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Relembrando o grupo por trás do primeiro disco de rap julgado como obsceno nos EUA

O cofundador do 2 Live Crew Fresh Kid Ice fala como ‘As Nasty As They Wanna Be’ fez dele o primeiro rapper asiático de sucesso no país.
Foto por Jake Katel.

Matéria originalmente publicada na VICE US.

Lil Wayne disse uma vez: "Você pode ganhar milhões rimando sobre xoxota". E ele está certo — mas nem sempre foi assim. A liberdade de expressão no hip-hop foi altamente contestada no passado. Em 1990, o grupo de hip-hop de Miami 2 Live Crew foi literalmente julgado por seu disco sexualmente carregado, As Nasty As They Wanna Be de 1989.

Quem curte rap provavelmente conhece o líder do 2 Live Crew, Luther "Uncle Luke" Campbell, ainda que o cofundador do grupo, e a única pessoa que aparece em todos os álbuns do 2 Live Crew, seja uma figura igualmente importante. Ele é "The Chinaman", mais conhecido como Fresh Kid Ice, o primeiro rapper de descendência asiática a se destacar na cena americana. É impossível não notar a ironia de um cara asiático — uma das demografias mais dessexualizadas na cultura americana — como cofundador de um dos grupos de hip-hop mais sexualmente explícitos da história.

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Fresh Kid Ice lançou recentemente sua biografia, My Rise 2 Fame. Esse é tanto um livro de memórias quanto um conjunto de conselhos sobre a indústria da música, e não perde tempo em abordar a essência do 2 Live Crew: nas primeiras páginas, ele escreve como "garotas eram comidas, chupadas e cobertas de porra [no palco] enquanto os shows do 2 Live ficavam cada vez mais pervertidos". Ele descreve o número de mulheres com quem transou assim: "Menos do que Wilt Chamberlain, mas mais que você e todos os seus amigos juntos". O livro também aborda o lado controverso da fama — falando de problemas financeiros por mau gerenciamento, e o abuso e objetificação de mulheres.

Fresh Kid Ice nasceu em 1964 como Christopher Wong Won em Port of Spain, em Trinidad e Tobago. "Sou um afro-chinês, minhas duas avós eram negras", ele diz durante uma conversa por telefone. "Meu avó era cantonês." Durante a infância, Fresh Kid Ice mergulhou no ritmo e sensualidade da música caribenha ao seu redor: "As garotas dançavam nos festivais rebolando a bunda — esse tipo de coisa".

Em 1977, a família de Fresh Kid Ice se mudou para o Brooklyn, em Nova York, bem a tempo para que ele testemunhasse o nascimento do hip-hop. Tanto em Trinidad como nos EUA, ele era zoado por causa de suas raízes asiáticas. "Eles faziam piada com meu sobrenome e me chamavam de 'Wonton' [uma espécie de bolinho chinês]", ele diz sobre as provocações dos colegas. Sua criação foi parecida com a de muitos asiáticos: "Chris tinha pais muito severos, então ele não era um moleque baderneiro", escreveu em My Rise 2 Fame um ex-colega de classe. Uma ex-namorada teria dito: "Chris era tão tímido e doce, um perfeito cavalheiro, que vê-lo como Fresh Kid Ice foi um choque".

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Em 1985, Fresh Kid cofundou o 2 Live Crew na Califórnia com o DJ Mr. Mixx e Amazing Vee. No ano seguinte, depois do lançamento do single "Throw the D", o grupo foi descoberto por Campbell, que fez os caras assinarem com sua gravadora, os trouxe para Miami e se juntou ao grupo como líder. Pergunto a Fresh Kid Ice se ser asiático mudou a trajetória do 2 Live. "Quando começamos, muita gente não sabia que eu era asiático", explica. "Mas quando os clipes saíram, isso basicamente colocou o grupo no mapa. Outras pessoas diziam: 'Caramba, esse cara podia ser eu. Eu não sabia que um cara asiático podia rimar assim!'"

Foto cortesia de Jake Katel.

As Nasty As They Wanna Be ganhou disco duplo de platina, parcialmente com ajuda de uma decisão do juiz do Distrito da Flórida Jose Gonzalez em 1990, declarando esse o primeiro disco legalmente obsceno da história depois de uma campanha contra o grupo que incluiu o xerife do Condado de Broward, o então governador Bob Martinez e o vice-presidente Dan Quayle. Dois anos depois, o Tribunal de Apelação de Atlanta derrubou a decisão, abrindo precedente para que o rap fosse tão safado quanto quisesse — e o 2 Live Crew podia ser tão safado nos discos quanto era na vida privada.

"Tenho um monte de histórias", diz Fresh Kid Ice, rindo. "Quando chegávamos no lobby do hotel durante as turnês, os fãs estavam lá nos esperando, garotas ou caras com as irmãs ou namoradas… e a gente dizia [para os caras]: 'Vocês relaxam aqui enquanto levamos sua irmã ou sei lá o que lá pra cima'. Tarde da noite, alguém sempre aparecia na nossa porta perguntando 'Cadê ela?!'"

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"Isso causava um pouco de drama", continua Fresh Kid Ice. "Estávamos em turnê com Jazzy Jeff e [Will Smith]. Alguém levou uma garota para o quarto e o pai dela veio bater na porta de todo mundo a procurando. [O Will] teve que pular pela janela para se safar!"

Os EUA sofrem com uma escassez de sex symbols e rappers asiáticos, mas quando pergunto a Fresh Kid Ice se ele foi tratado de maneira diferente por causa de sua etnia, ele parece confuso com a pergunta: "As garotas sempre gostavam de mim porque eu era diferente. Eu parecia diferente — e em vez de reclamar, usei isso a meu favor."

A mesma dica se estende para o conselho de Fresh Kid Ice para asiáticos na indústria da música. "Não podemos mais dar desculpas", diz. "Hip-hop é um gênero para todo mundo — música é internacional — então seu sangue não deveria fazer diferença. Vejo o Psy: ele é sul-coreano e gravou um dos maiores álbuns dos últimos tempos."

"Os asiáticos estavam lá no começo do hip-hop, mas como DJs", Fresh Kid Ice continua. "Ficávamos no fundo ou nos bastidores, mas aprendemos com os nossos erros. Muita gente nos vê como passivos, mas às vezes ser passivo significa que você está aprendendo. Agora acho que estamos no mesmo patamar que todo mundo. [Um rapper asiático] precisa aparecer e se destacar."

Com o rap asiático ganhando mais reconhecimento, Fresh Kid Ice vai ser lembrado como um pioneiro que ajudou a abrir caminho para a liberdade de expressão no hip-hop. Ele também mostrou ao mundo como um MC asiático pode ser carismático.

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Tradução: Marina Schnoor

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