FYI.

This story is over 5 years old.

Vice Blog

Um Julgamento de Estupro Está Revelando Detalhes de um Ritual Sexual Competitivo de uma Escola de Elite da Nova Inglaterra

Cinco jovens testemunharam na segunda-feira sobre os ritos de uma cultura secreta, que, até agora, só era decifrável para os estudantes que moravam nos dormitórios de estilo gótico do internato de elite.

O internato St. Paul, em Concord, Nova Hampshire. Foto via usuário do Flickr Walker Carpenter.

"Bem-vindo a um exercício de oito semanas de libertinagem, uma exploração do significado mais profundo da expressão sexo sujo."

Owen Labrie, então com 18 anos, estava escrevendo isso para um grupo de colegas da St. Paul, um internato de prestígio de Nova Hampshire. Isso foi em 31 de março, dois meses antes da formatura e no auge do que os estudantes chamavam de "Slaypril e Slay" (abril e maio).

"Vamos explorar várias questões essenciais. A vida na Terra é o paraíso? Ainda há gazelas nessa savana?", acrescentou Labrie.

Publicidade

Cinco jovens testemunharam na segunda-feira sobre os ritos de uma cultura secreta, que, até agora, só era decifrável para os estudantes que moravam nos dormitórios de estilo gótico do internato de elite.

Anteriormente: O julgamento de um suposto estupro numa escola de elite da Nova Inglaterra

Juntos, os jovens contaram uma história familiar de presunção masculina e cultura do estupro entrelaçada a costumes estranhos e perversos da instituição da Nova Inglaterra, onde estudaram políticos, escritores e banqueiros famosos.

O centro dessa cultura, de acordo com os homens no banco das testemunhas: manter segredo e negar a qualquer custo.

Os jurados ouviram as mensagens privadas do Facebook de um pseudogrupo de apoio para adolescentes cheios de tesão chamado de "Slayer's Anonymous" e e-mails sub rosa – uma expressão em latim que significa "sob a rosa" e é usada para denotar confidencialidade.

O foco central das mensagens era um rito de uma década na St. Paul, a "Saudação Sênior". Isso é uma tradição inofensiva ou um jogo sexual sujo, dependendo da pessoa para quem você perguntar. O ritual é crucial tanto para a acusação como para a defesa no julgamento de Labrie, acusado de estuprar uma caloura de 15 anos.

Na Saudação Sênior, alunos prestes a se formar mandam e-mails para estudantes mais jovens que gostariam de "conhecer melhor", como colocou Tucker Marchese, um ex-aluno da St. Paul que testemunhou na segunda. Outro ex-aluno, Malcom Salovaara, disse que a tradição era como uma "dança da última chance".

Publicidade

Se as alunas concordam em fazer a tal saudação, segundo os estudantes que testemunharam, há a expectativa de um encontro no qual aconteça algo: um mero beijo ou até sexo. Esses encontros eram registrados com caneta numa parede da escola. Um placar era mantido.

Os testemunhos sugerem que, entre Labrie e seus amigos, o jogo sexual era cuidadosamente orquestrado.

Na semana passada, a suposta vítima, cuja identidade está sendo mantida em segredo pela mídia, sentou-se no banco das testemunhas durante três dias seguidos para falar sobre o encontro que ela diz ter começado como parte da Saudação Sênior e que terminou em estupro. Labrie, um garoto magro e cabeludo, tinha entrado em Harvard, embora ele, agora com 19, esteja pedindo dinheiro a amigos para pagar sua equipe legal e tenha de encarar 20 anos de prisão por três acusações de abuso sexual.

Em seu testemunho, a garota ofereceu detalhes fortes do encontro; depois, defendeu inconsistências em seu primeiro depoimento durante um exame demorado da defesa. O advogado de Labrie, J. W. Carney, afirma que a interação foi consensual e que seu cliente nunca penetrou a menina – o que, por causa da idade dela, seria considerado abuso sexual no Estado de Nova Hampshire. "Se alguém fizesse algo como apenas dar uns amassos de roupa, isso seria considerado uma variação de sexo, não?", Carney perguntou a Thompson, que foi colega de dormitório de Labrie por três anos.

Publicidade

"Não tenho certeza", respondeu Thompson, acrescentando que Labrie disse a ele que "comeu" a suposta vítima. O colega de Labrie ainda contou ao júri que, quando perguntou ao acusado se ele tinha tirado a virgindade da garota, "ele confirmou".

Os testemunhos sugerem que, entre Labrie e seus amigos, o jogo sexual era cuidadosamente orquestrado. Mais cedo naquele dia, outro estudante testemunhou que acreditava que Thompson e Labrie estavam competindo para ver quem fazia a maior "pontuação".

No banco das testemunhas, Thompson – que está entrando em seu segundo ano na Brown – alegou que isso "não era verdade". O júri ouviu o colega de Labrie e quatro ex-atletas da escola que não estavam sendo acusados, apesar de alguns estarem acompanhados de seus próprios advogados. Antes desse julgamento, eles pareciam aceitar a Saudação Sênior como parte de sua educação em St. Paul.

