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cenas

Cobretti, o punk bandido que teve um bordel em casa

Duas tardes à maneira com o Cobretti e amigos.

Quando me disseram que havia um gajo que fez da própria casa um bordel, estava longe de imaginar que até já tínhamos falado sobre ele. De facto, este Marion Cobretti (nome de guerra que nos recorda o Stallone de Cobra) não é um gajo qualquer. Pediu-me que fosse ter com ele a um spot meio escondido na Ajuda, "à tasca da careca”, como ele lhe chamou. Um café decadente mas simpático que pertence a uma colectividade local. Daqueles sítios onde os reformados e os maninhos se juntam para pôr a conversa em dia, beber umas cervejas e jogar bilhar. Encontrei o Marion exactamente assim, de taco e garrafa na mão. “Então pá? Queres saber como é que se monta uma casa de putas, é?”. Foram as primeiras palavras que me dirigiu. Rapidamente percebi que não havia espaço para rodeios. Mas comecemos pelo início. Este Cobretti é português, nasceu em Lisboa e cresceu no bairro da Ajuda. Aos 12 anos, e com cabelo à moicano, já tinha os pretos e os ciganos atrás dele. Aos 16 era viciado em coca e já não morava com os pais. Aos 18 começou a brincar com cavalo e a partir daí foi sempre a descer. Um ano depois, ainda “um puto sem barba”, já tinha uma filha nos braços. A única linha orientadora de todo este enredo é o punk. Um e outro nunca se largaram. A história que me levou a conhecer o Cobretti foi-me explicada de forma avulsa, entre tentativas de capote no bilhar. Percebi que não valia a pena ter a pretensão de contar uma história absolutamente factual. Tudo começou numa altura em que “estava fodido da vida”. Lá para 2004, quando “andava agarrado ao cavalo”, e numa conversa com três russos, alguém lançou para o ar a ideia de abrir uma casa de putas clandestina e o que começou como uma brincadeira foi ganhando forma. Quando a cena começou a tornar-se séria, percebeu que se os russos não o curtissem, estava fodido. Sempre assumi que, mesmo para um punk, transformar a própria casa num bordel era um desafio do caraças. Implicava uma série de merdas: gajas, espaço, seguranças, clientes e, como nos negócios legais, tempo. Foi em 2005 que começaram a pôr uns anúncios em que pediam “colaboradoras para apartamento de convívio”. No início, nem tiveram muita sorte porque “era sempre a bófia a ligar” para “saber se havia crime organizado”. O processo de recrutamento foi com entrevistas, “como se fosse uma secretária” e é óbvio que o Cobretti também fez a sua avaliação. Falou com umas 30 mulheres, mas só escolheu três. Duas africanas e uma loira, a “típica cota bem relacionada que vai aos congressos do PSD”. O Cobretti lembra-se de uma em particular, a Elisabete. Era uma africana gordinha que “fazia altos broches” e que tinha um “talento nato para a prostituição”. Até podia ser a mais foleira, mas tinha sempre mais clientes. No negócio propriamente dito, quem mandavam eram os russos. O Cobretti era “um soldado”, o tipo que deve garantir os lubrificantes, o álcool, as drogas e a limpeza dos quartos. Lençóis lavados, essas coisas. Eram “dois quartos a bombar” e, ainda que clandestino, o negócio sempre foi honesto. As mulheres “levaram sempre dinheiro para casa”. Depois de cinco meses de aventura, já estava farto. Mas os clientes não: ainda teve malta a ir lá bater-lhe à porta. O gajo fez questão de me mostrar as zonas que frequenta. Saímos da tasca e fomos dar um passeio. Ao Peep Show, um casa de strip na baixa, onde ele trabalhou durante sete meses como vendedor de dildos e outros acessórios. Também vendia strippers a privados. “Conseguia vender a pior stripper como se fosse a melhor.” Algumas limpezas eram por conta dele, mas confessou-me que tanto limpava as cabines como as carteiras dos clientes. Já de caminho para casa, ainda fomos ao Cais de Sodré, local onde o Cobretti se movimenta bem e onde mantém contacto com as pegas. Foi lá que me apresentou umas quantas, todas velhas e muito simpáticas que nos cumprimentaram com dois beijinhos, mas que não quiseram falar. Combinámos encontrar-nos para umas fotos uns dias mais tarde, mas não deu porque na véspera o Cobretti teve ensaio, morreu-lhe um amigo, partiu o telemóvel, zangou-se com a mulher e voltou a tomar calmantes e a beber cerveja. Só voltámos a estar juntos duas semanas mais tarde. Mas tudo começou da mesma forma. Um snooker e umas cervejas na tasca da careca. Desta vez apresentou-me o Kadáver, um amigo antigo. Também ele guarda imensas histórias de uma vida repleta de drogas, roubos e ilusões desfeitas. Mas este tipo sabe mesmo ser um bom anfitrião: levou-me a um bar de Belém repleto de polícias e militares (há uma esquadra e um quartel muito perto). A dona do bar, uma imigrante dominicana, já o conhecia e tratou logo de nos servir um punk altíssimo, vindo directamente do mp3 do Cobretti. Fomos fazer umas fotos na zona do Palácio da Ajuda e parámos em frente ao quartel da GNR. Foi mesmo ali que fez questão de nos mostrar a boa erva que tem. Fumámos um, bazámos para as fotos ao pé de uma chaimite e de uns cavalos dourados à porta do quartel. Os GNRs chamaram-nos e começaram a implicar. Exigiram que apagássemos as fotos do cavalo dourado, mas as cenas não funcionam assim, não é? O Cobretti ficou doido com a façanha e levantou a t-shirt para nos mostrar o peito com uma tatuagem do Alex do Laranja Mecânica, além de várias cicatrizes. Pergunta-me: “Sabes o que é isto?” Não sabia, claro. “Isto são cicatrizes do punk! Fui eu que me chinei a mim próprio com uma garrafa partida!” Dali fomos num instante ao 2 de Maio, um bairro de ciganos onde antigamente ele e o Kadáver compravam cavalo, mas bazámos rapidamente porque é um sítio que lhes traz recordações de merda. Despedimo-nos pouco depois. O refrão da “Vida Maldita“, música do último LP dos Clockwork Boys — “revoltado com o mundo, não tenho nada a perder, há muito que bati no fundo e agora é matar ou morrer” — resume na perfeição o inferno em que se diverte. Foram duas tardes à maneira com o Cobretti e os seus amigos. Fotografia por Nuno Barroso