A tragédia de XXXTentacion
Screenshot de uma entrevista de XXXTentacion para a XXL

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análise

A tragédia de XXXTentacion

Talvez a receita do sucesso do rapper, morto aos 20 anos, tenha sido a homofobia, misoginia e racismo que marcaram sua trágica e curta vida.

Em 8 de outubro de 2016, Jahseh Dwayne Onfroy foi preso pela segunda vez em sua vida adulta em Broward County, na Florida, por acusações de violência doméstica contra uma vítima grávida, cárcere privado e coação de testemunha. Ele defendeu sua inocência e foi liberado após pagar uma fiança de 10 mil dólares, mas logo foi detido novamente pela polícia por violar a prisão domiciliar que cumpria pelo crimes de roubo e posse ilegal de arma de fogo que cometeu em 2016. Enquanto aguardava seu julgamento por trás das grades, Onfroy, sob a alcunha de XXXTentacion, viu uma faixa que tinha lançado no SoundCloud ao fim de 2015, “Look at Me!”, finalmente subir ao topo das paradas.

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Daqueles meses em diante, XXX teve uma carreira meteórica na música. Depois de dois álbuns que alcançaram, respectivamente, segundo e primeiro lugar na Billboard, singles com mais de 200 milhões de execuções no Spotify e um espaço entre os freshmen da XXL de 2017, o rapper teve um destino trágico na última segunda (18), quando foi baleado em Broward County e, num aparente latrocínio, morto aos 20 anos

A morte de XXX foi tão violenta e controversa quanto sua curta vida. Seu falecimento foi muito lamentado por colegas rappers (Kanye West, J. Cole, Ski Mask the Slump God, Gucci Mane, Future, Pusha T e muitos outros fizeram homenagens a XXX nas redes sociais) e entre seus fãs – de ontem para hoje, cinco faixas do rapper entraram para as 50 mais ouvidas do Spotify nos Estados Unidos, além de “SAD!”, que já estava na lista e subiu para a segunda posição. Os comentários de luto, porém, era intercalados com postagens que consideraram a morte de XXX o fruto que ele teria colhido dos crimes que cometeu.

Punch, presidente da gravadora Top Dawg Entertainment (que já tinha saído em defesa do rapper quando suas músicas foram retiradas das playlists curadas pelo Spotify em maio desse ano) escreveu pelo Twitter: “Estou lendo os comentários. Vocês são nojentos. Saiam da internet por um tempo e vão pegar um pouco de ar e luz do sol. Vão falar com pessoas pessoalmente. Isso ajudará na sua perspectiva em relação à vida. Como a tolerância realmente funciona? Será que isso inclui a todos ou apenas um grupo seleto?? Ou nós escolhemos quando aplicar tolerância? Estou curioso.”

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Mesmo após polêmica sua morte, a razão para o sucesso estrondoso de XXXTentacion parece difícil de destrinchar. Em março de 2017, quando foi liberado da prisão, o rapper já se encontrava num status de celebridade. Depois de fazer sua primeira turnê, de abril a junho de 2017, e sair na capa da XXL, X lançou seu disco de estreia, 17, que chegou ao segundo lugar na Billboard e recebeu elogios de Kendrick Lamar.

Enquanto aproveitava a fama e aguardava o julgamento, marcado originalmente para maio mas adiado diversas vezes, a Pitchfork vazou o depoimento de Geneva Ayala, a suposta vítima de X. As acusações de Ayala começavam em junho de 2016, quando o rapper teria quebrado seu celular e a dado um tapa na cara quando ela elogiou um amigo via mensagem. Até 8 de outubro, quando Ayala conseguiu fugir, XXX ameaçou penetrar a vítima na vagina com um garfo de churrasco, a bateu diversas vezes, a ameaçou de morte, e a manteve trancada num apartamento em Sweetwater, na Florida.

