FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

​Tudo que sabemos sobre o caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro

O caso gerou grande comoção e revolta nas redes sociais e está abrindo um grande espaço para discutir sobre a cultura de estupro no pais.
Foto: Filipe Mendes/ R.U.A Foto Coletivo

Na semana passada a internet ficou em choque com o caso de estupro coletivo no Rio de Janeiro, no qual 33 homens doparam, estupraram, tiraram fotos, filmaram e vazaram as imagens na internet. A garota, menor de idade, aparece desacordada no vídeo enquanto os estupradores caçoavam de ter "engravidado de mais de 30". A violência ganhou repercussão após o vídeo ser publicado na conta do Twitter de Michel Brazil (agora deletada) que chegou a dizer que não ia tirar o vídeo do ar.

Publicidade

O estupro aconteceu em uma comunidade na zona oeste do Rio. Segundo a vítima de 16 anos, ela foi encontrar seu ficante, com que se relacionava há três anos e acordou com 33 homens em cima dela portando fuzis e pistolas. Liberada após o estupro, foi encontrada por um assistente social usando roupas masculinas rasgadas. Após toda a repercussão, a adolescente disse que está com medo de represálias, já que homens envolvidos no abuso estão a ameaçando para não seguir com o processo.

Protesto em Recife. Foto: Filipe Mendes/ R.U.A Foto Coletivo

Assim que o caso ganhou repercussão (inclusive internacional), a Polícia Civil fez uma operação na comunidade para apreender suspeitos. Foram expedidos já quatro mandados de prisão temporária para os acusados Lucas Perdomo Duarte Santos, de 20 anos, que nutria um relacionamento com a adolescente, Marcelo Miranda da Cruz Correa, de 18 anos, Michel Brazil da Silva , de 20, que compartilhou o vídeo e Raphael Assis Duarte Belo, de 41. Na segunda-feira (30) mais uma operação foi deflagrada pela Polícia Civil para cumprir mandados de prisão e de busca e apreensão no Morro São José Operário, onde o crime ocorreu. Também foram realizadas buscas na Cidade de Deus, Taquara, Recreio, Favela do Rola e Praça Seca.

A casa onde o crime aconteceu era conhecida como "abatedouro" na comunidade e foi assim batizada porque era um local onde levavam garotas para manter relações sexuais. A própria adolescente descreve o local como "muito sujo". O laudo do exame de corpo delito apontou indícios negativos de violência sexual, por conta da demora da vítima de ter se dirigido à delegacia para denunciar o estupro coletivo. "Não dói o útero, dói a alma", desabafou a garota no Facebook.

Publicidade

A adolescente disse em uma entrevista ao Fantástico que não pensava em denunciar porque estava com vergonha. O que a fez mudar de ideia foi a grande comoção e movimentação feminista na internet prestando apoio. O Ministério Público começou a apurar o caso após cerca de 800 denúncias anônimas chegarem à ouvidoria.

Foto: Filipe Mendes/ R.U.A Foto Coletivo

A vítima também sofreu problemas na delegacia. O delegado responsável pelo caso, Alessandro Thiers (titular da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática -DRCI), foi altamente criticado por conta da completa falta de habilidade de lidar com o caso e conversar com a adolescente. O policial chegou a perguntar se a vítima tinha o hábito de participar de "sexo em grupo" antes de ser estuprada. Na entrevista concedida ao Fantástico, a própria garota denunciou que foi acuada durante o depoimento dado ao delegado, onde mais três homens estavam presentes.

Após solicitar o afastamento do delegado, a advogada Eloisa Samy Santiago já foi dispensada pela família, que agora conta com o apoio da Secretaria dos Direitos Humanos. O caso foi retirado na competência de Thiers e é agora tocado por Cristiana Onorato, delegada titular da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV).

Durante os depoimentos, Ray de Souza, que acompanhava um dos suspeitos na delegacia, chegou a fazer brincadeiras para as câmeras. "Agora eu estou mais famoso que a Dilma", disse ele.

Publicidade

O caso gerou muito apoio e também muita gente desqualificando a vítima. Fotos da menor de idade circularam pela internet com a menor supostamente portando fuzis e frequentando festas. Embora expor menor de idade seja punido por lei, as fotos da menor circularam livremente, junto com o seu perfil pessoal. Alguns internautas já questionam a veracidade das fotos e dizem que muitas são montagens.

Junto com toda chuva de chorume discurso de ódio que foi feito na internet a fim de culpabilizar a vítima, alguns áudios estão circulando nas redes sociais dos próprios suspeitos dizendo que não houve estupro, pois, a própria vítima pediu para ter relações "com a boca inteira". Muitas pessoas também usaram comentários da família que a vítima já usava drogas e frequentava os morros para justificar que não houve nenhum tipo de violência sexual. Um ilustrador brasileiro, Allan Goldman, fez um post no Facebook com um teor extremamente misógino culpando o caso à "ideologia de gênero". Goldman foi prontamente demitido pela Chiaroscuro Studios, que o representava no mercado editorial norte-americano. A declaração da agência diz que decidiu "encerrar o relacionamento com artistas não alinhados com valores que, para nós, são absolutamente inegociáveis". O ilustrador se diz vítima de "lobby" por "militantes de esquerda".

Marcha das Vadias, Recife. Foto: Filipe Mendes/ R.U.A. Foto Coletivo

No fim de semana, diversos atos foram realizados no Rio de Janeiro e na própria Parada do Orgulho LGBT a favor da adolescente e contra a cultura do estupro. O caso foi pauta da 6ª marcha das Vadias em Recife, que saiu contra toda e qualquer espécie de violência física ou moral. No Brasil são registradas cerca de 50 mil denúncias de estupro por ano, e estima-se que apenas 30% a 35% dos crimes são levados às polícia. Em 2013, o IPEA fez um levantamento sobre crimes contra a dignidade sexual que revelaram que a grande maioria dos casos de estupro são praticados por conhecidos das vítimas e 70% incidem majoritariamente sobre crianças e adolescentes.

A campanha #EuLutoContraACulturaDoEstupro foi a mais comentada dos últimos dias e levantou mais diversos outros casos de estupro coletivo, assassinatos e diversas outras violências contra à mulher para lembrar que o Brasil é o sétimo país do mundo que mais mata mulher.

ATUALIZAÇÃO 30/05 16:52: A delegada Cristiana Bento afirmou que tem convicção de que houve o crime de estupro no caso em questão. "A minha convicção a é de que houve estupro. Está lá no vídeo, que mostra um rapaz manipulando a menina. O estupro está provado. O que eu quero agora é verificar a extensão desse estupro, quantas pessoas praticaram esse crime", disse a delegada.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.