Bolsonaro ainda não mostrou o que ele realmente planeja para o Brasil
Jair Bolsonaro no Roda Viva. Foto: TV Cultura/Reprodução

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Bolsonaro ainda não mostrou o que ele realmente planeja para o Brasil

Até quando o candidato conseguirá escapar das questões sobre seu possível plano de governo?

Parece que a prometida “bala de prata” contra Bolsonaro era de festim. Há meses os opositores do deputado federal e candidato à presidência pelo PSL davam a sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, como favas contadas para frustrar sua posição de primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto nos cenários da corrida presidencial que excluem o ex-presidente Lula. A matemática parecia simples: com sua notória incapacidade de estabelecer raciocínios complexos ao falar em público, Bolsonaro morreria pela própria boca. No fim das contas não foi bem assim.

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A participação do deputado no programa na noite desta segunda-feira (30) rendeu a segunda melhor audiência da Cultura em 2018. Bolsonaro foi sabatinado por um time que incluiu Daniela Lima, editora da Folha de S. Paulo, Thaís Oyama, redatora-chefe da Veja, Maria Cristina Fernandes, do Valor Econômico e Bernardo Mello Franco d’O Globo. Não é um time que se despreze, mas acontece que os entrevistadores ficaram muito próximos do universo de polêmicas das quais Bolsonaro vêm se alimentando nos últimos anos.

Questões a respeito do passado militar do capitão reformado e sobre o legado da ditadura civil-militar de 1964 dominaram a sabatina, seguidas por perguntas sobre democracia, corrupção, segurança pública e racismo/ cotas raciais — ou seja, para quem acompanha as polêmicas cotidianas alimentadas por Bolsonaro, mais do mesmo. Até os aliados do candidato reclamaram do foco do programa no passado: Frederico D’Ávila, coordenador do programa do setor ruralista de Bolsonaro e candidato a deputado federal pelo PSL em São Paulo, reclamou das "poucas perguntas sobre o futuro do nosso país".

É certo que bizarrices como a negação do legado da escravidão (dizendo que os portugueses “nem pisaram na África") e easter-eggs para fãs como a declaração de que seu livro de cabeceira é o de memórias do torturador da ditadura Brilhante Ustra até engajaram a oposição ao deputado, mas deixaram de fora o que, para muitos, são os principais problemas de um Bolsonaro presidente: a sua falta de propostas e capacitação para liderar um país do tamanho do Brasil.

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Não à toa, duas das questões que renderam respostas mais desconcertadas do candidato diziam respeito a questões concretas do Brasil hoje. Para resolver o problema grave do desemprego no campo, sugeriu uma modificação na CLT para acabar com as folgas dos trabalhadores rurais. Questionado sobre o aumento dramático na mortalidade infantil no país, perdeu a linha, se enrolou e improvisou uma resposta falando da saúde bucal das gestantes. Não muito diferente da sua insinuação em militarizar creches e que a solução para o turismo brasileiro está na liberação das armas. Só faltou responder com o quase bordão “não sei nada sobre isso, mas vou colocar alguém que sabe”, que já usou exaustivamente para se livrar de qualquer aprofundamento a respeito da economia brasileira.


Assista ao trailer do nosso documentário "O Mito de Bolsonaro".

Oportunidades perdidas à parte, é importante perceber que questões como renda, emprego, saúde e educação são essenciais em qualquer eleição. Por mais caro que seja às militâncias à direita e esquerda, questões sobre, por exemplo, a ditadura militar, na verdade têm pouca tração entre o eleitorado médio. Mesmo Trump, com quem Bolsonaro adora se comparar, tinha lá suas propostas concretas para questões econômicas e mesmo de saúde — inclusive é provavelmente essa percepção da capacidade de gerir a economia que mantém Lula à frente da disputa, mesmo atrás das grades.

Se quiser evitar o provável derretimento eleitoral de seus oito segundos de TV (ou 12, agora que, segundo o Intercept, o PRTB de Levy Fidélix aceitou colocar o general aposentado Hamilton Mourão como vice de chapa), Bolsonaro vai precisar encarar ainda mais entrevistas e debates, o que pode ser mais perigoso para sua candidatura do que parece.

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