O julgamento foi adiado de novo, e, neste meio tempo, Onfroy foi acusado de coagir a vítima a assinar um documento pedindo que as acusações fossem descartadas. No julgamento deste crime, que aconteceu em 15 de dezembro, o rapper declarou-se inocente e foi preso, sendo alguns dias depois confinado em prisão domiciliar. Na mesma semana do lançamento de seu segundo álbum, ?, em março de 2018, ele foi liberado para sair em turnê. Os shows ainda não haviam sido anunciados quando XXX foi assassinado ontem.

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Em meio a essa trajetória de altos vertiginosos e baixos subterrâneos, o apelo de X ficou de alguma maneira intrincado à sua sucessão de violentos crimes. Uma pesquisa no Google Trends sugere que os picos de popularidade do rapper aconteceram em situações específicas — 26 de março a 1 de abril de 2017, quando o rapper foi solto da prisão; 4 a 10 de junho, o fim abrupto de sua turnê quando seu primo foi baleado; 17 a 23 de setembro, o lançamento de 17; 17 a 23 de dezembro, seu julgamento e prisão; 18 a 24 de março de 2018, quando o rapper foi solto da prisão domiciliar para sair em turnê.

XXX não foi o primeiro e não será o último rapper ou artista pop que cometeu crimes de gravidade considerável. Kodak Black, com quem X inclusive colaborou na música “Roll In Peace”, enfrenta acusações de roubo, posse ilegal de arma, abuso sexual de menores e tráfico de drogas enquanto emplaca hits como “Tunnel Vision”; os crimes de Gucci Mane se tornaram memes na internet e os três membros do Migos já foram presos diversas vezes por posse de armas antes de explodirem “Bad and Boujee”.

X, porém, não apenas cometeu crimes como também teve sua carreira alavancada pelas acusações preocupantes e consecutivas prisões e solturas. A violência misógina e homofóbica disseminada pelo rapper levantou teorias de que ele seria apoiado por figuras da alt right americana, — em 8 de março de 2017, Milo Yiannopoulos postou uma foto em frente a um centro de detenção com a legenda #FREEX, sugerindo que ele tivesse ido visitar o rapper, o que foi mais tarde desmentido — ao mesmo tempo em que causava polêmica por colocar a imagem de uma criança branca enforcada no clipe de “Look At Me!”.

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Mas, junto à agressividade do rapper, questões de vulnerabilidade, solidão, saúde mental e suicídio levantadas por suas músicas lhe tornaram o herói de um nicho de jovens consumidores do tal SoundCloud rap (como aconteceu com o também falecido rapper Lil Peep). X era louvado pela transparência com que falava de seus sentimentos e se tornou referência entre os colegas em sua mistura de trap, R&B, emo e nu metal, apesar de não ter sido o primeiro nem o único a se apoiar na combinação de tais elementos.

A violência ao redor de X, provocada, disseminada e sentida por ele, assombrou sua vida e morte. Tanto Onfroy quanto sua vítima, segundo um perfil escrito pela Miami New Times no início de junho, tiveram juventudes cercadas pelo abandono e tragédia. A história não é incomuns para aqueles que, como o rapper, são negros e jovens. Ainda ontem, horas depois de seu assassinato, o também MC Jimmy Wopo morreu em sua cidade natal, Pittsburgh, após ser baleado durante um tiroteio.

Querendo ou não, XXXTentacion foi uma figura de violenta trajetória e grande relevância durante sua curta carreira. Sua trágica morte, assim como os trágicos eventos que perpetuou em vida, inspiram uma sensação de necessidade de posicionamento imediato, mas talvez o que realmente precisemos é de uma reflexão, tanto pessoal quanto coletiva, sobre os temas que os cercam — a violência doméstica, o machismo e homofobia no rap e na cultura pop, a cultura da violência no hip hop, mortes violentas de jovens negros, depressão, suicídio e saúde mental.

Por enquanto, só é possível afirmar que o impacto deixado pelo rapper, pelo mal ou — se a discussão certa for levantada — pelo bem, será tão grande quanto o sucesso meteórico que ele obteve nesse último um ano e meio de repercussão.

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