FYI.

This story is over 5 years old.

Noticias

Apesar da decisão do STF, aborto continua ilegal no Brasil

Voto de três ministros pela descriminalização na última terça (29) não valem como regra geral, mas abrem importante precedente.

Mulheres em manifestação no Rio de Janeiro em outubro de 2015. Foto: Matias Maxx/publicada originalmente aqui

No meio de uma terça-feira (29) especialmente tensa, com o terrível acidente da Chapecoense e a aprovação em primeiro turno da PEC 55 no Senado com direito a massacre da PM do Distrito Federal, muita gente encarou como gigantesca nova o fato de que a Primeira Turma do Superior Tribunal Federal (STF) tenha se posicionado a favor da descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação no Brasil.

Publicidade

Realmente é um passo importante, mas a ampla comemoração dos setores pró-escolha repercutida nas redes sociais no fim da noite tem seus limites — apesar de significar uma nova jurisprudência, a decisão proferida pelo STF não significa que o aborto até o terceiro mês de gravidez deixou de ser crime no país.

O caso julgado era sobre a revogação da prisão de cinco pessoas, entre médicos e funcionários, que foram detidos em uma operação da polícia do Rio de Janeiro operando uma clínica ilegal em Duque de Caxias. O caso começou a ser julgado em agosto, depois de o ministro Maro Aurélio ter concedido uma liminar em 2014 determinando a soltura dos réus. Na ocasião, Aurélio manteve seu voto como relator afirmando que não existem os requisitos necessários para uma prisão preventiva, como risco de fuga ou ameaça à ordem pública por parte dos réus.

A novidade veio no voto do ministro Luís Barroso, que aproveitou o julgamento para externar a posição de que os artigos do Código Penal sobre aborto — hoje uma mulher que aborte pode ser condenada de um a três anos de prisão, e um médico ou outra pessoa que ajude a realizar um aborto pode ficar preso por até quatro anos — são inconstitucionais. Para Barroso, os artigos 124 e 126 do Código Penal ferem a Constituição por contrariarem diversos direitos constitucionais da mulher, como a autonomia, os direitos sexuais e reprodutivos, a integridade física e psíquica e a igualdade em relação ao homem.

Publicidade

Leia também: "O show de horrores na audiência pública que discutiu a regulamentação do aborto voluntário"

Em seu voto, Barroso sugere que o aborto realizado durante o primeiro trimestre de gravidez seja descriminalizado, e reforça também que na maioria das democracias liberais do mundo a prática não é crime. "O tratamento como crime, dado pela lei penal brasileira, impede que estas mulheres, que não têm acesso a médicos e clínicas privadas, recorram ao sistema público de saúde para se submeterem aos procedimentos cabíveis. Como consequência, multiplicam-se os casos de automutilação, lesões graves e óbitos", escreveu o ministro em seu voto, que foi seguido também por Rosa Weber e Edson Fachin.

A questão é que, apesar dos três votos a favor – Aurélio e Luiz Fux se ativeram às questões processuais do caso — a decisão não afeta diretamente outros casos de aborto do judiciário brasileiro, porque o caso, julgado em específico, não tem a chamada "repercussão geral", ou seja, não vale automaticamente para todos os outros casos tramitando ou que venham a tramitar nas demais varas criminais do país. Significa apenas que, se um juiz quiser, ele pode se arvorar na decisão atual do STF para inocentar alguém acusado de abortar no primeiro trimestre. Porém, esse julgamento não modifica a aplicação atual do Código Penal, e aborto segue sendo crime no país. É possível que isso arrefeça a prossecução desses tipos de casos, mas como o judiciário brasileiro não dá sinais de diminuir a sua sanha punitiva, deve demorar a ter efeito.

Mas existe sim uma questão especialmente positiva no caso, afinal, em tese, já são três votos a favor da descriminalização do aborto no STF, o que pode impactar numa decisão futura, de todo o colegiado (11 ministros no total, que são divididos em turmas para acelerar os trabalhos de casos menores) que tenha repercussão geral. E isso pode chegar mais rápido do que se imagina: está marcado para o dia 7 de dezembro o julgamento sobre a legalização do aborto em casos que a gestante seja contaminada pelo vírus da zika. Embora se tratar de caso específico, o julgamento será feito pelo plenário e terá a tal ampla repercussão, e é remotamente possível que os ministros sigam a onda de Barroso e aproveitem para descriminalizar o aborto em todos os casos.

A posição liberal do STF no caso de aborto não é novidade. Há mais de década é o Supremo que decide por pautas mais progressistas no Brasil, como é o caso da legalização do casamento homoafetivo e que também pode levar à descriminalização das drogas. A seu favor, o STF tem uma Constituição extremamente progressista, promulgada no fim da ditadura militar, e a falta de coordenação política do Congresso. Porém, ao mesmo tempo, o STF também tem decidido contra questões trabalhistas, como é o caso do corte de ponto em caso de greve e o precedente que garante primazia do negociado sobre o legislado nas relações de trabalho.

Siga a VICE Brasil no Facebook, Twitter e Instagram.