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Tecnologia

Como Celulares Contrabandeados Estão Conectando as Prisões Brasileiras

O que acontece quando os criminosos presos têm acesso generalizado à tecnologia de comunicação?

Todas as fotos cortesia de Morten Andersen.

No dia 18 de janeiro de 2013, carcereiros de uma prisão de Joinville cercaram um grupo de detentos e começaram a torturá-los. Durante quatro horas, os homens nus levaram tiros de bala de borracha e spray de pimenta no rosto e corpo. Num vídeo do ataque, os homens são vistos em posição fetal, esperando que tudo acabe.

O contra-ataque dos detentos foi rápido e mortal. Dias depois que o vídeo surgiu na mídia, prisioneiros organizaram ataques por todo o estado de Santa Catarina. Casas de guardas da penitenciária, delegacias de polícia e ônibus foram atacados. “Os detentos decidiram orquestrar o ataque para chamar a atenção da população e das autoridades para questões de gestão do sistema carcerário”, disse o coronel Nazareno Marcineiro, o comandante da polícia militar de Santa Catarina.

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Os ataques em Santa Catarina foram outro capítulo de um reinado de terror de oito anos organizado e executado por detentos brasileiros. Em Santa Catarina, os ataques foram armados pelo Primeiro Comando Catarinense, uma imitação da máfia de detentos mais poderosa do Brasil, o PCC.

Os ataques deixaram centenas de mortos e foram um exemplo chocante do que pode acontecer quando criminosos encarcerados têm amplo acesso à tecnologia de comunicação. Estejam os detentos procurando pelo endereço do guarda que odeiam, organizando uma rebelião ou mesmo comprando barras de ouro com números de cartões de crédito roubados, o PCC tem mostrado que prisioneiros com acesso à banda larga apresentam uma série de desafios.

Celulares confiscados. Imagem: Morten Andersen.

O PCC não é o único grupo a explorar celulares dentro das prisões para organizar crimes, mas poucas gangues presidiárias do mundo conseguem emparelhar sua combinação de acesso a celulares, violência brutal e disciplina organizada. E como o PCC mostrou repetidamente, detentos conectados mudam completamente o conceito de encarceramento. Em vez de estarem isolados como punição, os detentos com acesso a um celular podem organizar assassinatos, ameaçar testemunhas, planejar crimes e até combinar pela internet com uma garota de programa para a próxima visita íntima.

Ano passado, as autoridades brasileiras confiscaram cerca de 35 mil celulares de detentos. Ainda assim, os líderes do crime organizado continuam fazendo e recebendo chamadas, organizando conferências e até realizando julgamentos virtuais, em que os líderes de diferentes prisões usam uma linha comum para debater o destino de algum membro acusado de trair as regras do grupo.

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“Eles [os prisioneiros] organizam execuções pelo telefone. Você nunca esquece quando ouve os chefes do crime votando um depois do outro – 'mata', 'mata', 'mata'… Ouvi esse tipo de conversa muitas vezes”, disse Marcelo Cristino, procurador federal em São Paulo, descrevendo uma chamada de conferência entre cerca de sete líderes do PCC.

Cristino tem combatido o PCC há quase uma década e já ouviu centenas de horas de conversação enquanto os detentos gerenciavam seu empreendimento criminoso por trás das grades. “É tudo muito disciplinado, eles não gritam. Falam um de cada vez.”

O PCC nasceu do crime organizado – pelos guardas das prisões brasileiras. A organização inicial do grupo foi em resposta ao massacre de 111 detentos no Carandiru em 1992. Esse evento instigou os detentos a se organizar e lutar por direitos humanos básicos, apresentando uma frente unificada diante das autoridades prisionais.

Graças aos celulares e a seu estilo e regras como o de um sindicato, os criminosos de São Paulo que eram removidos da sociedade acabavam transportados para um mundo regimentado, disciplinado e organizado não pelo estado – mas pelo PCC.

Comandado por Willians Herbas Camacho, o “Marcola”, o PCC está baseado em São Paulo, a capital econômica do Brasil. Com operações na Bolívia e no Paraguai, o PCC controla amplas áreas do comércio de cocaína e maconha, além de sequestros, prostituição e esquemas de extorsão. Apesar de Marcola estar na prisão desde 1999, seu acesso a celulares permitiu que ele não só controlasse, mas expandisse seu império por cerca de 22 estados brasileiros.

