paroxetina (um fármaco muito comum no tratamento da POC) diariamente. O medicamento ajuda, mas não tanto quanto ele gostaria. Sem o tratamento, a doença dificilmente melhora.

Depois de um ano juntos é fácil antecipar os seus "mal-estares" e tento oferecer-lhe todo o meu apoio. Mas, ajudar alguém com POC é uma tarefa diária e para toda a vida. Vivo em tensão constante, preocupada com o que virá a seguir e entristece-me pensar que seja tão difícil desfrutar das pequenas coisas da vida. Na nossa relação não há lugar para a espontaneidade e, sem espontaneidade, como pode haver romance?

No entanto, é a pessoa que amo. Conhecer o Tony fez-me ser mais compreensiva, mas também me provoca uma profunda tristeza reconhecer que desenvolvi uma certa antipatia com a parte dele que continua a sofrer. Nos momentos de paz devo recordar-me a mim mesma que Tony padece de uma doença paralisante e que, se estivesse nas suas mãos mudar a situação, ele mudaria.

Antes de conhecer o Tony ria-me quando algum amigo dizia coisas tipo: "Meu Deus, aquele gajo é tão obsessivo-compulsivo!". Agora já não me parece tão divertido.