Você come mais lixo do que imagina

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Você come mais lixo do que imagina

O Brasil é campeão no consumo de agrotóxicos no mundo e você come, em média, cinco quilos de veneno por ano.

Foto do topo: Agência Brasil

Carne com data de validade vencida, frango com injeção de água e cabeça de porco em embutidos foram alguns dos motivos que fizeram muita gente repensar seus hábitos carnívoros no Brasil na última semana. E ainda que haja um evidente exagero no anúncio da operação Carne Fraca, a maior ação da PF já deflagrada no país azedou o churrasco do brasileiro. Enquanto isso na internet, veganos e vegetarianos aproveitaram para hastear bandeiras de suas dietas livres de crueldade e significativamente mais saudáveis do que o no regime dos carnívoros. Será?

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Desde 2012, o Brasil é considerado o maior importador de agrotóxicos do mundo — tendo superado até mesmo os EUA. Por aqui, inclusive, há o uso de agrotóxicos proibidos em outros países. De acordo com pesquisa do professor da USP Ariovaldo Umbelino de Oliveira, descrita no seu mais novo livro,  A Mundialização da Agricultura Brasileira, "o consumo mundial de agrotóxicos é de cerca de 2,5 milhões de toneladas e o Brasil responde por mais de 300 mil toneladas".

Para o grupo Slow Food, que busca difundir o acesso à comida de qualidade, o Brasil tem um modelo de produção agrícola que gera alimentos envenenados. Não à toa, em 2015, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) divulgou documento no qual afirma que o país, maior consumidor mundial de agrotóxicos, gera um consumo médio anual de 5,2 quilos de veneno agrícola por habitante.

Um brasileiro come, em média, 5 quilos de agrotóxico por ano.

No Brasil, me conta o biólogo Glenn Makuta, há mais de dez tipos de agrotóxicos em uso que são banidos em outros países. "Temos uma legislação muito frouxa", aponta ele, que faz parte do Slow Food. No capítulo de seu livro em que se debruça sobre os agrotóxicos, o professor Ariovaldo aponta que os herbicidas (38%) dominaram as vendas no Brasil em 2009, seguido pelos inseticidas (30%) e fungicidas (27%), "que juntos somaram 95% dos U$6,266 bilhões de dólares faturados pelo setor".

O professor ainda relativiza as principais áreas em que os agrotóxicos são utilizados no país: "A grande região Centro-Sul concentra territorialmente 92% do uso dos agrotóxicos." Segundo Ariovaldo, os pesticidas são utilizados sobretudo na soja, milho, citros, cana-de-açúcar, café e algodão.

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  • São Paulo 25%
  • Minas Gerais 12%
  • Rio Grande do Sul 12%
  • Mato Grosso 9%
  • Goiás 8%
  • Mato Grosso do Sul 5%

Para Nivia Regina Silva, membro da coordenação nacional do MST e representante do Movimento na Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, "o campo passou por uma 'modernização conservadora' que impulsionou o aumento da produção, mas de forma extremamente dependente do uso dos pacotes agroquímicos — adubos sintéticos, sementes melhoradas e venenos."

Ariovaldo explica que o boom no mercado de agrotóxicos no país aconteceu entre 2002 e 2012. "O mercado brasileiro de agrotóxicos cresceu 190%. O setor movimentou US$ 10,5 bilhões, em 2013, ano de ouro para a agropecuária, que teve supersafra e preços de commodities em alta."

E para além do alto índice de uso de agrotóxicos nas lavouras brasileiras, outro problema está na fiscalização. Isso porque a ANVISA, por exemplo, mede a quantidade de veneno presente em alimentos que já estão nas gôndolas dos supermercados.

Segundo a própria ANVISA, um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado pelos agrotóxicos.

