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Entretenimento

Como 'Louca de Dar Nó' inventou a comédia de minas maconheiras

Anos antes de 'Broad City', o mundo não estava pronto para a obra-prima chapada de Gregg Araki e Anna Faris.
MS
Traduzido por Marina Schnoor
First Look International

Texto originalmente publicado na VICE US.

O mundo não estava preparado para Smiley Face [que ganhou o lindíssimo subtítulo Louca de Dar Nó no Brasil]. O filme hilário de Gregg Araki, sobre uma atriz desempregada que acaba acidentalmente comendo uma fornada inteira dos cupcakes de maconha do colega de apartamento bizarro, estreou num único cinema norte-americano em 16 de novembro de 2007. Ele acabou sua curta temporada com uma bilheteria doméstica de US$9.397. Apesar de muitos críticos terem elogiado a atuação de Anna Faris, eles também definiram o longa como um “filme de meia-noite” ou “mumblecore através de uma névoa da maconha”. Quando menciono o filme, a maioria das pessoas nunca nem ouviu falar, quanto mais o assistiu.

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Isso provavelmente explica por que Broad City, que começou como uma web série em 2009 e passou para o Comedy Central uns quatro anos depois, acaba levando o crédito como o pioneiro em comédia de minas chapadas. Smiley Face teve um impacto tão pequeno quando estreou que geralmente é omitido de celebrações de damas maconheiras que recentemente invadiram a cultura pop e das linhas do tempo do arquétipo. Sem querer desrespeitar Abbi e Ilana — que fazem uma das séries mais divertidas da TV há quatro temporadas —, mas suas personagens jovens, brancas, com educação demais, desempregadas e hedonistas têm uma ancestral óbvia em Jane F de Farris.

Filmado em cerca de três semanas em Los Angeles, Smiley Face reconta um dia espetacularmente desastroso da vida neurótica, sem rumo e frequentemente intoxicada de Jane. Depois que seu colega de apartamento Steve (Danny Masterson), que pode ou não transar com caveiras humanas nas horas vagas, vai trabalhar, ela não consegue resistir e come um dos cupcakes caseiros que ele está guardando para uma reunião com seus amigos nerds. Aí ela acaba devorando todos eles. Enquanto começa a bolar um plano para assar uma nova fornada sem ter que perder um teste importante, Jane percebe que está perigosamente chapada, e vai ficar assim por horas.

Claro, suas tentativas de acertar as coisas só pioram a situação. O traficante de Jane (Adam Brody, arrasando como um cara branco de dreads) diz que vai levar os móveis dela se ela não pagar o que deve — hoje. Enquanto cozinha, ela acaba queimando a maconha substituta. Quando ela finalmente chega ao teste, ela não só bomba como tenta vender para a diretora de elenco quadrada (Jane Lynch) sua posse mais valiosa, um saco de “maconha do governo” que agora os californianos podem comprar facilmente com uma receita. À tarde, depois de fazer uma corajosa jornada por LA com ajuda de alguns conhecidos e estranhos (John Cho, John Krasinski, Danny Trejo, Jim Rash e Brian Posehn aparecem no filme), agora ela está fugindo da polícia. Não preciso nem dizer que ela não está nem perto de fazer aqueles cupcakes.

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Se tem uma atuação melhor de comédia física que a de Faris em Smiley Face, eu nunca assisti. Ela tem crises de riso sem explicação. Quando não está tentando lidar com uma treta ou outra, ela usa lógica chapada cada vez mais sem noção para planejar seu próximo passo. Assistimos a suas expressões de confusão, medo e maravilhamento na sua cara de queixo caído e olhos meio fechados, enquanto uma dublagem revela o que ela está pensando. (Numa das melhores partes, Jane esfrega a barriga e ri de uma viagem que a leva de lasanha ao gato Garfield até o presidente Garfield.) Em certo ponto, os sons de broca e bebês chorando num consultório de dentista a fazem viajar na sala de espera como um soldado sob fogo inimigo.