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Usando celulares clandestinos e capitalizando em cima das péssimas condições dos presídios brasileiros, o PCC agora controla dezenas de prisões no estado de São Paulo e tem se expandido para outras penitenciárias do país. O PCC também controla o lucrativo tráfico de drogas e outros contrabandos dentro dos presídios, além dos serviços das prisões e vários golpes de extorsão, que começam com um detento ameaçando um civil do outro lado dos muros pelo celular.

Todo membro do PCC deve fazer um juramento de 16 pontos. O código proíbe o estupro, mas deixa a porta aberta para empreendimentos lucrativos, incluindo roubo a banco e sequestro. Depois de jurar aliança, os membros devem pagar cerca de R$ 55 por mês se estiverem na cadeia e R$ 550 se estiverem do lado de fora.

Quando um jornalista perguntou se ele tinha medo de morrer, Marcola destacou um novo equilíbrio de poder. “É você que tem medo de morrer, não eu. Na verdade, aqui na cadeia você não pode chegar e me matar… Mas eu posso ordenar a sua morte daqui”, ele disse. Referindo-se a seus comandados, Marcola descreveu detentos que “se formaram na cadeia como monstros” e formam “uma nova cultura de matar auxiliada pela tecnologia moderna, satélites, celulares, internet. São 'os merdas' [detentos] com chips, com megabytes”.

Arsenal de presídio. Imagem: Morten Andersen.

Contrabandear celulares para dentro das prisões brasileiras se tornou um nicho. Advogados e visitantes são regulamente pegos tentando entrar com celulares, usando métodos que vão de uma perna de madeira oca a um homem que colou o celular na cabeça e o cobriu com uma peruca afro.

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Em maio de 2009, a polícia no perímetro de Venceslau, uma prisão de segurança máxima em São Paulo, fez outra descoberta incomum. Numa blitz policial de rotina, um grupo de três adultos e um adolescente foi encontrado viajando com um helicóptero de controle remoto, 14 celulares e R$ 1.000.

Quando interrogado, o adolescente confessou que tinha recebido R$ 10.000 de um prisioneiro para comprar o helicóptero de brinquedo, os 14 celulares e alugar um carro. Ele prometeu outros R$ 10.000 se o garoto conseguisse colocar os celulares no helicóptero e aterrissá-lo no pátio da prisão. Mesmo que a polícia tenha se recusado a identificar o mandante, a prisão de Venceslau abriga muitos dos líderes do PCC.

Guardas corruptos supostamente receberiam algo entre R$ 800 e 2.000 para contrabandear celulares. Durante batidas, esses guardas confiscam os mesmo celulares, que depois são revendidos de volta aos detentos. Os guardas também são pagos para contrabandear cartões de recarga para os celulares que já estão dentro da prisão.

Num caso criativo, em 2009, um guarda da Torre II da prisão Danilo Pinheiro notou um pombo equilibrado num cabo de energia do lado de fora do pátio da prisão. O pombo balançava como se estivesse bêbado e tinha um saco amarrado ao corpo. Quando o pombo caiu num terreno vizinho, os guardas o acharam e abriram a bolsa, que continha peças de celular.

No dia seguinte, outro pombo foi pego, dessa vez por guardas da prisão que usaram pão para atrair o pombo e pegá-lo com uma rede. Dentro da bolsa? Um carregador de celular.

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Seis dias depois, um terceiro pombo foi pego com dois celulares, um carregador e um pedaço de papel com o número do detento que deveria receber o pacote. “O uso de pombos-correio para contrabandear celulares para prisões está se tornando comum”, um carcereiro disse à Associated Press. “Os guardas agora ficam de olho nos pombos e nos detentos.”

Cartões pré-pagos são uma moeda dentro das prisões de São Paulo. Com um celular, um detento pode traficar drogas dentro e fora dos muros. E para centenas de detentos brasileiros, isso ajuda a executar um marketing direto simples e brutal. Com ajuda de uma lista telefônica, os detentos ligam para residentes de São Paulo e dizem: “Sou do PCC. Sei onde seus filhos estudam. Se você não pagar, vou sequestrá-los”.

A ameaça termina com uma solução: coloque R$ 200 numa determinada conta de celular e seu filho estará a salvo. Com uma estimativa de respostas positivas de 5%, esses comerciantes do medo “ganham” milhares de minutos em seu celulares ao aterrorizar os moradores.