"Vivemos numa sociedade que não ensina garotos e garotas a dar consentimento ou como honrar esse consentimento." – Nadiah Mohair.

Uma ex-aluna da Philips Exeter Academy, outra escola de elite nas proximidades de Concord que estudou lá dez anos atrás, informa que jogos sexuais acontecem em várias escolas da Nova Inglaterra. Em um caso, ela relembra, garotas estudantes competiam para ver quem conseguia dormir com um garoto de cada dormitório da escola. (Nunca ouvi nada disso na escola pública da Nova Inglaterra onde estudei, cujo aspecto mais notável da vida estudantil era o grande volume de drogas.)

Publicidade

Mas a extensão com que Labrie e seus colegas se devotavam à Saudação Sênior se destaca.

"Nunca ouvi nada assim", frisou Rebecca Roe, promotora de Seattle que trabalhou em casos de abuso sexual por 35 anos e agora representa as vítimas. "Nunca ouvi nada assim nesse nível."

"É deprimente como isso simplesmente não parece melhorar", ela acrescentou. "Isso está cada vez pior. Quando você olha para os alunos das escolas de elite, você está falando de estudantes que planejam ser os futuros líderes dos EUA."

"Vivemos numa cultura que tem essa visão de que 'garotos vão ser garotos'", destacou Nadiah Mohajis, diretora-executiva da Heart, uma organização de Chicago de educação sexual para alunos do ensino médio. "Vivemos numa sociedade que não ensina garotos e garotas a dar consentimento ou como honrar esse consentimento."

Labrie, por sua vez, teve aulas de "conduta sexual" e estupro presumido por ser monitor de dormitório.

O estudante mais jovem a testemunhar – seu nome está sendo mantido em sigilo, já que ele é menor de idade – reiterou não ter achado estranho quando Labrie pediu que ele falasse com a garota em questão. Labrie era o monitor de seu dormitório; além disso, a garota de 15 anos tinha recusado um pedido anterior para se encontrar com ele no telhado de um dos prédios do campus do qual o acusado tinha conseguido as chaves. "É um telhado trancado desde antes de você nascer", Labrie escreveu para a garota, acrescentando "mas, nessa noite, suas dobradiças vão se abrir".

Publicidade

O intermediário de Labrie, também um calouro, falou com a garota enquanto eles estavam trabalhando num projeto de ciências.

"Ouvi falar que você recebeu um e-mail do Owen", ele falou com ela numa mensagem pelo Facebook lida no tribunal.

"Ah, acho que não vou fazer isso", ela respondeu em relação ao convite de Labrie.

"Ele é um cara legal", ele implorou a ela.

Depois de uma conversa de 20 a 30 minutos, segundo o estudante, ela concordou em encontrar o formando.

O mensageiro informou Labrie da decisão dela em outra mensagem pelo Facebook.

"Você é foda", respondeu Labrie. "Te devo 10 mil boquetes." O acusado também ofereceu embebedá-lo na noite antes da formatura.

Labrie estava de olho na garota há um tempo, segundo seus colegas que testemunharam na segunda. Numa lista que ele escreveu em janeiro de 2014, com mais de uma dezena de estudantes com quem gostaria de se envolver nos últimos dois meses de aula, o acusado escreveu o nome dela em letras maiúsculas no topo.

"Quem você quer comer mais que ninguém, mano?", perguntou Salovaara, se comunicando com Labrie no grupo do Facebook.

Labrie respondeu com o nome da vítima de 15 anos.

"(risos) Tá brincando, cara?", perguntou Salovaara.

"Muito gata", respondeu Labrie.

"Ela já tem peitinhos?", devolveu o outro.

Salovaara também explicou para o tribunal outra frase famosa de St. Paul: "Negue até a morte".

Labrie parecia estar familiarizado com isso.

O calouro que o ajudou contou que estava com um grupo de estudantes quando o formando voltou do encontro. Eles perguntaram se ele tinha transado.

Publicidade

"Ele disse que não, mas balançou a cabeça dizendo sim", o calouro relatou aos jurados. Labrie tinha um "sorriso afetado" no rosto, lembra a testemunha.

Mais tarde naquela noite, Labrie admitiu para ele que tinha transado, ressaltando que era para "manter segredo".

Ainda naquela noite, um tempo depois do diálogo com o calouro, Labrie conversou com o amigo Marchese, hoje no segundo ano do College of the Holy Cross, em Massachusetts. Dessa vez, ele foi mais explícito.

"Como você foi do 'Não' para a transa?", Marchese perguntou a ele pelo Facebook.

"Usei todos os truques do livro", Labrie respondeu.

Alguns dias depois, o acusado relembrou um encontro com a irmã da vítima e uns amigos em outra conversa com Marchese.

"Neguei até morte hoje", ele escreveu.

Siga a Susan Zalkind no Twitter.

Tradução: Marina Schnoor