E não melhora. Segundo a própria ANVISA, um terço dos alimentos consumidos cotidianamente pelos brasileiros está contaminado pelos agrotóxicos, de acordo com a análise de amostras coletadas em todos os 26 estados do Brasil, realizada pelo Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (PARA).

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E se você está se pergunta por que se usa tanto agrotóxico em plantações brasileiras, o biólogo Glenn Makuta lembra que os pesticidas, usados originalmente como arma na Segunda Guerra Mundial, ganharam espaço com a ideia mercadológica de que plantando com os venenos certos, sua lavoura renderia mais e sua produção estaria protegida de pragas.

"O problema da monocultura, é que quando você tira a diversidade [da terra] você vai disponibilizar uma abundância de recurso pra alguma coisa", me conta Glenn. "Aí que surgem as ditas 'pragas', porque na verdade essas pragas são apenas uma manifestação de um desequilíbrio que está sendo gerado por uma produção excessiva de uma coisa só."

A incessante busca por produtividade fez do Brasil um dos principais produtores de transgênicos no mundo. As sementes geneticamente modificadas saem dos laboratórios prontas para suportar altas doses de agrotóxicos. "Você consegue matar tudo que está em volta menos aquela planta que você tem interesse", explica o biólogo Glenn. "Isso foi um dos fatores que alavancaram muito a quantidade de agrotóxico consumido no país."

Gado e aves que se alimentam de produtos transgênicos, como a soja e o milho, também têm sua carne deteriorada.

A situação piora quando o biólogo do Slow Food fala que animais — como o gado e aves — que se alimentam de produtos transgênicos, como a soja e o milho, também têm sua carne deteriorada. E antes de demonizar apenas o latifúndio, Glenn Makuta lembra que 70% da alimentação do brasileiro vem da agricultura familiar — espaço que, infelizmente, também faz uso dos agrotóxicos.

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Então, qual a saída? Carla Bueno, interlocutora do movimento #ChegaDeAgrotóxicos defende um Projeto de Lei que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNaRA) que pede, entre outras coisas, o fim da isenção fiscal dos agrotóxicos e o banimento no Brasil de outros pesticidas já proibidos em outros lugares do mundo. Carla me conta que existe um compromisso com Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, para o PL tramitar em comissão especial.

De autoria do atual ministro da Agricultura Blairo Maggi, o Projeto de Lei 6299/2002, por sua vez, pretende ampliar o uso de agrotóxicos no país pedindo novas formas para o registro dos mesmos — ficando a cargo de empresas e não mais dos ministérios —, além de pedir a mudança do nome dos agrotóxicos para defensivos fitossanitários. Para Carla, essa é "mais uma forma de maquiar os produtos, deixando menos claro para a sociedade do que se trata."

Carla fala que ainda que a agricultura familiar tenha uma relação de dependência com os insumos químicos — "tanto quanto o agronegócio" —, a estrutura da agricultura familiar parece mais mais aberta ao debate da redução de agrotóxicos, "isso porque também reduziria os custos de produção", diz ela. "O nosso paradigma científico está muito ligado ao pacote do veneno. Por isso propomos subsídios a uma ciência que produza uma transição agroecológica."

O incentivo à produção agroecológica, consenso entre as fontes ouvidas por esta reportagem, é o caminho que pode fazer a alimentação do brasileiro ser mais saudável. Nívia Regina, do MST, diz que as experiências do movimento procuram justamente ampliar a produção agroecológica. E hoje, por exemplo, já é possível comprar produtos do excedente da produção de assentamentos, todos livres de insumos químicos como: arroz agroecológico, leite e derivados, café, hortaliças,açúcar mascavo e mandioca (farinha).

De forma geral, a perspectiva de quem vive em grandes cidades com o que come é: você come e vai continuar comendo muito lixo. Ainda assim, se você puder — e se o seu dinheiro deixar — se envolver com os meandros da alimentação, a dica do biólogo Glenn Makuta pode ajudar: "Tente conhecer quem produz o alimento que você come".

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