Relatos das testemunhas do atentado em Barcelona
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Relatos das testemunhas do atentado em Barcelona

“Ver todos aqueles corpos caídos em Las Ramblas é uma imagem que nunca vou conseguir apagar da minha mente.”

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE Espanha .

Às 16h50 do dia 17 de agosto, uma van branca acelerou contra pedestres no boulevard Las Ramblas em Barcelona, resultando na morte de 13 pessoas e deixando mais de 100 feridas. Num ataque similar a tragédias recentes como Nice e Londres, o veículo atropelou pessoas numa área no coração da cidade, avançando por quase 500 metros antes de parar. O Estado Islâmico assumiu a autoria do atentado por meio de sua agência de notícias, a Amaq.

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A polícia catalã, Los Mossos d'Esquadra, confirmou que deteve dois homens "implicados diretamente" no ataque — mas ainda estão à procura do motorista da vã. Autoridades pediram que os moradores de Barcelona permaneçam em casa, apesar de centenas de pessoas terem aparecido nos hospitais para doar sangue. Como as estações de trem e metrô estão fechadas, motoristas de táxi estão fazendo corridas gratuitas e hotéis estão oferecendo camas para pessoas que não conseguiram chegar em casa ou em seus hotéis.

Las Ramblas interditada pela polícia.

Um dos dois homens presos foi pego na cidade de Alcanar no sul da Catalunha, a cerca de 215 quilômetros de Barcelona. A polícia catalã acredita que o ataque foi realizado por uma célula terrorista na área. As autoridades estão trabalhando com a teoria de que o que aconteceu em Barcelona está ligado a uma explosão numa casa em Alcanar na quarta-feira, onde vários bujões de butano estavam armazenados. Uma pessoa morreu na explosão e sete ficaram feridas. Um terceiro incidente ocorreu horas depois do ataque em Las Ramblas, na cidade de Cambrils — a 112 quilômetros de Barcelona. A polícia catalã atirou em cinco homens que atropelaram vários pedestres com um carro, matando uma mulher e ferindo outras seis pessoas. Os cinco homens morreram no tiroteio, enquanto um policial ficou ferido.

O primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy realizou uma reunião de crise com o gabinete do governo catalão em Barcelona. Numa entrevista coletiva, ele pediu uma "resposta global" à ameaça do terrorismo, e também declarou três dias de luto nacional. A prefeita de Barcelona Ada Colau reafirmou no Twitter que "Barcelona é uma cidade de paz. O terror não vai conseguir nos impedir de ser quem somos: uma cidade aberta para o mundo, valente e solidária".

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O ataque em Barcelona é o segundo ato jihadista na Espanha depois de uma série de explosões em trens em Madri em 11 de março de 2004, quando 192 pessoas morreram e mais de 2 mil ficaram feridas. Segundo dados do Ministério do Interior, desde 2004 mais de 220 operações policiais resultaram na prisão de 723 suspeitos de terrorismo jihadista. Alguns deles estavam tentando viajar para zonas de conflito como Síria e Iraque, enquanto outros planejavam ataques em solo espanhol.

Algumas horas depois do ataque de quinta, fui ao bairro de Raval em Barcelona — perto de Las Ramblas. A região foi evacuada, mas as pessoas ainda estavam sendo tiradas de hotéis e restaurantes onde tiveram que permanecer por ordem da polícia. Caminhando por ali, a aparente normalidade de alguns garotos de skate em frente ao Museu de Arte Contemporânea era de um contraste forte com o que tinha acontecido algumas horas antes.

Falei com várias pessoas na área que testemunharam o que aconteceu — algumas foram obrigadas a se esconder em lojas em Las Ramblas, enquanto outras correram para ajudar.

Pere, 23 anos, funcionário de hotel em Girona

Conheci Pere quando ele estava saindo pela porta de trás de um hotel em Las Ramblas, junto com a namorada e uma dúzia de pessoas que finalmente estavam sendo retiradas do local. "Ficamos trancados no hotel por quase quatro horas", ele disse. "Ver todos esses corpos caídos em Las Ramblas é uma imagem que nunca vou conseguir apagar da minha mente."

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Pere testemunhou o ataque de perto. "A van era branca, e o motorista estava usando boné e óculos", ele acrescentou. "Uns 50 de nós nos escondemos num Starbucks próximo antes de sermos levados para o hotel. Foi um caos total e todo mundo estava gritando — uma garota teve um ataque de pânico. Eles nos trataram muito bem e nos deram comida e bebida."

Idris, 36 anos, desempregado, mora em Raval

Quando ouviu sobre o ataque, Idris temeu que o filho estivesse por acaso em Las Ramblas.

Perguntei qual o efeito do ataque, e ele me disse que tinha certeza que isso ia fortalecer o preconceito contra o Islã. "Muçulmanos do mundo todo terão que pagar pelo que esses filhos da puta fizeram", ele disse. "O que eles fizeram não tem nada a ver com religião nem com o Islã."

Ele me disse que se preocupava que a ideologia por trás do ataque possa chegar a seus entes queridos. "Meu filho de seis anos estuda na mesquita do bairro", ele me disse, "e tenho medo que alguém possa tentar fazer lavagem cerebral nele e o encher de ideias ruins".

Banndua, 38 anos, boina verde do Exército Espanhol

Logo depois do ataque, o Ministério do Interior pediu a todos os membros do exército na área para ajudar a polícia. "Ouvi a notícia e decidi vir para o bairro para ver se poderia ajudar", Banndua me explicou. Ele não é de Barcelona, mas estava na cidade para visitar o parceiro.

Segundo Banndua, vários veteranos do exército se mobilizaram através de grupos no WhatsApp. Mas soldados que não estavam uniformizados — como ele — podiam fazer pouco além de dizer aos civis que ruas estavam ou não bloqueadas. "Mas todo mundo que recebeu treinamento sabe o que fazer em uma situação como essa", ele acrescentou.

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Andrea, 23 anos, trabalha no Museu do Jamón em Barcelona

Como Pere, Andrea nunca vai esquecer o que viu durante o ataque. Ela trabalha no Museu do Jamón da cidade, que fica bem perto de Las Ramblas. "Eu estava no trabalho quando meus colegas pediram que eu fosse comprar café no Starbucks de Las Ramblas", ela relembra. "Eu estava lá quando tudo aconteceu."

Ela parou por um momento, com dificuldade para encontrar as palavras. "Quando eu estava dentro do Starbucks, vi uma avalanche de pessoas correndo na minha direção, e consegui ouvir os sons da van atropelando tudo no caminho — pessoas e coisas. Meu instinto me disse para correr para dentro da loja, e me tranquei no banheiro com outras quatro garotas."

Melinda, 35 anos, de San Diego, trabalha com marketing e eventos

"Meu hotel é em Las Ramblas, mas eu estava fora hoje, fazendo um tour por Andorra", me disse Melinda. "Quando voltamos para a cidade, vimos que as ruas estavam bloqueadas e sob controle da polícia."

Perguntei a Melinda como ela se sentia sobre esse ataque terrorista em comparação com aqueles com que os EUA teve que lidar. "É um choque muito difícil de superar", ela disse. "Nunca achei que algo como o 11 de Setembro poderia acontecer nos EUA, e depois dos atentados em Madri em 2004, nunca achei que isso aconteceria na Espanha de novo. Mas agora percebo que isso pode acontecer em qualquer lugar do mundo a qualquer momento."

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