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Entretenimento

A diretora de 'Axis' Aisha Tyler está provando que Hollywood não conhece seu público

Falamos com a estrela de 'Archer' e 'Criminal Minds' sobre Hollywood, sua estreia na direção e dublar a imortal Lana Kane.
Aisha Tyler gravando a dublagem para Archer. Foto por Ben Mark Holzberg, cortesia da FXX.

Se dependesse de Hollywood, Aisha Tyler seria sempre escalada para ser a amiga negra sarcástica da protagonista de toda comédia romântica. É um padrão que vemos muito, alimentado por conceitos estreitos sobre mulheres negras, que atrizes negras não são viáveis financeiramente, que mulheres negras não escutam programas de rádio, que mulheres negras não assistem TV e cinema de gênero. E esses esteriótipos são “chatos” para Tyler, a estrela de 47 anos de Archer e Criminal Minds e artista multitalentosa premiada (atriz, dubladora, comediante, diretora, escritora, podcaster e apresentadora de talk show). Recentemente ela acrescentou 'cineasta' ao seu currículo já impressionante, e não com qualquer filme. Com Axis, filmado em apenas sete dias, Tyler sentou na cadeira de diretora de um thriller intenso que acontece inteiramente dentro de um carro. Coma poeira, Hollywood.

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Logo em sua primeira aparição como uma repórter em Nash Bridges em 1996, Tyler passou o resto de sua carreira destruindo esteriótipos. Ela já dublou videogames, estrelou em séries de TV como 24 Horas e Ghost Whisperer, e apresentou não um, mas vários programas de TV como Whose Line is it Anyway? Ela é a escritora de um best-seller dolorosamente hilário, Self-Inflicted Wounds. Ela comandou o irreverente podcast Girl on Guy por mais de 200 episódios. Ah, e em 2003, ela foi a primeira atriz negra a conseguir um papel grande em Friends, interpretando uma paleontologista que chama a atenção de Joey e Ross.

Recentemente, Tyler deu uma pausa em sua agenda extremamente cheia para falar com a VICE sobre seu primeiro filme, como ela navega pelos sistemas arcaicos de Hollywood e como é imortalizar a Lana Kane de Archer.

VICE: O que te atraiu para fazer Axis?
Aisha Tyler: Eu já tinha feito um filme com o roteirista e o ator principal, um curta na Irlanda em 2014. Ele estava trabalhando nesse roteiro há um tempo e me mostrou. Achei que seria um ótimo primeiro filme com um conjunto interessante de problemas para tentar resolver.

Foi difícil filmar a coisa inteira dentro de um carro em apenas sete dias?
O principal desafio era: como fazer um filme com um personagem na tela? Como capturar isso não só na narrativa mas também visualmente? Como você captura a atenção das pessoas e a mantém por 90 minutos? Se você não pode sair do carro, como colocamos o público no carro com esse cara de um jeito atraente? Acho que conseguimos fazer isso. Às vezes é claustrofóbico, mas isso causa ainda mais tensão.

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Também parece que o personagem principal é um anti-herói, o que pode deixar o público um pouco em conflito.
Bom, ele é só humano. Ele é um herói, mas os problemas que ele está tentando resolver são problemas que ele mesmo criou. Ele é um garoto bonito que teve muito sucesso em sua carreira. Com esse sucesso vieram muitos comportamentos autodestrutivos, e acho que muita gente vai se identificar com isso. Todo mundo acorda tentando ser uma versão melhor de si mesmo, e a gente sabe que isso não é tão fácil quanto parece.

Você contornou o processo tradicional de Hollywood e optou por fazer um financiamento coletivo para o filme. O que te fez escolher esse caminho?
Eu sabia que levar esse filme pela rota tradicional levaria muito tempo. Tipicamente, quando levamos um filme para os estúdios, eles dizem tipo “Podemos ter um nome?” Eles mudam parte da história e dizem “Podemos acrescentar isso?” Eu só queria fazer um filme que eu quisesse fazer. Eu também não tinha tempo. Eu estava em quatro séries quando filmamos em 2016 e eu só tinha uma semana de folga. Então eu não tinha só que fazer o filme em uma semana, eu tinha que fazer naquela semana. Os estúdios não são tão ágeis assim. Quando faz um filme com financiamento coletivo, você sabe de cara se vai conseguir fazer o filme ou não. Começamos uma campanha, e no final da primeira semana conseguimos metade do dinheiro que precisávamos, e eu pude filmar logo de cara.

