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Entretenimento

Negacionistas das alterações climáticas estão a usar ursos polares como "estandarte"

Um estudo descobriu que, no mundo dos blogs que defendem que está tudo óptimo com o clima da Terra, a situação complicada dos ursos polares é usada para desinformar os leitores.
Um urso polar dorme na neve fresca, no Sosto Zoo, em Nyiregyhaza, Hungria, a 18 de Março de 2018. (Attila Balazs/MTI via AP)

Este artigo foi originalmente publicado na VICE News.

Quando, em Dezembro último, um vídeo de um definhado e esfarrapado urso polar à procura de comida em terra seca apareceu na Internet como um símbolo viral das alterações climáticas, os cépticos aproveitaram de imediato para saírem das tocas. "Apelidei esta prática de filmar ursos polares mortos ou a morrer e espalhar as fotografias pelos jornais e pela Internet de 'pornografia de tragédia' - um tipo de voyeurismo que deixa as pessoas susceptíveis a manipulação emocional", escreveu, na altura, a zoóloga Susan Crockford no seu blog polarbearscience.com. E acrescentou: "A Internet adora isto".

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Na verdade, ninguém sabe se foi o degelo que levou a que este urso em particular ficasse sem comida. O urso podia estar doente e não a morrer à fome por causa das alterações climáticas, como alguns cientistas apontaram. Sem uma autópsia não há certezas. No entanto, um novo estudo, publicado na última terça-feira, 10 de Abril, na BioScience (que funciona através do sistema de avaliação por pares), revela que, de facto, os ursos polares se tornaram numa "espécie estandarte" para os cépticos e negacionistas das alterações climáticas.


Vê: "Shane Smith investiga o verdadeiro custo da negação das alterações climáticas"


Através da observação de 90 blogs - metade deles conhecidos por reconhecerem o papel da humanidade nas alterações climáticas e a outra metade por o negarem -, os investigadores descobriram que os bloggers que não acreditam no degelo ou na situação complicada dos ursos, também são os que passam desinformação aos seus leitores sobre as alterações climáticas e exploram a diferença entre o que os cientistas podem dizer com toda a certeza e aquilo que apenas podem dizer que é provável.

Há uma clara evidência de que as regiões do Mundo onde os ursos polares vivem estão a sobreaquecer mais rapidamente do que o resto do Planeta por causa da actividade humana - e que as populações de ursos polares têm diminuído como resultado disso mesmo. Mas, os ursos no Ártico são difíceis de contabilizar e os cientistas não estão a ser capazes de os localizar em todo o lado onde vão. O que é suficientemente óbvio é que a perda de gelo no mar significa a perda de habitat para os ursos.

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Ainda assim, tanto os defensores da existência de alterações climáticas como os cépticos, viram-se para os queridos ursos polares para tentarem impor as suas respectivas agendas. O carisma e estatuto de culto destes animais (pensa na Coca-Cola) torna-os úteis para os ambientalistas mostrarem como é que as alterações climáticas ameaçam as espécies e os ecossistemas.

"Os cientistas das Ciências da Natureza reconhecem a importância da incerteza", diz à VICE News Meena Bagopal, professora de Biologia na Colorado State University e uma das autoras do estudo. E acrescenta: "De certa forma, isto está a conduzir esse sempre inacabado e dinâmico processo da ciência".

Até um dos cientistas que co-escreveu o estudo alertou para o facto de que "não podemos dizer com certeza, baseados só na filmagem, que a subnutrição daquele urso polar foi causada pelas alterações climáticas e degelo associado", escreveu na altura Steves Amstrup, da organização Polars Bears International, num blog. O problema é que os negacionistas das alterações climáticas, ao tentarem provar que tudo isto do aquecimento global não passa de uma farsa, têm-se agarrado a esta incerteza para, lá está, criarem argumentos negacionistas. "Os blogs que negam o aquecimento global dizem que este nível de incerteza abre espaço para dúvidas", acrescenta Balgopal.

Para muitos destes blogs - como o Watts Up With That? e o Climate Depot - o Ártico está óptimo. Qualquer gelo que derreta tem a ver com ciclos naturais e não com alguma coisa que os humanos tenham feito. "Ursos polares saudáveis e gordos levaram Gore a abandoná-los como ícone das alterações climáticas", lia-se na manchete da homepage do Climate Depot ainda na última quarta-feira, 11 de Abril.

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Os investigadores salientaram uma cientista no seu estudo - Susan Crockford, claro está - cujo trabalho foi citado como fonte principal por 80 por cento dos websites de negacionistas que estudaram.

Crockford é professora na University of Victoria, na British Colombia. Apesar de já ter publicado trabalhos sobre ursos polares através do sistema de avaliação por pares, também publicou em revistas que não seguem esse sistema, como a Global Warming Policy Foundation. O conservador Heartland Institute também financiou algum do seu trabalho. (Ela também publicou, em edição de autor, um livro sobre pessoas que terão sido maltratadas por bandos de ursos polares em Newfoundland)

Crockford atacou veemente o trabalho do estudo publicado na BioScience. Quando uma amostra foi publicada online em Dezembro, chamou-lhe basicamente uma "violação académica".

Numa publicação logo na terça-feira, 10 de Abril, acusou os 14 investigadores de se unirem contra ela para desacreditarem o seu trabalho. "Uma cientista mulher e sozinha, sem o apoio de uma universidade, deve ter parecido uma presa fácil para estes 14 leões da acção climática", escreveu Crockford. E acrescentou: "Contudo, tanta auto-confiança acabou por se virar contra eles e não há mais ninguém que possam culpar sem ser eles próprios".

Crockford desligou o telefone quando a VICE News lhe pediu para elaborar um pouco mais sobre o porquê de achar que o estudo da BioScience é censurável. O seu próprio estudo, que foi bastante citado como já vimos, não foi revisto pelo sistema de avaliação por pares. À pergunta colocada via e-mail de se planeava publicar uma refutação ao estudo numa revista que seguisse esse sistema de avaliação, respondeu: "Vou deixar os autores da peça da BioScience viverem com o medo que que o faça".

Independentemente do pedido de Crockford para que o estudo não fosse publicado, Scott Collins, editor-chefe da BioScience, diz que a publicação "determinou que não havia motivos para tal", apesar de terem levado a sério as suas objecções, de acordo com o New York Times. Crockford, terá mesmo conseguido que fossem feitas duas pequenas correcções.

Cover image: A polar bear curls up in the fresh snow in its enclosure in Sosto Zoo in Nyiregyhaza, Hungary, Sunday, March 18, 2018. (Attila Balazs/MTI via AP)