Embora os detentos saibam que boa parte de suas conversas são monitoradas, ele criaram contramedidas. “Temos um grupo de detentos que fizeram aulas de francês, então eles falam algumas palavras em francês durante a conversa, bem rápido e em código”, disse um investigador de São Paulo que pediu para permanecer anônimo. “Você vê a mesma coisa nas mensagens de texto. Tudo em código e até decifrarmos isso, a droga já foi entregue três dias antes.”

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Usando estratégias de guerrilha e celulares, o PCC evoluiu de uma estrutura de pirâmide para uma estrutura de células independentes mais difícil de penetrar, assim como os grupos terroristas clássicos. Desse modo, um único membro não pode comprometer mais do que uma fração da organização.

Ironicamente, enquanto o grupo é conhecido por espalhar o caos nas ruas, o PCC é reconhecido até pelos críticos por trazer ordem e diminuir os níveis de violência dentro das prisões em seu controle.

“Existe um tipo de acordo entre o pessoal da prisão e o PCC”, disse Júlio Ferreira, um fotojornalista que trabalha em São Paulo. “O acordo é que o PCC não cause problemas na cadeia. Não me arranje problemas e vou fazer vista grossa e deixar você ter o que quiser na prisão – celulares, garotas, maconha, cocaína, bebidas e tudo mais. Todos ficam felizes. O direito da prisão fica satisfeito porque não há rebeliões. Os guardas ficam satisfeitos porque ganham um dinheiro extra – tudo vem de subornos. O PCC fica satisfeito porque mantém seus celulares e suas drogas.”

Mas o acesso onipresente a celulares vem frustrando os esforços do governo para desmantelar o PCC. Em outubro de 2013, o governo de São Paulo anunciou que instalaria bloqueadores de sinal de celular em várias prisões do estado. A ideia era isolar os líderes do PCC e evitar que eles mantivessem uma comunicação com seus tenentes abaixo na hierarquia.

O foco do bloqueio era a Penitenciária Maurício Henrique Guimarães Pereira, uma prisão de segurança máxima no oeste do estado que abriga Marcola. Mas os detentos imediatamente encontraram furos na cobertura: áreas da prisão, conhecidas como “sombras”, ainda tinham sinal. E foi uma chamada de celular de um detento membro do PCC que alertou as autoridades da prisão sobre um plano de fuga que envolvia alugar um helicóptero, protegê-los com coletes à prova de balas e depois sair por cima dos muros da prisão levando os líderes do PCC para longe.

Embora as autoridades tenham se gabado de sua habilidade ao impedir o resgate estilo Hollywood, analistas mais sóbrios imaginam o que isso quer dizer sobre a habilidade de cortar efetivamente a comunicação dos líderes do PCC. Mesmo se os bloqueadores de sinal funcionarem, os prisioneiros, provavelmente, continuam um passo adiante. Membros do PCC estão sendo monitorados agora enquanto tentam comprar telefones por satélite para usar nas prisões. Esses telefones não dependem dos circuitos de celulares normais e e é provavel que poderiam incluir criptografia.

O interesse do PCC em telecomunicações vai bem além de fazer e receber chamadas. Eles já investiram em tentativas de gravar chamadas de celular. Numa série de conversas do PCC interceptadas em janeiro de 2008, a polícia brasileira ouviu os líderes do grupo negociando com seus advogados a compra de um sistema de segurança conhecido como “Guardião”, que poderia supostamente monitorar mais de mil conversas de celulares. O PCC descobriu que a Polícia Federal usava o “Guardião” para coordenar investigações que exigiam vigilância de muitos telefones. As máquinas são vendidas em Miami e, depois de montar uma empresa de fachada, o PCC se preparou para mandar um advogado corrupto de Miami para comprar a máquina por US$ 320.000.

A polícia brasileira frustrou a trama prendendo o advogado antes da viagem a Miami, mas o objetivo do PCC continua claro: estabelecer o que a imprensa brasileira chamou de “uma agência de inteligência paralela”, na qual eles gravariam as conversas dos comandantes da polícia e políticos de alto escalão. Com uma rede alimentada por um excesso de telefones baratos e fáceis de contrabandear, o PCC procura criar uma reversão da justiça, em que os detentos investigam os policiais, descobrem seus crimes e os punem.

Jonathan Franklin é o autor de Os 33, o best-seller sobre a saga dos mineiros chilenos presos numa mina. Ele vive e trabalha na América do Sul, onde contribui para o Guardian e o Washington Post. Siga o Jonathan no Twitter: @FranklinBlog