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Tracy Oliver, roteirista de Viagem das Garotas, disse numa entrevista que apresentou um filme de terror para executivos de Hollywood que disseram que mulheres negras não gostam de filmes de terror. O que você responderia para um comentário assim?
Bom, primeiro: isso é ridículo. Hollywood continua se mostrando errada com esses preconceitos datados sobre o que interessa para o público. Tipo: “Mulheres não gostam de filmes de ação”, Mulher Maravilha mostrou outra coisa. Ou “As pessoas não vão assistir um filme com um elenco principalmente negro”, o que foi completamente explodido com Pantera Negra. A coisa de “negros não gostam de filmes de terror” caiu com Corra! Essa cidade está cheia de ideias antiquadas e moderadamente racistas sobre o que as pessoas fazem e do que as pessoas gostam, que são perpetuadas por pessoas do alto escalão. Está na hora disso mudar.

Mas as coisas estão melhorando?
Acho que estão mudando. Acho um tédio quando alguém diz “Ah, negros não assistem terror”. Simplesmente passo por cima disso porque me disseram a vida toda que negros não esquiam. Negros não nadam. Negros não gostam de punk rock. Todas coisas em que eu estava interessada, e acho que me envolvo com interesses que de alguma forma estão fora da definição convencional do que uma mulher negra faz – nem sempre porque são interessantes para mim, mas para provar um ponto. Odeio quando pessoas de dentro e fora da comunidade negra me dizem o que é negro e o que não é. É importante para mim como cineasta desobedecer essas regras. Axis é um thriller sobre um irlandês viciado em drogas em Los Angeles. Provavelmente não seria um filme que eles entregariam para uma diretora negra, mas estamos constantemente dizendo para as mulheres que elas podem fazer filmes de mulher e para negros que eles podem fazer filmes negros. Ninguém disse a Steven Spielberg que ele não podia fazer A Cor Púrpura. Acho que é hora de parar de ver pessoas negras como a) um monolito e b) definidas estreitamente por experiências e condições. Decidimos que pessoas negras só querem assistir filmes Madea? É uma mentalidade tão fechada. E isso me deixa de saco cheio.

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Falando em esteriótipos de mulheres negras, você fez de Lana Kane de Archer um ícone. Ela é tipo a Pam Grier dos personagens animados. Quanto de você entra na Lana? O que você aprendeu sobre si mesma interpretando ela?
De certas maneiras, ela é como eu. Ela é a pessoas mais confiante na sala. Ela é um pouco anal e certinha, com uma certa compulsão obsessiva, qualidades que compartilhamos. Alguns ticks verbais dela passaram para mim. Adam disse que o “YUP” dela era o “YUP” que ele ouvia de mim. Na temporada Dreamland, eu cantei, que é algo que não posso dizer que já fiz profissionalmente, mas minha mãe era cantora de jazz. Fiz parte de um grupo que cantava a cappella na faculdade. Também acabei fazendo stand-up naquela temporada. É muito divertido interpretar a Lana. Até hoje isso é uma das coisas mais interessantes que já fiz.

Você falou sobre isso na última Comic Con de Nova York, mas desde que Archer foi renovado para uma décima temporada, o que você gostaria de ver Lana conquistando no final da série?
Agora que a série passou para essas parábolas loucas da dinâmica original, não posso dizer que tenho qualquer objetivo para ela. Ela já se atualizou. Ela teve uma filha. No final da temporada cinco, Archer fez esses grandes sacrifícios pessoais. Ele se afogou para salvar a vida dela. Então todas essas coisas que ela precisava ou queria dele, ela já conseguiu. Não vejo um final feliz tradicional para ela, onde ela se casa. Não acho que ela está interessada nisso. Para mim, ela já tem tudo.

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Ela tem sido a arquiteta de sua própria vida, apesar de ir contra a tradição.
Ela é realizada. Ela não se desculpa por isso. Originalmente, achei que ela acabaria no comando da agência de espionagem, mas a agência não existe mais. Eu não queria um relacionamento longo com Archer ou outra pessoa. Ele não é capaz disso, e ela é inteligente o suficiente para saber. Ela não vai passar o resto da vida com aquele cara.

Archer está num relacionamento com ele mesmo, e ele é monogâmico.
E é a melhor coisa que ele pode fazer por todo mundo.

Como você está focada em fazer filmes agora, qual seria seu projeto ou elenco dos sonhos?
Bom, um dos meus projetos dos sonhos eu não posso discutir agora. Mas vou dizer o seguinte: Você mencionou Tracy Oliver no começo da nossa conversa, e eu também acabei de terminar um roteiro para um filme de terror que planejo dirigir.

Que legal!

Fechamos mesmo o círculo nesta conversa.

Esta matéria é parte de um esforço da VICE para destacar as contribuições de mulheres negras do mundo todo que estão fazendo a diferença. Leia mais sobre mulheres negras fortes fazendo história aqui.

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