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Varrendo a Instabilidade Para Debaixo do Tapete na Praça Tahrir

O desejo de estabilidade pode custar a democracia aos egípcios.

Quarta-feira passada, na Praça Tahrir, Cairo, mais de uma dúzia de paisagistas regavam a grama recém-plantada e transferiam plantas novas de seus vasos para o solo. Em outro canto da praça, a tropa de choque estava posicionada junto a seus caminhões verdes, observando enquanto os trabalhadores pintavam postes e retiravam os últimos resquícios de barbante usados para pendurar faixas durante os protestos. Sob o olhar atento de câmeras de TV, o epicentro da Evolução Egípcia de 2012 recebia uma restauração e os tempos de tumulto e derramamento de sangue que vieram antes eram maliciosamente varridos para debaixo do tapete. Nafisa Fuad estava de pé bem no meio do “palco” erguido no coração da Tahrir, dirigindo os esforços de renovação da área. Nafisa é a chefe do Centro de Embelezamento do Governo do Cairo. Quando perguntei a ela qual o pensamento por trás de todo esse paisagismo, ela disse: “Isso expressa um retorno à aparência que a praça tinha inicialmente, antes da revolução”.

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A grama e os arbustos recém-plantados foram uma mudança surpreendente para a Tahrir — um ponto focal do levante que derrubou o ditador Hosni Mubarak e das muitas ondas de protestos subsequentes contra o governo militar e contra o presidente da oposição, Mohamed Morsi, apoiado pela Irmandade Muçulmana. Em certos momentos, durante o auge dos protestos revolucionários, o estado chegou a ceder o controle da praça aos manifestantes, erguendo muros para proteger os prédios do governo em vez de mobilizar suas forças para tirá-los de lá. Até a semana passada, a polícia ainda estava removendo as pequenas barracas improvisadas das manifestações passadas. Olhando para a praça na última semana, foi difícil para mim imaginar os dias quando camelôs e lojas de bagagens tiveram suas mercadorias jogadas na calçada e as chamas do descontentamento foram atiçadas por milhares de manifestantes.

“O que [o governo egípcio] está tentando transmitir é que a cidade era disfuncional e perturbada por causa da revolução”, disse o arquiteto e urbanista Omar Nagati em seu escritório no centro do Cairo. “Agora, isso está voltando à sua funcionalidade. A mensagem é que com o novo regime, voltamos à normalidade.”

A transformação urbana não se limita à Praça Tahrir. As autoridades egípcias têm tentado restaurar o Cairo pavimentando novamente uma ponte, pintando calçadas e cobrindo alguns dos grafites icônicos da rua Mohamed Mahmoud — um local de confrontos frequentes entre a polícia e os manifestantes. A nova mão de tinta coincidiu com as preparações para a celebração do aniversário de 40 anos da guerra de 1973 do Egito contra Israel, um divisor de águas na mitologia nacionalista.

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Uma operação de embelezamento também está acontecendo na Praça Rabaa Al-Adawya, onde pelo menos 377 pessoas morreram durante uma ofensiva do governo contra os manifestantes contrários à deposição de Morsi em 14 de agosto. Quinta-feira passada, semanas após a cena apocalíptica que aconteceu ali durante a ofensiva, trabalhadores do governo estavam ocupados renovando a Mesquita de Rabaa Al-Adawiya, que foi destruída pelo fogo. No centro da praça, eles erguiam um monumento, duas grandes garras de metal saindo do pavimento. Um oficial, citado pelo site de notícias egípcio Mada Masr, disse que o monumento vai expressar “a unidade do exército, polícia e povo”.

As renovações não são somente cosméticas. Algumas mudanças são permanentes, incluindo a remoção de um muro que bloqueava um trecho da Rua Qasr Al-Aini, uma rua importante que leva ao sul da Tahrir, usada pelos manifestantes no passado. Vários outros muros permanecem, mas a melhora no fluxo do trânsito na área é notável. O urbanista Omar Nagati sugere que as mudanças farão o governo “ganhar a confiança de grandes segmentos da sociedade que querem estabilidade e funcionalidade”.

Alguns dos comerciantes dos arredores da Tahrir receberam com bons olhos a nova ordem. “Os dias que virão serão melhores”, disse Ramadan Faris, dono de uma banca de jornais na Tahrir. “Eles estão limpando a praça. Vamos voltar aos tempos do turismo. As pessoas vão saber que podem passar por aqui.”

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Os egípcios desejam tanto alguma estabilidade que provavelmente apoiarão o General Abdel Fattah al-Sisi para a presidência, se ele ao menos puder promover uma ilusão de segurança. No entanto, eleger o homem forte dos militares sob o disfarce de uma miragem paisagística, pode custar ao país dois anos e meio de terreno ganho em direção à democracia.

O governo militar de 2011 e o governo de Morsi também tentaram embelezar a Tahrir. Nas duas ocasiões, a praça foi invadida novamente durante as ondas de instabilidade. Na semana passada, de novo, a estabilidade prevista pelas autoridades não durou muito. Na sexta, a praça foi fechada pelas forças de segurança, que abriram fogo contra manifestantes contrários ao governo militar. No domingo, a comemoração do aniversário da guerra seguiu como o planejado, assim como protestos contra o governo. Enquanto estrelas do pop cantavam hinos patrióticos para uma multidão dentro da Tahrir, milhares de manifestante antirregime marchavam em direção à praça. Os manifestantes chegaram a alguns quarteirões da Tahrir antes de serem desviados por gás lacrimogêneo e balas. Pelo menos 57 pessoas foram mortas em protestos por todo o Egito. Omar acredita que, mesmo se o novo governo conseguir estabelecer a ordem nas ruas a curto prazo, os problemas de desigualdade e exclusão social no Egito vão resultar em mais instabilidade. “Talvez aconteça outro momento de implosão”, ele disse. “Talvez haja uma mudança gradual. Mas haverá mudança. E você pode ver isso. Há uma sensação de desespero. Você pode sentir isso no ar.”

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