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Como saber se você sofreu ‘wokefishing’

Se um cara se descreve como “feminista” no Tinder, preste atenção em como ele realmente trata mulheres.
Wokefish Dating App Hinge Bumble Tinder Woke Catfish
Imagem via Getty.

Quando eu tinha 17 anos, resolvi ser vegan (eu estava experimentando várias coisas na época, como fazer um piercing no nariz, o que achei que era um grande gesto de rebelião). Bom, mencionei meu veganismo para um carinha com quem eu estava ficando na época, e pra minha surpresa, ele ficou bastante irritado. Ele respondeu com uma palestrinha sobre a importância de apoiar os fazendeiros britânicos. Ainda lembro de uma das mensagens condescendentes dele: “Meu deus, você não vai virar uma dessas feministas vegan, vai??”

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Fiquei confusa. Eu nunca tinha conhecido alguém que odiava “feministas vegan” – então de onde surgiu isso?

Terminei com ele um pouco depois, o que rendeu uma enxurrada de mensagens com uma linguagem bem depreciativa. Isso confirmou o que eu já estava suspeitando: por mais que ele se dissesse uma pessoa “conscientizada” e “woke”, na verdade nossas ideias não batiam. Fui vítima de wokefishing.

“Wokefishing”, resumindo, é quando a pessoa finge ter visões políticas progressistas para atrair parceiros em potencial. Quem faz isso pode se apresentar no começo como alguém que vai para protestos, é sex-positive, antirracista, feminista interseccional que bebe leite de aveia de origem ética e leu todos os livros da Audre Lorde, duas vezes. Mas na verdade, a pessoa está pouco se fodendo pra essas coisas. Ou, como muitas vezes é o caso, a pessoa na verdade é o oposto disso na vida real. É tipo um catfishing, mas pra crenças políticas.

Muita gente já sofreu wokefishing, talvez mais que nunca hoje. Crises como o assassinato trágico de George Floyd e a pandemia de coronavírus jogaram as injustiças sociais no ventilador nos últimos meses, e como resultado, há uma ênfase maior em agência individual quando se trata de desmantelar urgentemente sistemas opressores. Então não é surpresa que os solteiros estejam escolhendo conscientemente parceiros que têm as mesmas visões que eles – assim como não é surpresa que algumas pessoas estão se adaptando para contornar isso.

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Tom*, 23 anos, de Bristol, tem muito a dizer sobre wokefishing. “Lembro que no primeiro encontro com esse cara, falamos sobre racismo no Reino Unido. Nas semanas seguintes, conversamos muito sobre diversificar o currículo e questões cercando a monarquia. O que era incrível! Mas quando a fase de lua de mel acabou, o cara mostrou ser alguém totalmente diferente”, ele diz.

O cara com quem Tom estava ficando não colocava mesmo suas palavras em prática. “Por mais que ele falasse sobre ser conscientizado, ele ria de piadas racistas. Era como se ele estivesse usando ‘guerreiro da justiça social’ como um traço de personalidade, mas fazia o oposto.”

Relacionamentos desmoronando por causa de crenças políticas diferentes dificilmente é algo incomum. Uma pesquisa descobriu que em 2016, mais de 1,6 milhão de relacionamentos terminaram no Reino Unido por causa do Brexit. Um estudo mais recente, de 2018, descobriu que as pessoas têm menos chance de se interessar romanticamente por outros com crenças políticas divergentes das delas. Então, claro, crenças políticas são um fator extremamente válido para considerar num parceiro em potencial: pagando um upgrade no Bumble ou Hinge, você pode até filtrar perfis por certos pontos de vista políticos. Mas e se você só descobrir essa diferença de posições semanas, ou até meses depois de começar a ficar com a pessoa?

Wokefishing pode ser particularmente perturbador e prejudicial se a pessoa vítima disso for de um grupo marginalizado. Hannah, 19 anos, namorou seis meses com o ex. Como Tom, ela achava que compartilhava os mesmos pontos de vista com o parceiro. “No começo, ele falava como achava horrível a ‘branquitude’ de sua educação, e como ele gostaria que o sul da Inglaterra [de onde ele era] fosse mais diverso.”

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Mas as coisas foram mudando da maneira mais extrema possível. “Ele me apresentou para os amigos da cidade natal como a ‘namorada árabe suja dele’ como se fosse uma piada”, ela lembra. “Aí, um dia, ele sentou comigo e disse que já tinha se envolvido com grupos nazistas. Ele disse que antes de me conhecer, ele nunca se casaria com uma pessoa não-branca porque achava que ‘crianças mestiças eram impuras’.” Hannah terminou com ele um pouco depois disso.

Zara, 23 anos, também passou por wokefishing. Depois de um ano de relacionamento com o ex, ela percebeu que algumas das visões dele pareciam estranhas, do um jeito que não eram antes. “Inicialmente, ele parecia um tipo muito filosófico, artístico e disse que lia muito. Ele dizia que era um grande defensor do meio ambiente e que odiava gente como Jordan Peterson”, lembra Zara.

“Mas ele queria debater cada argumento e ser o advogado do diabo o tempo todo. Ele não aceitava que algumas coisas são fundamentais para a identidade das pessoas e não devem ser questionadas”, Zara explica, destacando momentos em que a máscara dele começou a cair. “Uma vez ele tentou argumentar com a minha melhor amiga queer que héteros eram tão oprimidos quanto gays. Achei a necessidade incessante de debater exaustiva e muitas vezes perturbadora, e ele nunca reconheceu seu próprio privilégio.”

Zara terminou tudo depois de perceber que ela “realisticamente não tinha o suficiente em comum com ele”.

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Layla, educadora de sexo e relacionamentos que comanda a conta no Instagram Lalalaletmeexplain, acredita que relacionamentos entre pessoas que realmente pensam de maneira similar têm muito mais chances de ter sucesso a longo prazo. Basicamente: é inútil tentar encontrar um meio termo com um wokefish. “Para pessoas que entendem que crenças políticas afetam direitos humanos, é muito improvável uma relação saudável se sustentar com alguém cujos valores não se alinham com os nossos”, ela explica. “Muitos dos movimentos políticos recentes são baseados em valores morais. São coisas com que você não pode ‘concordar em discordar’, porque têm um impacto direto no bem-estar de outros seres humanos.”

Layla diz que decepções assim podem podem afetar muito as vítimas. “Perceber que você foi enganado por um parceiro romântico pode ser devastador e ter efeitos duradouros”, ela diz. “A pessoa enganada pode começar a questionar toda sua realidade e se sentir incerta com sua habilidade de julgar pessoas corretamente.”

Todo relacionamento é basicamente um processo em andamento de aprender mais e mais sobre seu parceiro, até você saber tudo: de quanto leite a pessoa gosta no chá, até o gosto específico da saliva dela e seu medo profundo de gatos. É normal amplificar ou diminuir certas facetas da nossa personalidade nos primeiros estágios de um relacionamento (por que você vai contar sobre seu amor secreto e obsessivo pelo Simply Red num primeiro encontro?) Mas fingir acreditar em certos valores quando realmente não acredita é um comportamento muito escroto.

Além disso, se você é um wokefish, vale a pena considerar: por que você se agarra a visões que tem vergonha de expressar publicamente?

*Os nomes foram mudados.

@serenathesmith

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