Como é bonita e loira, Faris já interpretou líderes de torcida, coelhinhas da Playboy e garotas dos sonhos de todos os tipos. Mas Jane, de camiseta e moletom largo, não é um sex symbol. Como Abbi e especialmente Ilana, ela é uma sensualista, mais interessada em satisfazer seus próprios desejos que atender aos outros. Em vez de torná-la um objeto para uma sala cheia de caras babarem enquanto fumam um bong, Araki e o roteirista Dylan Haggerty constroem o filme ao redor dos pensamentos dela. A decisão de dar apenas papéis menores para os homens no filme fazia sentido para Araki, um veterano do Novo Cinema Queer que passou 20 anos subvertendo os tropos cansados sobre jovens antes de fazer Smiley Face.

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E apesar de todas as suas maluquices, Jane acaba se mostrando surpreendentemente complexa. A assistimos fazendo coisas incrivelmente idiotas, mas fica claro que ela na verdade é inteligente. Seus anos na faculdade de economia são uma piada recorrente; ela corrige a noção errada de Reagonomics do traficante e tropeça numa primeira edição do Manifesto Comunista. Seus monólogos são tão eloquentes quanto desvairados. E como ela conta, seu passado está cheio de amizades estragadas, fins de relacionamentos e surtos nervosos.

Claro, Jane não é a primeira maconheira visível da cultura pop. Séculos antes do nascimento de Cristo, os sumérios associavam a cannabis à deusa Ishtar. Você pode agradecer à sócia de Gertrude Stein Alice B. Toklas e sua receita de fudge de haxixe pela abertura de um novo mundo de comestíveis de maconha. Janis Joplin, a prototípica mina hippie muito louca, cantou uma ode a “Mary Jane”. As mulheres da geração de Faris cresceram ouvindo “Pass That Dutch” de Missy Elliott e cantando junto “my girls rock Chanel and smoke mad marijuana” com Lil' Kim. Em 2012, já havia “gatas maconheiras” suficientes no cinema e TV para inspirar uma lista do Complex. (Vou te poupar o clique aqui: Faris é a número 12. Milla Jovovich em Jovens, Loucos e Rebeldes é a número 1. Ela deve estar orgulhosa.)

Mas a maioria dessas personagens são interesses românticos ou mote de piadas. Smiley Face foi o primeiro filme com protagonista mulher a entrar para uma filmografia que inclui Cheech e Chong, Jovens, Loucos e Rebeldes, Pra Lá de Bagdá, O Grande Lebowski, Sexta-feira em Apuros e a trilogia Harold e Kumar, só para mencionar alguns dos filmes mais amados com caras maconheiros. O roteiro de Haggerty, a direção de Araki e a atuação de Faris estabeleceram as colegas mulheres desses personagens como inteligentes, descontraídas, divertidas, e aventureiras e preguiçosas ao mesmo tempo, com um toque de uma tristeza lá no fundo. Alguns anos depois, essa persona começou a aparecer na música. De repente, Lady Gaga e Miley Cirus eram maconheiras. Courtney Barnett achou um público fora de Melbourne com músicas sobre fumar maconha e ficar o dia inteiro na cama. Apesar de Rihanna ser a rainha das maconheiras, a maioria dessas mulheres são brancas — o que deveria fazer todo mundo que comemora essa nova renascença das minas chapadas dar uma pensada.

O que Broad City acrescentou ao arquétipo foi uma sensibilidade feminista e positividade com o sexo, além do ingrediente ausente mais notável na vida de Jane: amizade. O resultado não é necessariamente mais engraçado que Smiley Face, que envelheceu muito bem nesses dez anos, mas mais otimista. Por mais imperfeitas que sejam, Abbi e Ilana nunca enfrentam as consequências de suas muitas cagadas sozinhas. Como Harold e Kumar, Cheech e Chong e aqueles bros de Cara, Cadê Meu Carro?, elas não têm só a maconha — elas têm uma a outra.

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