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Vimos o Exército Egípcio Dar Seu Golpe Militar no Cairo

Enquanto o clima de festa tomava conta da Praça Tahrir, pessoas da Irmandade Muçulmana choravam de joelhos no chão.

Foto por Justin Wilkes

Ninguém quer uma guerra, foi isso o que todos disseram. Mas assim que o sol se pôs, rapidamente começou a parecer que o Cairo estava bem no meio de uma. Manifestantes que tinham lotado Nasr City para apoiar o presidente islâmico Mohamed Morsi — agora deposto e preso num luxuoso clube de oficiais por sua própria Guarda Republicana — se encolheram atrás de blocos de motor de carro na praça mal iluminada, tentando fugir dos atiradores que disparavam na nossa direção dos prédios de apartamento em volta. Apenas alguns minutos antes, o líder da Irmandade Muçulmana tinha lido a declaração do Conselho Militar que todo o Egito estava esperando. Do alto do seu pódio, alegremente iluminado com lâmpadas coloridas, ele leu as duras palavras que os simpatizantes do presidente tanto temiam: a Constituição havia sido suspensa e o flerte de um ano do país com a democracia representativa havia chegado ao fim.

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Assim que essas palavras foram lidas, adultos caíram de joelhos, chorando ou sacudindo porretes no ar prometendo vingança. Dentro de poucos minutos o primeiro tiro ecoou, e o primeiro ferido foi arrastado para fora da praça.

Um simpatizante de Morsi beija uma foto do presidente no protesto do lado de fora da Universidade do Cairo.

O mais estranho foi o quão festiva era a atmosfera um pouco antes, aqui mesmo no coração da Irmandade, um tipo de Festival de Glastonbury só de islâmicos barbudos, com o mundo bizarro dos rebeldes da Praça Tahrir a poucos metros dali. Homens — e algumas mulheres, devo acrescentar — dançavam e cantavam debaixo de grandes alto-falantes em apoio ao presidente e à charia, gritando sua vontade de morrer pelo Islã. Crianças de hijab passeavam por ali, de boca aberta com as barraquinhas de brinquedos chineses baratos e vendedores de espiga de milho agrupados em torno de seus braseiros. “Não somos terroristas”, uma mulher disse, chorando de frustração enquanto falava com a gente, “eles dizem que somos, aqueles rebeldes, mas não somos. Eu, eu não sou da Irmandade; sou só uma pessoa comum, uma muçulmana. Estamos aqui para apoiar nossa democracia, nada mais”.

Simpatizantes de Morsi mostram o Corão enquanto se reúnem na cena dos combates mortais.

Atrás dela os homens da Irmandade marchavam em falanges, armados com porretes, capacetes e o desejo de morrer, rumo às barricadas onde encararam o exército frente a frente pela primeira vez nessa crise política. Os veículos blindados cor de areia que o exército trouxe até as barreiras — as fronteiras do último reduto do governo islâmico no Cairo — tinham se retirado uma hora antes, depois que manifestantes mais jovens subiram em cima deles, agitando suas bandeiras e tentando convencer os soldados de cara fechada a não destruírem seu acampamento de protesto.

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Quando os veículos blindados deram a volta, a multidão irrompeu em aplausos e gritos de “Allahu akbar!”, mas sua vitória durou pouco. Soldados, alguns uniformizados, outros não, tinham enchido os telhados que davam vista para a praça, as silhuetas dos canos dos rifles desenhadas pelo pôr do sol. “Pensamos que o exército estava do nosso lado, pelo menos até ontem (quando mais de 20 manifestantes, em sua maioria partidários do presidente, foram mortos em confrontos com agressores desconhecidos). Mesmo agora, talvez — esperamos —, eles estejam aqui para nos proteger dos rebeldes.” Mas os veículos blindados estavam voltados numa certa direção — na direção dos simpatizantes do governo. Mas no protesto dos rebeldes, alguns metros rua abaixo, a cena era outra.

Protesto do lado de fora do Clube da Guarda Republicana em Nasr City, um opositor de Morsi segura um cartaz pedindo intervenção militar na turbulência política no Egito.

Foto por Justin Wilkes

Num mar de bandeiras do Egito e camisas polo, os simpatizantes do movimento antigoverno Tamarod marchavam e davam voltas em frente ao clube de oficiais onde Morsi era mantido como prisioneiro por seus próprios guarda-costas. Soldados à paisana com Kalashnikovs montavam guarda sobre a multidão de classe média. Por trás dos óculos escuros de grife, combinando requintadamente com seu hijab rosa, um mulher de meia idade segurava um cartaz para nossa câmera condenando Obama por “apoiar terroristas”: “Eles não são egípcios, essa Irmandade Muçulmana. Eles o trouxeram para cá, sabe, da Chechênia, do Afeganistão”.

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Os dois lados afirmavam representar o verdadeiro e eterno Egito. Atrás das linhas da Irmandade, todos diziam representar a pura religiosidade do fellahin e os pobres das cidades: “Queremos apenas democracia —  e a charia, claro. Nenhum egípcio de verdade quer ver as pessoas bebendo álcool nas ruas e fazendo sexo falso”. Do outro lado das barricadas, o movimento antiMorsi disse praticamente a mesma coisa sobre serem os verdadeiros egípcios, mas em roupas melhores e dirigindo carros caros.

Foto por Justin Wilkes

Saímos do protesto na frente da Irmandade quando a multidão se voltou contra nós, nos acusando de sermos “espiões dos rebeldes”, e nos ameaçando com seus porretes. Tiros de rifle soavam preocupantemente à frente enquanto corríamos para a segurança da rua principal. Nos apartamentos acima de nós, famílias inteiras agitavam bandeiras, ululando sobre a queda de seu presidente eleito e as mortes de seus colegas egípcios alguns metros dali, festejando enquanto as tropas isolavam Nasr City do resto do Cairo atrás de muito arame farpado. Idosas distribuíam doces enjoativos em comemoração; fogos de artifício e tiros de rifle estouravam por todo lado.

Foto por Justin Wilkes

Enquanto escrevo isso, o centro do Cairo é um mar de veículos buzinando e multidões em festa, com helicópteros de ataque dando voltas sobre nós. Um juiz escolhido pelo exército é agora o rosto do regime militar, apagando um ano de governo democrático nos últimos 60 anos de história egípcia. Amanhã, o centro do Cairo ainda estará celebrando, enquanto a Irmandade estará escondida, lambendo suas feridas e planejando um novo rumo. A democracia não funcionou para eles, ou para o Egito: parece que as pessoas não queriam isso. O Egito acorda hoje com a estabilidade dos tanques que tanto ansiou nos últimos dois anos.

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Assista nossa transmissão ao vivo direto do Cairo aqui.

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