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Serie

'The Keepers' vai assombrar você para sempre

A nova série documental do Netflix começa como um assassinato misterioso e se torna uma saga labiríntica sobre abuso sexual e instituições religiosas.
Quem matou a irmã Cathy? Foto: Netflix/Divulgação

Esta resenha contém spoilers.

Esta matéria foi originalmente publicada na VICE US.

Descrições como "brilhante" e "provocador" vêm à mente assistindo The Keepers, mas parece um tanto insensível usar qualquer um desses adjetivos. A nova série documental do Netflix é tecnicamente entretenimento: sete episódios de um mistério da vida real, lançados todos de uma vez como é o normal agora. Mas chamar isso de entretenimento parece pouco. É uma série angustiante e perturbadora, e vai te assombrar por muito tempo, e por isso ela é obrigatória.

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The Keepers, de Ryan White, começa (e é vendida) como uma série de crime comum. Ela logo nos apresenta ao crime central: o mistério nunca resolvido em torno do assassinato de uma jovem freira, Irmã Cathy Cesnik. A jovem professora desapareceu em Maryland no dia 7 de novembro de 1969; seu corpo só foi encontrado em 3 de janeiro de 1970. O primeiro episódio apresenta a vítima e duas ex-alunas da feira que são obcecadas em descobrir a verdade; faz a ligação com outro assassinato (Joyce Malecki, que desapareceu quatro dias depois de Cesnik); conta os detalhes dos desaparecimentos e mostra as pistas por meio de fotos da época, matérias, testemunhos e diagramas. Aí The Keepers lança o anzol, expondo todos os crimes bizarros de uma comunidade, a igreja e as autoridades locais. Casos acobertados, memórias reprimidas, as falhas da religião e como às vezes você não pode confiar nas instituições que deveriam te ajudar.

O que também diferencia The Keepers de outros documentários do tipo ( The Jinx, Making a Murderer, etc.) é que ele mantém o foco em mulheres — e não apenas na vítima mulher. A série é ancorada nas ex-alunas e detetives amadoras Gemma Hoskings (professora aposentada) e Abbie Schaub (enfermeira aposentada), que usam filtros de café para criar um mural com a rede de pessoas supostamente envolvidas no crime. São duas amigas assombradas pela morte de Cesnik e que dedicam seu tempo a pesquisar e fazer o financiamento coletivo da investigação pelo Facebook. Elas descrevem Cesnik (que morava com outra freira) com carinho, a professora de inglês e teatro da Archbishop Keough High School. Ela era o tipo de professora com que as alunas se identificavam: jovem, entusiasmada e simpática. Ouvindo as ex-alunas falarem sobre ela, o amor é palpável; você consegue ver que Cesnik se importava de verdade.

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Abbie Schaub e Gemma Hoskins. (Crédito: Netflix)

É importante apontar que a Keough é uma escola católica só para meninas, e não apenas pelas razões perturbadoras óbvias. As antigas estudantes pintam um retrato preciso da vida numa escola católica unisex, da excitação nervosa de esperar pela carta de aceitação do colegial até as especificidades dos sapatos bicolor obrigatórios — detalhes tão familiares que me deram arrepios. "Esse deveria ser um lugar seguro", uma mulher relembra. Escolas católicas, particularmente onde aulas de garotos e garotas são dadas em separado, geralmente são vistas pelos pais como alternativas "seguras" ao ensino público ou particular misto, um lugar onde você está livre das distrações do sexo oposto e segura sob a supervisão das freiras. Também é um lugar onde você pode formar laços de irmandade para a vida inteira; não é surpresa que Hoskins e Schaub, décadas depois de se formarem, ainda sejam amigas e compartilhem a vontade de saber o que aconteceu e honrar a mulher que foi tão importante em sua adolescência.

Mas Keough não era um lugar seguro. Cesnik sabia disso, e talvez, como o documentário sugere, tenha sido por isso que ela foi assassinada. Outra mulher central na história é Jean Hargadon Wehner (conhecida como Jane Doe quando abriu o processo), outra ex-estudante que (depois que memórias reprimidas são desencadeadas e ressurgem) descreve o suposto abuso nas mãos do Padre Joseph Maskell, conselheiro da escola. The Keepers não tem medo de contar a história de Wehner, e Wehner também não, descrevendo o abuso em detalhes horripilantes. (Essa não é uma série para assistir toda de uma vez; tive que parar em vários momentos só nesse episódio.) Wehner descreve o outro lado da religião: uma crença inabalável na igreja que se torna uma crença inabalável em seus sacerdotes, mesmo quando eles te fazem mal. Segundo Wehner, Maskell usava sua posição de poder dentro da igreja — e a crença de Wehner no catolicismo, especialmente sua culpa por pequenos pecados — para manipulá-la. Ele tinha que fazer essas "sessões de terapia" para ajudá-la a salvar sua alma, para ajudá-la a ser perdoada. "Eles eram poderosos", diz Wehner, "porque eram representantes de Deus".

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A teoria colocada por The Keepers é que assim que Cesnik descobre sobre o abuso — Wehner acaba contando à professora depois que ela a pressiona por já ter suspeitas — e decide revelar o caso, a freira é assassinada como uma espécie de aviso. Wehner alega que Maskell chegou a levá-la até o corpo em decomposição de Cesnik na floresta e disse "vê o que acontece quando você diz coisas ruins para as pessoas?"

Enquanto a série continua, fica claro que esse não foi um crime num nível micro, mas algo que se expande para incluir mais e mais pessoas que foram cúmplices, que ignoraram os abusos e continuaram colocando Maskell em posições de autoridade. Em 1992, depois das primeiras alegações contra ele, Maskell foi removido como padre do Holy Cross e mandado para um hospital psiquiátrico (o diretor de psicologia L.M. Lothstein explica como padres eram mandados para tratamento sob o disfarce de "depressão"). Em 1993, ele se tornou padre na igreja St. Augustine. Mesmo as autoridades em The Keepers dão de ombros, dizendo que não tinham provas suficientes para investigar Maskell — mais de 30 mulheres disseram ter sofrido abuso; uma caixa que Maskell tinha enterrado com fotos de meninas nuas "inexplicavelmente apagadas" antes de chegar ao tribunal.

The Keepers não tem um final satisfatório — e como poderia? O caso continua sem solução, Maskell morreu em 2001 sem nunca responder pelas acusações, e mais mulheres continuam denunciando seus abusos. Em vez disso, você fica com um sentimento perturbador de frustração e assunto inacabado, mas isso é importante. The Keepers precisa que os espectadores assistam essas histórias horríveis de abuso e escutem as sobreviventes, tanto para o documentário como para suas vidas. Ele precisa que acompanhemos essas mulheres poderosas: Cesnik, que acreditava em suas alunas; Wehner, tendo a coragem de compartilhar o que aconteceu com ela; e Hoskins e Schaub, que nunca desistiram de honrar sua professora e continuaram investigando quando — e especialmente quando — ninguém mais iria dar continuidade ao caso.

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Tradução: Marina Schnoor

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